domingo, 6 de dezembro de 2020

Bakhtin - fichamento (Os gêneros do discurso)

 


Os textos bakhtinianos "Os gêneros do discurso" e "O texto na linguística, na filologia e  outras ciências humanas" foram publicados em Estétika sloviésnovo tvórtchestva (Estética da criação verbal, Iskusstvo, 1979),  organizado e notado por Serguei Botcharóv. Também integraram o tomo 5 de Sobránie sotchiniénii (Obras reunidas de Mikhail M. Bakhtin, Moscou, Rússkii Slovari, 1997),  preparado por Botcharov e Liudmila Gogotichvíli e entitulados como "Problemi retchevikh jánrov" ("Problemas dos gêneros do discurso") e "Problema teksta v linguistike, filologii i drugikh gumanitarnikh naukakh" ("O problema do texto na linguística, na filologia e em outras ciências humanas.


"Diálogo I. A questão do discurso dialógico" ("Dialog I. Problema dialogítcheskói riétchi")  e "Diálogo II" ("Dialog II) integram o tomo 5 das Obras reunidas de Bakhtin (1997).


No livro de 1997, "O texto na linguística..." foi dividido em "O problema do texto na linguística..." e em "Apontamentos de 1961" ("1961 god. zametki").


"Os gêneros do discurso" é um texto escrito em Saransk (capital da Mordóvia, distante 630km de Moscou) entre 1952 e 1953). O manuscrito foi publicado na revista Literaturnoi Utchebe (Estudo Literário), n° 1, 1978, pp. 209-19.


Os apontamentos de 1959 a 1961 inicialmente foram publicados com o título "O problema do texto" na revista Vopróssi literaturi (Questões de Literatura), n° 10, 1976, pp. 329-39, dirigida por Vadim Kójinov.

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"Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem. Compreende-se perfeitamente que o caráter e as formas desse uso sejam tão multiformes quanto os campos da atividade humana, o que, é claro, não contradiz a unidade nacional de uma língua. O emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana (p. 11)"


"[Os] enunciados refletem as condições específicas e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional (p. 11-12).


"Todos esses três elementos - o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional estão indissoluvelmente ligados =no conjunto= do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um campo da comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos =relativamente estáveis= de enunciados, os quais denominamos *gêneros do discurso* (p. 12).


"A riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multifacetada atividade humana e porque em cada campo dessa atividade vem sendo elaborado todo um repertório de gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que tal campo se desenvolve e ganha complexidade. Cabe salientar em especial a extrema =heterogeidade= dos gêneros do discurso (orais e escritos) (p. 12).


"Os gêneros discursivos secundários (complexos - romances, dramas, pesquisas científicas de toda espécie, os grandes gêneros publicísticos, etc.) surgem nas condições de um convívio cultural mais complexo e relativamente muito desenvolvido e organizado (predominantemente o escrito) - ficcional, científico, sociopolítico, etc. No processo de sua formação eles incorporam e reelaboram diversos gêneros primários (simples), que se formaram nas condições da comunicação discursiva imediata" (p. 15).


"[...] a língua passa a integrar a vida através de enunciados concretos (que a realizam)" (p.16).


"O estilo é indissociável de determinadas unidades temáticas e - o que é de especial importância - de determinadas unidades composicionais [...]" (p. 18).



"Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem" (p. 20).


"Onde há estilo há gênero" (p. 21).


"Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva [...]" (p. 25)


"O enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade real, delimitada com precisão pela alternância dos sujeitos do discurso e que termina com a transmissão da palavra ao outro [...]" (p. 29).


"[...] a alternância dos sujeitos do discurso, que emoldura o enunciado e cria para ele a massa firme, rigorosamente delimitada dos outros enunciados a ele vinculados é a primeira peculiaridade constitutiva do enunciado como unidade da comunicação discursiva, que o distingue da unidade da língua. [A] segunda peculiaridade é a =conclusibilidade= específica do enunciado" (p. 35).


"[A] plenitude acabada do enunciado, que assegura a possibilidade de resposta (ou de compreensão responsiva), é determinada por três elementos (ou fatores) intimamente ligados na totalidade orgânica do enunciado: 1) a exauribilidade semântico-objetal; 2) o projeto de discurso ou vontade de discurso do falante; 3) as formas típicas da composição e do acabamento do gênero" (p. 36).


