domingo, 2 de março de 2014

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A Gaia Ciência.


“Toda filosofia que coloque a paz acima da guerra, toda ética com uma concepção negativa da felicidade, toda ética e toda física que conhecem um final, um estado definitivo de uma espécie qualquer, toda aspiração, sobretudo estética ou religiosa, possui um ao-lado, um para-além, um de-fora, um por cima, autorizam a perguntar-se se não foi a doença que inspirou o filósofo.  O inconsciente disfarce das necessidades fisiológicas sob o manto do objetivo, do ideal, da idéia pura vai tão longe que se poderia ficar espantado – e não poucas vezes me perguntei se a filosofia, de uma maneira geral, não foi até agora sobretudo uma interpretação do corpo e um mal-entendido do corpo. Atrás das mais elevadas avaliações que guiaram até agora a história do pensamento se escondem mal-entendidos de conformação física, seja de indivíduos, seja de casta, seja de raças inteiras” (p. 18).

 

Coragem, adaptabilidade, sensibilidade para perceber a realidade como algo diferente do que está posto aos sentidos e interpretações correntes.

 

As leis dominam a natureza e como qualquer obra humana ganham sentidos diferentes a cada esforço intrpretativ. Por isso, aquilo que se registra tem um nível de nitidez específico e sempre dependente de um objetivo acordado entre um ponto que ilumina e um que é iluminado, ambos rodeados por uma escuridão que não deve ser negada mas com a qual se deve interagir.

 

“O homem se tornou aos poucos um animal fantasioso que deve preencer uma condição de existência a mais que todos os outros animais: o homem deve de tempos em tempos acreditar que sabe a razão por que existe, sua espécie não pode prosperar sem uma confiança periódica na vida! Sem a fé na razão da vida (p. 42)”.

 

Aquilo em que o homem acredita, a “desrazão ou a falsa razão (p. 45)”, a influência de bons e de maus instintos para a conservação da espécie humana, a importância de cumprir tarefas e meditar sobre a prática e sobre a vida são elementos importantes para levar o homem a se perceber como “vulcões em atividade que terão sua hora de erupção (p. 51)” em momentos não passíveis de serem determinados.

 

A tarefa da tomada de consciência é um trabalho que se dá em estágios e que absorve erros como forma de ação compreensiva. O desprazer é um preço a ser pago.

 

 “Ao fazer o bem e fazer o mal, exercemos nosso poder sobre os outros – e é o que se quer! Fazemos o mal àqueles a quem somos forçados primeiramente a fazê-los sentir nosso poder, pois a dor é para isso um meio muito mais refinado que o prazer ... (p. 54).”

 

A relação entre o amor e o sentimento de poder sobre o outro.

 

A distância influencia na forma como as pessoas enxergam a si e ao mundo.

 

Tirania da verdade e da ciência.

 

Caráter instrumental das virtudes (aplicação, obediência, castidade, piedade, justiça, tenacidade).

 

A tragédia se alimenta do relaxamento.

 

“Os homens célebres que precisam de sua glória, como por exemplo, os políticos não escolhem seus amigos e seus aliados sem segundas intenções...” (p. 71).

 

Na civilização industrial “estão em vigor somente as leis da necessidade: quer-se vivier e se é obrigado a vender-se, mas se despreza aquele que explora essa necessidade e que compra o operário” (p.76).

 

“Procurar um trabalho para ter um salário – isso é o que torna hoje quase todos os homens iguais nos países civilizados” (p. 77).

 

A “nnossa beatitude se assemelha a do náufrago que alcança a costa e que põe seus pés na velha terra firme – espantado de não senti-la vacilar” (p. 81)

 

“Talvez nada separe os homens e as épocas a não ser os diferentes graus de seu conhecimento da miséria” (p. 82).

 

“Há na generosidade o mesmo grau de egoísmo que na vingança, mas se trata de um egoísmo de outra qualidade” (p. 84).

 

A argumentação de Nietzsch (2008) considera que o limite entre a serenidade e o abatimento, a sensação de bem-estar ou de mau-estar estão associadas ao nível e tipo de conhecimento sobre os fatos da realidade, ao foco em perspectivas e características de um elemento, situação que reforça a influência da ilusão e não da coisa em si mesma. O princípio ideológico-cultural reforça e estabelece contingente e nnconstituivamente uma determinada forma de perceber uma (simulação da) realidade, seus sujeitos, a humanidade como um todo, a multidão em particular e as relações entre os sujeitos e entre os sujeitos, seus grupos e a realidade.

 

“Só podemos destruir criando! – Mas não esqueçamos também isto: basta criar nomes novos, apreciações e probabilidades novas para criar com o tempo ‘coisas’ novas”  (p. 90).

 

“O amor perdoa até o desejo do ser amado” (p. 93).

