“Toda pesquisa que envolve o
estudo dos atos humanos envolve dois
planos, a saber, o dos atos concretos, irrepetíveis, praticados por sujeitos concretamente definidos, e o dos
atos como atividade, ou seja, daquilo que há
em comum, e o dos atos como atividade, ou seja, daquilo que há em comum,
e que é portanto repetível, entre os vários de uma dada atividade (…)”.
(SOBRAL, 2013, p. 11).
Atitudes distintas na teoria do
conhecimento (p. 12-13)
Empirismo
|
Privilégio da “natureza
ontológica da realidade”
|
Racionalismo
|
Privilégio dos “processos
do conhecimento'.
|
Síntese
|
Relação entre a
“ontologia do existente” e os “processos epistemológicos de apreensão”
|
Bakhtin aborda o dado (físico-material),
o postulado (o proposto pela apreensão/compreensão do sujeito), o processo do
ato ético, responsável e responsível de maneira histórica e sócio-histórica de
constituir novos sentidos a partir daquilo que já existe, de constituir uma
unidade de sentido passível de generalização.
Para Aristóteles (Metafísica, livro IX, e Física, livro III) ato é a realização da
potência, que é a possibilidade de vir a ser. Para Tomás de Aquino, Deus é ato
puro e não contingente. Para Husserl, ato relaciona-se à vivências intencionais.
Para Bakthin, o ato é envolto por
uma arquitetônica responsível e responsável, de caráter estético e ético
atrelada a um agir não indiferente, intencional, e situado (perspectiva
husserliana) de um sujeito capaz de realizar potencialidades (perspectiva
aristotélica) e que deve ir além das aparências (perspectiva platônica).
O pensamento bakhtiniano
considera, a partir da teoria marxista, a materialidade mediada de uma vida na
qual a consciência do sujeito vai se definindo a partir de uma vida vivida ao
mesmo tempo singular e generalizante, vida marcada pela força do valor atrelado
aos atos concretos e vividos e pelo inacabamento de tal ato humano.
“O sensível é o plano de
apreensão ‘intuitiva’ do mundo sem elaboração teórica, o plano do dado, das
‘impressões totais’ (ou ‘globais’). O inteligível é o plano da elaboração do
apreendido. Enquanto o sensível privilegia o processo o processo de percepção e
de ação como criador de impressões, o inteligível privilegia a transformação
dessas impressões numa unidade de conteúdo, num conceito. O sensível é, portanto,
o plano da multiplicidade, da descontinuidade; e o inteligível, o da busca da
unidade, da continuidade” (p. 23-24).
Atualização e concretude
ideológica e sócio-cultural do ato vivido e consciente.
“Portanto, para o círculo, todo
ato integra conteúdo e forma, significação e tema, elaboração teórica e
materialidade concreta, ser no mundo e categorização do mundo, repetibilidade e
irrepetibilidade. A ênfase recai sempre na situação concreta em que ocorrem os
atos com a conseqüente recusa da dissociação entre conteúdo e processo” (p.
26).
“Evento distingue-se de fato: o
evento ocorre num dado lugar e num dado espaço; os fatos por ele gerados
permanecem no tempo e no espaço. Se os eventos são individualizáveis, as
propriedades que nele se repetem são universalizáveis, o que não implica
necessariamente abstração” (p. 27).
Para Bakhtin, há atividade-tipo
(potência) e atividade-ocorrência (realização), há a necessidade de averiguar o
processo e o conteúdo do ato na inteireza contingente de um contexto pleno de
sujeitos.
REDES DE INTERLOCUÇÃO, FORMAS
COMPOSICIONAIS, CENÁRIO ENUNCIATIVO, e IMPERATIVOS DE INTERPELAÇÃO.
“A decisão dita ética depende
assim da posição, do caráter situado do sujeito, em vez de impor-se a partir de
fora e de modo abstrato a um sujeito transcendental, desengajado, sem
interesses específicos” (p. 31).
“Ética, ato, atividade, ação,
avaliação, responsabilidade e participatividade constituem assim, em Bakhtin,
bases de uma proposta filosófico-cultural mais ampla, [baseada] no agir situado,
não indiferente, ali onde não há álibi na existência” (p. 33).
SOBRAL, ADAIL. Ato/atividade e
evento. In BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave (org.).