"Quanto mais dominamos os gêneros, maior é a desenvoltura com que os empregamos e mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa individualidade" (p. 41).


"[...] conclusibilidade como o enunciado, e ao mesmo tempo comensurabilidade como a oração" (p. 43).


"A oração enquanto unidade da língua é desprovida da resposta capacidade de determinar imediata e ativamente a posição responsiva do falante" (p. 46).


"[...] enunciado suscita resposta" (p. 45).


"Todo enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva" (p. 46-47).


"A escolha dos meios linguísticos e dos gêneros de discurso é determinada, primeiramente, pelas tarefas (pela ideia) do sujeito do discurso (ou autor) centradas no objeto e no sentido. É o primeiro elemento do enunciado que determina as suas peculiaridades estilístisco-composicionais" (p. 47).


"O segundo elemento do enunciado, que lhe determina a composição e o estilo, é o elemento =expressivo=, isto é, a relação subjetiva emocionalmente valorativa do falante com o conteúdo do objeto e do sentido do seu enunciado" (p. 47).


"[...] só o contato do significado linguístico com a realidade concreta, só o contato da língua com a realidade, contato que se dá no enunciado, gera a centelha da expressão [...]" (p. 51).


"As palavras da língua não são de ninguém [...]" (p. 53).


"[...] o emprego das palavras na comunicação discursiva viva sempre é de índole individual-cotextual. Por isso pode-se dizer que qualquer palavra existe para o falante em três aspectos: como palavra da língua neutra e não petencente a ninguém; como palavra =alheia= dos outros [...] e, por último, como a =minha= palavra [...] em uma situação determinada, com uma intenção discursiva determinada [...] (p. 53).


"[...] o enunciado, seu estilo e sua composição são determinados pelo elemento semântico-objetal e por seu elemento expressivo, isto é, pela relação valorativa do falante com o elemento semântico-objetal do enunciado" (p. 56).


"O enunciado é pleno de =tonalidades dialógicas=, e sem levá-las em conta é impossível entender até o fim o estilo de um enunciado" (p. 59).


"O falante não é um Adão bíblico, só relacionado com objetos virgens ainda não nomeados, aos quais dá nome pela primeira vez" (p. 61).


"[...] o enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva e não pode ser separado dos elos precedentes que o determinam tanto de fora quanto de dentro, gerando nele atitudes responsivas diretas e ressonâncias dialógicas" (p. 62).


"[...] ativa compreensão responsiva do meu enunciado [...]" (p. 64).


"[...] influência do destinatário sobre a construção e o estilo do enunciado" (p. 65).


"[...] a obra mais complexa e pluricomposicional do gênero secundário no seu conjunto (enquanto conjunto) é o enunciado único e real, que tem autor real e destinatários realmente percebidos e representados por esse autor" (p. 68).


"A escolha de =todos= os recursos linguísticos é feita pelo falante sob maior ou menor influência do destinatário e da sua resposta antecipada" (p. 69).


"A atitude humana é um texto em potencial e pode ser compreendida (como atitude humana e não ação física) unicamente no contexto dialógico da própria época (como réplica, como posição semântica, como sistema de motivos)" (p. 78).



"No âmbito de um mesmo enunciado a oração pode repetir-se (a repetição, a citação de si mesma, o involuntário), mas a cada vez ela é sempre uma nova parte do enunciado, pois mudou de lugar e de função na plenitude do enunciado" (p. 79).


"Nenhum fenômeno da natureza tem 'significado', só os signos (inclusive as palavras) têm significado. Por isso, qualquer estudo dos signos [...] começa obrigatoriamente pela compreensão" (p. 86).


"As relações dialógicas entre os enunciados, que atravessam por dentro também enunciados isolados, pertencem à metalinguística" (p. 88-89).


""As =relações dialógicas= são de índole específica: não podem ser reduzidas a relações meramente lógicas (aínda que dialéticas) nem a meramente linguísticas (sintático-composicionais). Elas só são possíveis entre enunciados integrais de diferentes sujeitos do discurso" (p. 91).


"São possíveis variados graus monológicos" (p.92).


"As relações dialógicas são relações (de sentidos) entre toda espécie de enunciados na comunicação discursiva" (p. 92).


