Análise da obra de Gregório de Matos
28/09/2012 22h
06
Para entender a obra de Gregório de Matos é preciso conhecer o
contexto histórico no qual ele está inserido, uma vez que grande parte
de sua poesia (principalmente a satírica) faz alusão a duas de suas
maiores referências: o Brasil e Portugal. No final do século XVII,
Portugal estava em decadência, sendo que o sistema escravocrata não
conseguia mais sustentar a economia da Metrópole. Assim, Portugal
impunha ao Brasil uma série de restrições comerciais a fim de conseguir
vantagens. Por conta disso, os senhores do engenho e proprietários
rurais brasileiros passaram a enfrentar uma forte crise económica.
Em
contrapartida à crise do mercado de escravos e do engenho de açúcar,
surge uma rica burguesia composta por imigrantes vindos de Portugal e
que comandavam o comércio na colônia. Esta rica burguesia dominou também
o mercado de crédito e outros contratos reais. Por conta do monopólio
gerado por estes imigrantes, agravou-se a crise dos proprietários rurais
brasileiros e a hostilidade entre esses dois grupos foi crescendo ao
longo dos anos.
Gregório de Matos, como filho de senhor de
engenho e bacharel em Direito, encontra-se em uma posição central neste
cenário, tendo condições de pensar e analisar seu momento histórico sob
diversas perspectivas. Gregório de Matos, apesar de ter tido diversos
cargos de poder, resolve desligar-se de tudo e viver à margem da
sociedade como um poeta itinerante, percorrendo o recôncavo baiano e
frequentando festas e rodas boemias. Porém, mesmo distanciado da
sociedade hipócrita a qual ele condena, ele também se insere nela, pois
Gregório ainda depende da nobreza e vive à custa de favores deles. Ao
mesmo tempo, ele encara o papel do portador de uma "voz crítica" sobre
essa mesma sociedade na qual ele se insere.
Conforme explica José
Wisnik, o poema satírico de Gregório de Matos é marcado por essa
"briga" entre uma sociedade "normal" - que é a do homem bem nascido" - e
outra "absurda" - que é composta por pessoas oportunistas, mas que
estão instaurados no poder. Porém, no caso de Gregório de Matos a
"sociedade absurda" é real, pois é a Bahia onde ele vive; e a sociedade
considerada "normal", que é a dos homens bem nascidos e cultos, é
absurda perante a realidade baiana. Assim, ambas são consideradas
absurdas uma perante a outra. Esse impasse é o da realidade histórica
desse momento, coexistindo em um mesmo locas duas Bahia: uma "normal",
que é vista com ar nostálgico, e outra "absurda" e amaldiçoada.
Se
de um lado existe a obra satírica de Gregório de Matos, onde ele expõe e
critica sem nenhum pudor a sociedade da época, de outro lado há também a
poesia lírica produzida por ele. Seus poemas líricos são comumente
divididos em: lírico-amorosos e burlescos/eróticos. Há ainda uma vasta
produção de poemas com temática religiosa. Porém, há de se ressaltar que
a ironia e crítica social existente nos poemas satíricos não são
deixados de lado em sua produção lírica e religiosa.
Na poesia
amorosa e erótica de Gregório de Matos, o tema básico continua sendo o
choque de opostos: "espírito" e "matéria", "ascetismo" e "sensualismo".
Essa visão dualista também aparece na figura da mulher desejada, sendo
que esta representa uma espécie de "anjo-demônio". É interessante notar
que na obra de Gregório de Matos o "outro lado" em um par de opostos
sempre irá conter um pedaço do seu par antagônico. Ou seja, se tomarmos
por exemplo a figura da mulher, quando ela aparece como um ser
angelical, ela também terá uma parte demoníaca, e vice-versa.