5ª edição, 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2013. p. 11-36.
......................................
Para Bakhtin autor-pessoa é o
escritor e autor-criador é uma voz sócio-histórica de caráter estético-formal
que engendra a unidade de uma obra, é uma posição axiológica e sócio-histórico.
“O autor-criador é, assim, uma posição refratada e refratante. Refratada porque
se trata de uma posição axiológica conforme recortada pelo viés valorativo do
auto-pessoa; e refratante porque é a partir dela que se recorta e se reordena
esteticamente os eventos da vida” (p. 39). O “discurso do autor-criador não é a
voz direta do escritor, mas um ato de apropriação refratada de uma voz social
qualquer de modo a poder ordenar um todo estético” (p. 40).
Heteroglossia envolve pluralidade
de formações verbo-axiológicas não presas pelo aspecto mítico de uma língua
unitária, mas revestidas de uma materialidade verbal de caráter
semiótico-cultural.
Princípio de exterioridade, de
autocontemplação, de alteridade, de complementaridade via o outro, necessidade
deslocamento entre as posições do mundo vivido e do possível, e excedente de
visão e de conhecimento são necessários para o acabamento estético da obra.
A palavra do outro, o ponto de
vista inconcluso do outro em interação tensa, situada e axiológica no
estabelecimento das imagens, das ações e das consciências do autor, do receptor
e do herói que se colocam em relação “por meio do contraponto dialógico com
outras consciências plenivalentes” (.p. 47).
Hegel: o eu para mim, o eu para o
outro.
Os índices sociais de valor
dominam as formas semântico-léxico-gramaticais.
FARACO, Carlos A. Autor e autoria. In BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave (org.). 5ª edição, 1ª
reimpressão. São Paulo: Contexto, 2013. p. 37-60.
..........................
Em perspectiva
linguístico-enunciativa, enunciação é um processo social ehistórico-culturalmente
situado e valorativo de produção de sentidos materializados genericamente como
um enunciado concreto, uma realidade translinguística, intersubjetiva e
ideológica única marcada pela materialidade de uma teia de relações entre
sujeitos com pontos de vista e possibilidades de agência singulares.
Aspectos de natureza mais
lingüística e outros de natureza metalingüística se relacionam no e pelo
processo da enunciação para se materializar em um enunciado vivo repleto do
ponto de vista do enunciador e de seu interlocutor, um enunciado que só alcança
sua relativa plenitude em cada espaço de circulação que exige o estabelecimento
de relações intertextuais para vir a significar, de maneira situada e valorada,
potencialidades reiteráveis de maneiras articulares para o eu que enuncia e
para o outro que percebe sua condição de destinatário.
O destinatário pode ser presumido
e não apenas alguém fisicamente concreto.
A co-ocorrência do aspecto verbal
e de outros aspectos perceptíveis (imagéticos, sonoros etc) alteram e
constituem novas semioses, novas relações significatórias, nos enunciados que
transitam entre sujeitos marcados por pontos de vista específicos no
espaço-tempo de suas vidas ordinárias.
“Nessa perspectiva, o enunciado e
as particularidades de sua enunciação configuram, necessariamente, o processo
interativo, ou seja, o verbal e o não verbal que integram a situação e, ao
mesmo tempo, fazem parte de um contexto maior histórico, tanto no que diz
respeito a aspectos (enunciados, discursos, sujeitos etc) que antecedem esse
enunciado específico quanto ao que ele projeta adiante (...)” (p. 67).
A existência material de um
enunciado concreto é dependente da interação das trocas entre os enunciadores,
do conhecimento que partilham e da situação em que é produzido e para qual
prepara o jogo significatório entre o que já foi enunciado e o que ainda poderá
a vir enunciado na materialidade de um gênero lingüístico-discursivo.
BRAITH, B. &, MELO, R. de. Enunciado/Enunciado concreto/Enunciação.
In BRAIT, Beth. Bakhtin:
conceitos-chave (org.). 5ª edição, 1ª reimpressão. São Paulo:
Contexto, 2013. p. 61-78.
..................................................................................................
O estilo está atrelado a unidades
temático-composicionais situadas e valorativas e, “longe de se esgotar na
autenticidade de um indivíduo, inscreve-se na língua e nos usos historicamente
situados” (p. 83).