"A linguística estuda apenas as relações entre os elementos no interior do sistema da língua, mas não as relações entre os enunciados, nem as relações dos enunciados com a realidade e com a pessoa falante (o autor)" (p. 93).


"É original a natureza das relações dialógicas. A questão do dialogismo interior. O limiar das fronteiras entre os enunciados. A palavra bivocal. A compreensão como diálogo" (p. 95).


"A palavra usada entre aspas, isto é, sentida e empregada como palavra do outro, e a mesma palavra (como alguma palavra do outro) sem aspas. As gradações infinitas no nível da alteridade (ou assimilação) entre as palavras (p. 96).


"A relação com o sentido é sempre dialógica. A própria compreensão já é dialógica" (p. 97).


"A palavra (em geral qualquer signo) é interindividual" (p. 98).


"A compreensão da língua e a compreensão do enunciado (que envolve =responsividade= e, por conseguinte, juízo de valor) (p. 99).


"O enunciado como uma unidade de =sentidos=" (p. 99).


"A compreensão do enunciado pleno é sempre dialógica" (p. 102).


"O enunciado pleno já não é uma unidade da língua (nem uma unidade do "fluxo da língua" ou "cadeia da fala"), mas uma unidade da comunicação discursiva, que não tem significado, mas =sentido=" (Isto é, um sentido pleno, relacionado com o valor - com a verdade, a beleza, etc. - e que requer uma compreensão =responsiva que inclua em si o juízo de valor.) A compreensão responsiva do conjunto discursivo é sempre de índole dialógica" (p. 103).


"Um observador não tem posição =fora= do mundo observado, e sua observação integra, como componente, o objeto observado. [...]. A própria compreensão integra o sistema dialógico como elemento dialógico e de certo modo lhe modifica o sentido total.[...] além desse destinatário (segundo), o autor do enunciado propõe, com maior ou menor consciência, um supradestinatário superior (o terceiro), cuja compreensão responsiva absolutamente justa ele pressupõe quer na distância metafísica, quer no distante tempo histórico" (p. 104).


"Para a palavra (e consequentemente para o homem) não existe nada mais terrível que a =irresponsividade=" (p. 105).


"Os gêneros do discurso são modelos tipológicos de construção da totalidade discursiva" (p. 106).


"As unidades da comunicação discursiva - enunciados integrais - são irreprodutíveis (aínda que possamos citá-las) e estão ligadas entre si por relações dialógicas" (p. 107).


"Discurso é a língua =in actu=. [...] O discurso é tão social quanto a língua. As formas do enunciado também são sociais e, como a língua, são igualmente determinadas pela comunicação" (p. 117).


"Toda compreensão responsiva é, em maior ou menor grau, prenhe de reação responsiva [...]" (p. 121).


"No discurso do cotidiano há uma maneira individual" (p. 124).


"Os gêneros mudam frequentemente de estilo, os estilos se mesclam por campos e gêneros. O estilo, ao passar de um gênero a outro, modificá-lo, transfere para ele peculiaridades do primeiro gênero. A penetração dia estilos falados na literatura dialogizam os gêneros literários" (p. 124).


"O movimento metafórico da linguagem não é dialógico" (p. 133).


"O enunciado já pertence ao campo da ideologia (mas não tem necessariamente caráter de classe)" (p. 134).


"O que determina a seleção dos recursos linguísticos e estilísticos: 1) o conteúdo semântico-objetal [...]; 2) a expressividade; a relação com o ouvinte e com o discurso do outro (de uma terceira pessoa)" (p. 135).


"Frequentemente, o princípio formador do estilo é a tradição do gênero [...]" (p. 138).


"É justamente nos enunciados, isto é, nos gêneros discursivos, que se dá o emprego da língua com fins classistas e grupais (ideológicos, tendenciais, etc.)"  (p. 138).


"Os gêneros primários do discurso refletem de modo imediato e direto uma situação de comunicação, e os gêneros secundários, especializados, refletem uma situação complexa de comunicação cultural organizada" (p. 140).




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Vocabulário russo

Rietchevóie obschênie: comunicação discursiva (p. 17).


BAKHTIN, Mikhail. *Os gêneros  do discurso*. Organização, tradução, posfácio e notas de Paulo Bezerra. Notas da edição russa de Serguei Botcharov. São Paulo. Editora 34. 2016. (1° ed.). 176 p.

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