Dessa
forma, a poesia lírico-amorosa de Gregório de Matos é construída em
torno de contradições e pares de opostos, utilizando figuras de
linguagens como o oximoro, que reforça essas contradições. Porém,
deve-se ter em mente que estas contradições não se anulam e a mensagem
final que o poeta passa é de que "diferença é identidade". Já a poesia
erótica de Gregório de Matos, na qual o poeta utiliza uma linguagem mais
direta e explícita do que na lírico-amorosa, o amor carnal aparece como
forma de libertação do corpo e, por consequência, do indivíduo também.
Por
fim, tem-se a poesia religiosa de Gregório de Matos, que também é
trabalhada constantemente através de pares de opostos. O ambiente
fortemente cristão do período barroco, faz-se presente aqui, onde os
pares antagônicos da vez é a "culpa" versus "perdão". Gregório de Matos
faz uso da poesia para se libertar e ela é a única forma possível de
salvação para o poeta. Esta salvação não se dá somente entre o poeta e
Deus, mas também perante a sociedade e si mesmo.
Poemas representativos
"A Jesus Cristo Nosso Senhor"
Este
soneto é um dos maiores representantes da poesia sacra/religiosa de
Gregório de Matos. Segundo a crítica literária, este poema foi inspirado
em outros poemas de autoria desconhecida já existentes em língua
espanhola. Outra inspiração do poeta foi é a passagem do evangelho de
São Lucas, onde Jesus Cristo conta a parábola da ovelha perdida e
conclui dizendo que "há grande alegria nos céus quando um pecador se
arrepende de seus pecados e dá meia volta".
Nesse soneto, a
temática da "culpa" versus "perdão" aparece posta em xeque, pois o poeta
utiliza da linguagem para conseguir seu perdão e salvação. Enfrentando o
poder divino, o eu-lírico pede para que Deus cobre os pecados cometidos
por ele, pois quanto mais pecados ele comete, mais Deus se esforça para
perdoa-los. Assim, da mesma forma como o poder divino precisa perdoar, o
pecador precisa pecar para poder ser perdoado.
Estruturalmente, o soneto é composto por 14 versos decassílabos com rimas no esquema ABBA, ABBA, ABC, ABC.
"Aos Afetos, e lágrimas derramadas na ausência da dama a quem queria bem"
Este
soneto faz parte da produção lírico-amorosa de Gregório de Matos.
Estruturalmente é composto por 14 versos decassílabos com rimas ABBA,
ABBA, CDC, DCD.
O poema é composto através de antíteses, figura
de linguagem que aproxima pares de opostos, o que é uma marca da poesia
lírico-amorosa de Gregório de Matos. A primeira parte do soneto, que é
formada pelos dois quartetos, é marcada por um tom de lamentação onde o
eu-lírico vive um embate entre "paixão" (simbolizado através de imagens
como "fogo" e incêndio") e "dor" (simbolizado por "neve" e "água",
remetendo à "lagrimas"). Na segunda parte, o eu-lírico se indaga sobre a
natureza contraditória do amor, fazendo lembrar a lírica do poeta
português Camões ("Amor é fogo que arde sem se ver/É ferida que dói e
não se sente"). A ideia de que "diferença é identidade" presente na
poesia amorosa de Gregório de Matos se faz presente de modo exemplar
nesse soneto.
"Descreve o que era naquele tempo a cidade da Bahia"
Este soneto satírico é composto por versos decassílabos em esquema de rimas ABBA, ABBA, CDE, CDE.
A
Bahia de outrora aparece com um tom nostálgico, e o poeta critica a
degradação moral e econômico no qual a cidade se encontra no momento. Os
ladrões e oportunistas (comerciantes, etc) são os detentores do poder
político e econômico, enquanto os trabalhadores honestos encontram-se na
pobreza. Esse tom nostálgico e de lamentação aparece também no famoso
soneto "À cidade da Bahia", em que vemos a decadência dos engenhos de
açúcar e a ascensão de uma burguesia oportunista segundo o poeta.