O estilo não é algo próprio
apenas do espaço artístico, pois ele está presente nos usos individualizados
que os sujeitos realizam em suas interações sócio-semióticas. Bakhtinianamente,
“nem todos os gêneros são igualmente propícios ao estilo individual: os mais
propícios são os literários, na medida em que o estilo individual faz parte do
empreendimento enunciativo. Os menos favoráveis são os gêneros do discurso que,
na comunicação cotidiana, requerem forma padronizada, como acontece com a
formulação do documento oficial (...) (p. 89)”
Por necessidades
político-argumentativas singulares, os sujeitos enunciadores podem utilizar gêneros
discursivo-enunciativos que assumam acabamentos mestiços de estilo. Daí que a
vivacidade expressiva dos enunciados depende da relação do enunciado para com
seu objeto, seu destinatário, seu enunciador e para com outros enunciados.
O estilo é uma dimensão textual-discursiva
e histórico-cultural de acabamento que se materializa verbo-visualmente na e pela
cadeia comunicativa sob a forma de elos enunciativos contingentes inseridos em
formas genéricas ora mais livres, ora mais convencionais, dimensão que deriva
da “relação que se estabelece entre uma pessoa e seu grupo social” (p. 83), da
maneira avaliativa como a realidade é apreendida e discursivizada.
A concepção bakhtiniana de
linguagem “implica sujeitos que instauram discursos a partir de seus enunciados
concretos, de suas formas de enunciação, que fazem história e a são a ela
submetidos. Assim a singularidade estará necessariamente em diálogo com o
coletivo em que textos verbais, visuais ou verbo-visuais, deixam ver, em seu
conjunto, os demais participantes da interação em que se inserem e que, por
força da dialogicidade, incide sobre o passado e sobre o futuro” (p. 98).
BRAITH, B. Estilo. In BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave (org.).
5ª edição, 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2013. p. 79-102.
.......................................
Bakhtin teoriza sobre “ato-tipo
(ou ato-atividade) e ato-ocorrência,
aquele da ordem do geral e do repetível e este da ordem do particular e
irrepetível” (p. 104).
Ato responsível é sinônimo de ato
ético e envolve o conteúdo, o processo e a valoração do ato de um sujeito sem
álibi, sem justificativa a priori e
sem possibilidade de agência fora de um mundo de relações situadas
histórico-culturalmente.
O individual em Bakhtin contempla
o social e o histórico porque não é subjetivista e autônomo (o cogito cartesiano) nem assujeitado
(subsumido ante o social).
A arquitetônica identitária do
sujeito bakhtiniano é cronotópica, é baseada na investigação dos sentidos que
vão surgindo contingente e processualmente no ato concreto composto pela
movimentação situada entre o geral e o particular de atos concretos
materializados dialogicamente.
Filosofia humana do processo.
O dialogismo é um princípio
composicional geral do agir intersubjetivo de sujeitos banhados em um
determinado nível de agência e do processo de produção/compreensão
discursivo-enunciativa realizados concretamente em contextos instanciados por
uma força de agência não autárquica, não trancendental, não a-histórica, não
pré-determinada ou imutável.
A “consciência depende da
linguagem para formar-se manifestar-se. E como a linguagem se acha imersa no
mundo, a consciência não é uma instância que imponha suas categorias ao mundo,
precisando, em vez disso, desse mundo para se constituir, ao tempo que também o
‘constrói’. As situações vividas chegam à consciência individual por meio da
linguagem, no âmbito do processo de interiorização do signo ideológico.” (p.
107).
A apreensão do mundo dado é
sempre sócio-historicamente situada e articulada.
“Bakthin e seu círculo
ressignificam, como foi dito, as ‘razões’ kantianas: a razão pura (o teórico),
a razão prática (o ético) e o juízo (o estético)” (p. 108). Em outras palavras,
o bakhtinianismo teoriza respectivamente sobre o produto (logos), o processo (métis)
e a valoração (mythos).
“Assim, à moral, entendida no
sentido de conjunto formal de regras aplicáveis a toda situação, ele opõe a
ética como conjunto de obrigações e deveres concretos, naturalmente
generalizáveis, porém não erigidos em camisa de força. Os eventos de que sou
agente trazem minha ‘assinatura’, não a de instâncias que estabelecem leis
abstratas ou objetificante, aquelas pretensamente acima da sociedade e da
história (...)” (p. 108) e são revestidos de um ponto de vista exotópico a
mais.
A idéia de arquitetônica para o
Círculo pressupõe a harmonia potencial e significatória entre as partes de um
todo a partir de uma postura integradora, não relativista ou absolutista que
consiga abarcar a natureza avaliativa, relacional e situada de todo ato humano.
A base do trabalho estético é o
excedente de visão, o fenômeno da exotopia, acerca do material, da forma e do
conteúdo.
“(...) forma arquitetônica é a
concepção da obra como objeto estético, ao passo que forma composicional é o
modo específico de estruturação da obra externa a partir de sua concepção
arquitetônica” (p. 112).
“O momento arquitetônico, do
objeto estético, poderia ser comparado à formação/concepção do gênero, ao passo
que o momento composicional, da obra exterior, material, poderia ser pensado
como a ‘textualização’ do gênero assim formado/concebido” (p. 113).
“Em outros termos, a forma
arquitetônica define o ‘gênero’ e a forma de composição, a textualização
específica desse gênero, num dado tipo de texto” (p. 113).
“(...) se a forma arquitetônica
(parte do objeto estético) determina a forma composicional (parte da obra
externa), só graças a ela vem aquela a existir – assim como se conhece a
potência por meio do ato de sua realização” (p. 113).
“O agir do sujeito é um conhecer
em vários planos que une processo (o agir no mundo), produto (a teorização) e
valoração (o estético) nos termos de sua responsabilidade inalienável de
sujeito humano, de sua falta de escapatória, de sua inevitável condição de ser
lançado no mundo e ter ainda assim de dar contas de como nele agiu” (p. 118).
SOBRAL, Adail. Ético e estético – Na vida, na arte e na
pesquisa em ciências Humanas. In
BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave
(org.). 5ª edição, 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2013. p. 103-122.
.........................................
Hetereglossia no ocidente está
mais ligada a contato interlinguistico e plurilinguismo liga-se a presença de
vozes no romance.
Bakhtin “propõe o diálogo entre
os seres humanos (...) não como algo garantido, mas como uma meta a ser
buscada, precisamente para vencer a intercomunicação a intercomunicação, a
ausência da resposta do outro.” (p. 127).
A “compreensão como dependente da
situação específica do sujeito na história, nas relações com outros sujeitos (...)”
(p. 128).
“(...) o mundo fala pela boca do
autor (...)” (p. 128).
Linguagem como processo e não
como produto.
Legitimidade e práticas de
análise, o “modo de investigação e de discussão teórica do Circulo” (p. 133).
A abordagem do objeto.
O controle epistemológico das
teorias.
Pontos cegos na interpretação das
teorias do círculo por conta da amplitude de contato com variadas correntes
filosóficas, o que permitiu o contato entre “a repetibilidade imposta pelas
coerções dos gêneros e a singularidade inovadora da arquitetônica de cada
autor, na ‘arte’ assim como de cada sujeito, na vida” (p. 134).
O eu-para-si e o eu-para-si
envolvem a questão da alteridade.
Epistemologia: “modos de conhecer
o mundo cientificamente e, portanto, o campo da ‘teoria da ciência’ (p. 135)
A análise dos fenômenos concretos
inseridos em constante tensão.
A deialética hegeliana considera
o esquema tese-antítese-síntese. Dialógica bakhtiniana considera a generalidade
e a singularidade a partir da investigação da tese-tese-síntese, situação que
combate o teoreticismo da dialética tradicional e o sociologismo.
A universalidade de Kant e a
concretude do real de Husserl.
O Círculo trabalha com o dado (o
sensível) e o postulado (o inteligível) para abalar as bases por meio de um
“método socrático bakhtiniano” (p. 137) para operar uma análise de objetos a
partir de suas relações e não de suas
dicotomias, para investigar a relação entre o tempo, o espaço, a duração, a
causalidade a percepção que vão sendo organizados ideológico-discursivamente,
que vão eticamente e arquitetonicamente constituídos pelas “formas de
apreensão do mundo, histórica e
socialmente concebidas” (p. 139).