Comentário do professor
O
professor Gilberto Alves da Rocha (Giba), do Curso Apogeu de Curitiba
(PR), comenta que existem dois pontos principais na obra de Gregório de
Matos que devem ser observados pelo estudante. O primeiro é o intenso
conflito de ordem espiritual, típico do período barroco: de um lado, o
Teocentrismo (teoria segundo a qual Deus é o centro do universo) e, de
outro, o Antropocentrismo (segundo esta teoria, o homem é o centro do
universo e este deve ser analisado de acordo com sua relação com o
homem). Em sua poesia religiosa, Gregório consegue filtrar com maestria
essa dualidade vivida pelo homem da época. Já o segundo ponto a ser
observado, comenta o prof. Giba, é a linguagem do autor: assim como
Gregório procura utilizar um vocabulário mais formal nos poemas líricos e
religiosos, ele utiliza gírias e até termos de baixo calão nos poemas
satíricos.
Pensando-se na prova do vestibular, o prof. Giba
afirma que, por se tratar de obra poética, os aspectos formais (rima,
métrica, vocabulário) são bastante explorados pelas bancas examinadoras e
o aluno deve estar atento a questões desse tipo. Quanto aos temas
tratados por Gregório de Matos, a temática do "carpe diem" (aproveitar o
dia) está muito presente em sua poesia lírica, e é geralmente associada
à ideia da efemeridade, um dos temas mais caros aos artistas barrocos.
Por fim, o prof. Giba lembra a importância de Gregório de Matos dentro
da literatura brasileira, pois ele foi o primeiro artista brasileiro a
filtrar os desmandos políticos e o cotidiano da Bahia, Capital da
Província na época.
Sobre Gregório de Matos
Gregório
de Matos Guerra nasceu no dia 7 de abril de 1633, na cidade de Salvador
(BA). Filho de um fidalgo português que se tornou senhor de engenho no
Recôncavo baiano com uma brasileira, Gregório de Matos recebeu educação
formal e se formou em Direito na Universidade de Coimbra, Portugal.
Embora não se saiba muito sobre sua vida, acredita-se que ele tenha
chegado a trabalhar como juiz em Lisboa e tenha frequentado a Corte
Portuguesa, conhecendo inclusive o rei D. Pedro II. Nesse período ele
também teria se casado, mas ficou viúvo algum tempo depois e teria
entrado em decadência junto ao reinado de D. Pedro II.
De volta a
Salvador, Gregório de Matos trabalhou como Arcebispo e como
tesoureiro-mór, mas foi desligado de suas funções por volta de 1683. A
certa altura, casou-se com Maria dos Povos e vendeu as terras que havia
recebido como herança. Conforme conta-se, Gregório de Matos guardou todo
o dinheiro conseguido com a venda em um saco dentro de casa e gastava
tudo sem economizar. Enquanto isso, trabalhava também como advogado e
ficou famoso por escrever argumentações judiciais na forma de versos.
Após
um tempo, Gregório de Matos largou tudo e tornou-se cantador itinerante
pelo Recôncavo baiano, frequentando festas populares e convivendo com o
povo. Nesse período ele passa a escrever cada vez mais poesias
satíricas e eróticas, o que lhe rendeu o apelido "Boca do Inferno". Além
disso, ele escreveu diversas poesias de crítica política à corrupção e
aos fidalgos locais, o que fez com que ele fosse deportado para Angola.
Gregório
de Matos só pode voltar ao Brasil em 1695, mas com a condição de que
ele abandonasse os versos satíricos e fosse morar em Pernambuco. Nessa
altura da vida, ele volta-se para a religião e escreve diversos poemas
pedindo perdão a Deus pelos pecados que cometeu. Falece em data incerta
no ano de 1696 em Recife (PE).
http://guiadoestudante.abril.com.br/estudar/literatura/gregorio-matos-poemas-escolhidos-analise-obra-gregorio-matos-703822.shtml
11/12/2012, 18:58