O indivíduo como membro ativo de
uma determinada classe laborante.
Empirismo: mundo dado. Racionalismo:
mundo apreendido (postulado)
O cogito cartesiano, a substância
spinosiana e a razão suficiente de Leibiniz: racionalistas
A tabula rasa e passiva de Locke
e a inferência causal de Humes: empiristas.
O pensamento humeano considera
que “(...) dada a contigência das regularidades, não se pode garantir que o
futuro seja semelhante ao presente” (p. 144).
A apreensão do mundo por meio de
catergorias segundo Kant.
Simultaneidade e arquitetônica
Monismo é “uma forma de ver as
relações entre o indivíduo e o mundo histórico e social que os põe em relação
de mútua constituição” (p. 147) influenciados por uma arquitetônica ética do
cotidiano.
SOBRAL, Adail. Filosofias (e filosofia) em Bakhtin. In BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave (org.). 5ª edição, 1ª reimpressão.
São Paulo: Contexto, 2013. p. 123-150.
.........................................
Definições de gênero segundo
Aristóteles e Platão (a tríade mimética).
Dialogismo e manifestação da
pluralidade no processo comunicativo que revelam as “manifestações discursivas
da heteroglossia, isto é, das diversas codificações não restritas à palavra” no
“amplo campo da comunicação mediada” (p. 152).
Diferentes realizações
discursivas numa cultura letrada onde “as formas discursivas da comunicação
interativa em suas combinações favoreçam o avanço da cultura prosaica de
valorização das ações cotidianas dos homens comuns e de suas enunciações
ordinárias” (p. 153).
Prosificação da cultura.
A “prosa é uma potencialidade que
se manifesta como fenômeno de mediação (...)” (p. 154).
“Porque é discurso, a prosa só
existe na interação” (p. 154).
“(...) práticas significantes de
sistemas comunicativos que emergem nas interações dialógicas (...)” (p. 154).
“Por ser fenômeno de emergência
na linguagem, a prosa não nasceu pronta: ela continua se fazendo, desde o seu
surgimento, graças à dinâmica dos gêneros discursivos” (p. 155).
“Prosaica é a esfera mais ampla
das formas culturais (...)” (p. 155).
O contexto da comunicação
ordinária em processo dialógico-interativo.
Diferentes esferas de atividade
comunicacional e de usos situados da linguagem.
“Os gêneros discursivos
concebidos como uso com finalidades comunicativas expressivas não é ação
deliberada, mas deve ser dimensionado como manifestação da cultura. Nesse
sentido, não é espécie nem tampouco modalidade de comunicação; é dispositivo de
organização, troca, divulgação, armazenamento, transmissão e, sobretudo, de
criação de mensagens em contextos culturais específicos” (p. 158).
“O gênero não pode ser pensado
fora da dimensão espaciotemporal” (p. 158).
“Na cultura, tanto a experiência
quanto a representação são representações marcadas pela temporalidade” (p.
159).
“Não se pode traçar limites
absolutos para a cultura” (p. 160).
Bakhtin “entende que uma
linguagem é sempre uma imagem criada pelo ponto de vista de uma outra
linguagem” (p. 161).
Os gêneros não se prendem apenas
ao verbal porque pertencem à comunicação cultural sócioideológica em um
conjunto de relações no espaço-tempo.
Interações e expansões
sócio-comunicativas dos gêneros enunciativo-discursivos no contexto de espaços,
momentos e recursos histórico-culturais únicos e em contato com outros gêneros
pelo esforço de sujeitos em contato dialógico-interacional.
“(...) as esferas de uso da
linguagem podem ser dialogicamente configuradas em função do sistema de signos
que as realizam” (p. 165).
MACHADO, Irene. Gêneros discursivos. In BRAIT,
Beth. Bakhtin: conceitos-chave (org.).
5ª edição, 1ª reimpressão. São Paulo: Contexto, 2013. p. 151-166.
.
.......................................
Segundo o Círculo de Bakhtin, a
ideologia não se encontra na consciência, na natureza ou na transcendentalidade
e não há uma ligação direta entre as estruturas socioeconômicas e as
superestruturas ideológicas. De acordo com as teorizações do Círculo, a
ideologia não é subjetiva/interiorizada nem idealista/psicologizada e está na
base da constituição dialógica dos signos, da identidade e da subjetividade a
partir de uma tomada de posição singularmente determinada no entremeio entre o
estável e o instável.
“Objetos materiais do mundo
recebem função no conjunto da vida, advindos de um grupo organizado no decorrer
de suas relações sociais, e passam a significar além de suas próprias
particularidades materiais” (p. 170).
“E todo signo, além [da] dupla
materialidade, no sentido físico-material e no sentido sócio-histórico, ainda
recebe um ‘ponto de vista’, pois representa a realidade a partir de um lugar
valorativo, revelando-a como verdadeira ou falsa, boa ou má, positiva ou
negativa, o que faz o signo coincidir
com o domínio do ideológico. Logo, todo signo é signo ideológico. O ponto de
vista, o lugar valorativo e a situação são sempre determinados
sócio-historicamente. E seu lugar de constituição e de materialização é na
comunicação incessante que se dá nos grupos organizados ao redor de todas as
esferas das atividades humanas. E o campo privilegiado de comunicação contínua
se dá na interação verbal, o que constitui a linguagem como o lugar mais claro
e completo e completo da materialização do fenômeno ideológico. A representação
do mundo é melhor expressa por palavras,
pois que não precisa de outro meio para ser produzida a não ser o próprio ser
humano em presença de outro ser humano” (p. 170).
“O signo verbal não pode ter um
único sentido, mas possui acentos ideológicos que seguem tendências diferentes”
porque os “sujeitos interagentes” são “diversamente orientados” (p. 172).
“Vozes diversas ecoam nos signos
e nele coexistem contradições ideológico-sociais entre o passado e presente
[...]” (p. 172).
Há “interações já mais definidas
e estáveis, e com condições de estabelecer padrões mínimos de estabilidade nos
sentidos postos em circulação” (p. 173).
Se por um lado existe o “nível
oficial da ideologia”, infiltrando-se progressivamente nos níveis nas instituições
ideológicas (imprensa, literatura, ciência, leis, religião)” ocorre também “a
refração da ideologia” ao mesmo tempo em que as estruturas hegemônicas procuram
intencionam que “os sinais contrditórios ocultos em todo signo ideológico sejam
mantidos apagados” (p. 173).
A ideologia oficial e a ideologia
do cotidiano se constituem como “dois níveis distintos de produção,
homogeneização e de circulação da ideologia” (p. 173).
A ideologia do cotidiano ocorre
em um nível inferior (de encontros ocasionais) e em um nível superior (de
tessitura organizacional preliminar) ao passo que a ideologia oficial abarca os
“conteúdos ideológicos que já passaram por todas as etapas de objetivação
social e agora entraram no poderoso sistema ideológico especializado e formalizado
da arte, da moral, da religião, do direito, da ciência etc [...] aceitos pelos
jogos de poder [...] e [que] dão o tom hegemônico nas relações sociais [...] A
durabilidade da ideologia oficial não é maior que o tempo de duração da
ideologia do cotidiano” (p. 174).
“O sujeito é uma função das
forças sociais” (p. 175).
As formas concretas e materiais
da comunicação – que ocorre pela manipulação valorativa e consciente de
elementos sígnicos exercida pelo homem em relação ao mundo e pelo Eu em relação
ao Outro – revelam o modus operandi
de infinitas interações sócio-ideológicas entre sujeitos/sentidos.
MIOTELLO, Valdemir. Ideologia. In BRAIT, Beth. Bakhtin:
conceitos-chave (org.). 5ª edição, 1ª reimpressão. São Paulo:
Contexto, 2013. p. 167-176.
........................................
Estudos sobre a linguagem
centravam-se no estudo da palavra
GRAMÁTICA
|
Secção
e organização das palavras em função de paradigmas de flexão e de declinação.
|
FILOLOGIA
|
Descrição
da “evolução histórico-fonética da palavra com a observação de documentos”
(p. 177)
|
LINGUISTICA
|
Trabalhos
divididos na fase de organização das línguas em família e na fase de
descrição sistêmico-estrutural das palavras. Na fase de descrição, a
semântica foi dividida em semasiologia
e onomasiologia.
|
O bakhtinianismo valoriza a
historicidade da palavra, a linguagem em uso.
“As entoações são valores
atribuídos e/ou agregados àquilo dito pelo interlocutor. Esses valores
correspondem a uma avaliação da situação pelo locutor posicionado
historicamente frente ao interlocutor. [...] A palavra dita, expressa,
enunciada, constitui-se como produto ideológico, resultado de um processo de
interação na realidade viva” (p. 178).
A palavra “apresenta quatro
propriedades definidoras: pureza semiótica, possibilidade de interiorização,
participação em todo ato consciente, neutralidade. A pureza semiótica refere-se à capacidade de funcionamento e
circulação da palavra como signo ideológico, em toda e qualquer esfera [...].
Quanto à interiorização, a palavra
constitui o único meio entre o conteúdo interior do sujeito (a consciência)
constituído por palavras, e o mundo exterior construído por palavras” (p. 179).
“No que diz respeito à participação em todo o ato consciente, a
palavra funciona tanto nos processos internos da consciência, por meio da
compreensão e a interpretação do mundo pelo sujeito, quanto nos processos externos
de circulação da palavra em todas as esferas ideológicas” (p. 179).
A “neutralidade da palavra, por sua vez, se estabelece no sentido de
que a palavra [...] pode assumir qualquer função ideológica, dependendo da
maneira em que aparece num enunciado concreto [...] como signo, como conjunto
de virtualidades disponíveis na língua, recebe carga significativa a cada
momento de seu uso” (p. 179).
“O termo ‘palavra’ em russo (escreve-se
slovo e pronuncia-se [Is’lova]”) [é] “gramático-formalmente” neutro
(p. 179).
A palavra é uma “entidade de uso
concreto” (p. 181) inoculada pelo gênero e pela entoação (p. 183) e marcada
pelo contexto histórico de sua produção/circulação (p. 185).
“O projeto discursivo refere-se ao
esgotamento do objeto de sentido, ou seja, o que eu quero dizer deve ser dito,
considerando-se os interlocutores e os contextos de circulação específicos. E
as palavras escolhidas para constituírem o projeto discursivo, possuem, em seu
bojo, traços que permitem sua utilização, de acordo com determinado gênero, em
uma determinada situação. [...] o gênero é extremamente dinâmico, porque tanto
funciona imediatamente quanto possui uma historicidade que evolui e se adapta
às novas condições de utilização” (p. 181).
Problemas na difusão e na recepção
da teoria do Círculo são motivados por dificuldades de tradução de termos do
original para outras línguas e por dispersão de conceitos elaborados por vários
autores em circunstâncias e livros nem sempre metodologicamente organizados (p.
183).
A palavra “possui traços mais ou
menos estáveis de significação, dando-lhe a possibilidade de ser utilizada e
entendida em diferentes contextos [de maneira] quase infinita” (p. 186).
A “possibilidade de
interiorização acontece no confronto entre o signo internamente circulante e as
nuances de sentido, de acordo com os valores entoados externamente pelo locutor”
(p. 187).
Valores
sócio-histórico-ideológicos constituem novas significações e transitam na e pela
palavra.
STELLA, Paulo R. Palavra. In BRAIT, Beth. Bakhtin:
conceitos-chave (org.). 5ª edição, 1ª reimpressão. São Paulo:
Contexto, 2013. p. 177-190.
.................................
“À categoria de monológico estão
associados os conceitos de monologismo, autoritarismo, acabamento; à categoria
de polifônico, os conceitos de realidade em formação, inconclusibilidade, não
acabamento, dialogismo, polifonia. [...] O autoritarismo se associa à
indiscutibilidade das verdades veiculadas por um tipo de discurso, ao dogmatismo;
o acabamento, ao apagamento dos universos individuais das personagens e sua
sujeição ao horizonte do autor. [...] O dialogismo e a polifonia estão
vinculadas à natureza ampla e multifacetada do universo romanesco, ao seu
povoamento por um grande número de personagens [...]” (p. 192).
“O monolismo nega a isonomia
entre as consciências, não vê nessa relação um meio de chegar à verdade,
concebe-a de modo abstrato, como algo acabado, fechado, sistêmico” (p. 192).
As categorias bakhtinianas como
monologismo, dialogismo e polifonia não são “abstrações desprovidas de conteúdo
histórico, social e ideológico” (p. 192).
“Mas se, por um laod, o
capitalismo reduz os indivíduos à condição de objetos, por outro também provoca
a maior estratificação social e o maior número de conflitos da história da
sociedade humana, gerando vozes e consciências que resistem a tal redução” (p.
193).
A multiplicidade de vozes ou
polifonia destaca o ato de o sujeito se tornar senhor “de sua própria
consciência” (p. 193) por meio de suas “peculiaridades de falante” (p. 199) em
um universo de “convivência e de interação [repleto de] vozes plenivalentes e
consciências eqüipolentes” e não um resultado coisificado por um terceiro (p.
194).
“No enfoque polifônico, a autoconsciência
da personagem é o traço dominante na construção de sua imagem, e isso pressupõe
uma posição radicalmente nova do autor na representação da personagem”
(p. 193).
“O que caracteriza a polifonia é
a posição do autor como regente do grande coro de vozes que participam do
processo dialógico. (p. 194).
No mundo polifônico, a
consciência carrega a “marca identitária do indivíduo” e seu não acabamento (p.
195).
“A personagem é um dado essencial
da relação entre o estético e o real, é um produto da relação de seu criador
com a realidade, tem antecedentes concretos e objetivos nessa realidade e é por
ela alimentada [...]” (p. 199).
BEZERRA, Paulo. Polifonia. In BRAIT, Beth. Bakhtin:
conceitos-chave (org.). 5ª edição, 1ª reimpressão. São Paulo:
Contexto, 2013. p. 191-200.
..................................
O “herói, [pode ser] nomeado aqui como tópico ou objeto do enunciado.
Juntamente com o falante e o interlocutor, o herói é visto como um
dos três participantes essenciais da expressão verbal, quer seja oral, quer
escrita, quer literária, quer não literária” (p. 201).
A “significação é um estágio inferior da capacidade de significar, e o
tema, um estágio superior da mesma capacidade. A significação existe como
capacidade potencial de construir sentido, própria dos signos lingüísticos e
das formas gramaticais da língua. É o sentido que esses elementos
historicamente assumem, em virtude de seus usos reiterados. É, portanto, um
estágio mais estável dos signos e dos enunciados, já que seus elementos, como
fruto de uma convenção, podem ser utilizados em diferentes enunciações com as
mesmas indicações de sentido.
Já o tema é indissociável da enunciação, pois, assim como esta, é a
expressão de uma situação histórica concreta. Como decorrência, é único e
irrepetível. Participam da construção do tema não apenas os elementos estáveis
da significação mas também os elementos extraverbais, que integram a situação
de produção, de recepção e de circulação. Dessa forma, o instável e o inusitado
de cada enunciação se soma à significação, dando origem ao tema, resultado
final e global do processo da construção de sentido. O sistema de significação,
entretanto, não se configura como fixo e biunívoco: o tema se incorpora à
significação, de modo que o sistema é sempre flexível, mutável, renovável. (p.
202).
A “palavra é discurso.Mas palavra
também é história, é ideologia, é luta social, já que ela é a síntese das
práticas discursivas historicamente construídas” (p. 204).
A identificação do tema de um signo depende da observação de
uma “situação concreta de enunciação. Identificá-lo exige que se leve em conta
não apenas o sentido potencial do signo, mas também o sentido que este assume
no momento histórico e na situação específica de enunciação, de acordo com os
elementos extraverbais que participam da construção do sentido, como, por
exemplo, a identidade e o papel dos interlocutores, a esfera de circulação do
signo e a finalidade do ato enunciativo” (p. 206).
A “significação está para o signo
lingüístico assim como o tema está para o signo ideológico; ou, ainda, que a
significação está para a língua assim como o tema está para o discurso e para a
enunciação” (p. 218).
De acordo com o bakhtinianismo, os
estudos da linguagem podem exisitir metodologicamente a partir de uma “semântica
de base enunciativa” que considere os “elementos que fazem parte da situação
extraverbal: identidade dos interlocutores, finalidade da enunciação, momento
histórico, ideologia, discursos que circulam nas enunciações, nos enunciados
concretos” (p. 218).
CEREJA, William. Significação e tema. In BRAIT, Beth. Bakhtin: conceitos-chave (org.). 5ª edição, 1ª reimpressão.
São Paulo: Contexto, 2013. p. 201-220.
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