 

“O maior trabalho da humanidade até agora foi aquele de concordar sobre uma quantidade de coisas e de se impor uma lei do consenso – aquele que representa a verdade ou a falsidade das coisas” (p. 99-101).

 

“De fato, traduzir [é] conquistar” (p. 107).

 

“O que se observa quando do contato entre povos civilizados e bárbaros é que, regularmente, a civilização inferior começar por adotar os vícios e os excessos da superior, depois, partindo disso, enquanto aquela experimenta a sedução, acaba por assimilar, por meio das fraquezas e dos vícios adquiridos, alguma coisa da força que a civilização superior encerra...” (p. 121-122).

 

“A paixão é melhor que o estoicismo e a hipocrisia; ser sincero, mesmo no mal, vale mais que perder-se a si próprio na moralidade da tradição, o homem livre pode escolher ser bom ou mau, mas o homem subjugado é uma vergonha da natureza e não tem direito a nenhuma consolação, nem divina nem terrestre; enfim, que qualquer um que queira se tornar livre só pode sê-lo por si próprios; a liberdade não Cia nos braços de ninguém com um presente milagroso” (Ricardo Wagner em Bayreuth) (p. 125-126)

 

“E é precisamente porque somos no fundo homens pesados e sérios, e mais ainda pesos que homens, que nada nos faz mais bem que o capuz dos loucos: temos necessidade dele diante e nós mesmos – temos necessidade de toda arte petulante, flutuante, dançante, zombeterira, infantil e bem aventurada para não perder essa liberdade que nos coloca acima das coisas e que nosso ideal exige de nós. Seria para nós um recuo cair inteiramente na moral, precisamente com nossa probidade irritável e, por causa das exigências muito severas que nisso temos por nós mesmos, acabar por nos tornarmos nós mesmos monstros e espantalhos de virtude.É preciso também que possamos nos colocar acima da moral: e não somente com a inquieta rigidez daquele que receia a todo instante resvalar e cair, mas também pode planar e brincar por cima dela (p.133-134)!”

 

“A condição geral do mundo é, pelo contrário, desde toda a necessidade, o caos, não pela ausência de uma necessidade, mas no sentido de uma falta de ordem, de estrutura, de forma, de beleza, de sabedoria e de outras categorias estéticas humanas”. (...) “Evitemos de dizer que há leis na natureza. Nela só há necessidades: ninguém manda, ninguém obedece, ninguém desobedece. Quando souberem que não há fins, saberão igualmente que não há acaso: pois é unicamente sob o prisma de um mundo de fins que a palavra “acaso” tem um sentido. Evitemos de dizer que a morte é oposto da vida. A vida não passa de uma variedade da morte e uma variedade muito rara” (p. 136).

 

“Portanto: a força do conhecimento não reside em seu grau de verdade, mas em sua antiguidade, em seu grau de assimilação, em seu caráter de assimilação” (p. 137).

 

“A moralidade é o instinto do rebanho no indivíduo” (p. 143).

 

“Onde se domina, existem massas: onde há massas, há uma necessidade de escravidão. Onde há necessidade de escravidão, há apenas poucos indivíduos e estes têm contra eles os instintos de rebanho e a consciência” (p. 163).

 

“A necessidade metafísica não é a fonte das religiões, como o pretende Schopenhauer; é apenas seu rebento” (p. 163).

 

“O egoísmo é alei da perspectiva no domínio do sentimento. De acordo com essa lei, as coisas mais próximas parecem grandes e pesadas, ao passo que afastando-se delas, tudo decresce em dimensão e em peso” (p. 167).

 

“Quando se vive só, não se fala muito alto, não se escreve também muito alto: pois se receia o vazio do eco, a crítica da ninfa Eco. – Todas a vozes têm outro timbre na solidão” (p. 172).

 

Aquele que te elogia te diz: tu és meu semelhante” (p. 173).

 

“Nunca se ouve senão as perguntas para as quais se é capaz de encontrar uma resposta” (p. 174).

 

“Há aqueles que alcançam o topo de seu caráter quando seu espírito não está à altura desse topo – e há outros com quem ocorre o contrário” (p. 182).

 

“Mesmo o pensamento pode ser traduzido por meio das palavras” (p. 183).

 

“Queremos, até onde for possível, introduzir em todas as ciências a sutileza e o rigor da matemática, sem acreditar que com isso chegaremos a conhecer as coisas, mas somente para determinar nossas relações com elas. A matemática não é mais do que o meio supremo de conhecer os homens” (p. 184).

 

“Nenhum vencedor acredita no acaso” (p. 186).

 

“O que fazemos nunca compreendido, mas sempre e somente louvado ou criticado” (p. 187).

 

“Os antípodas, eles também têm direito à vida! Há ainda outro mundo a descobrir – e mais de um” (p. 200)!

 

“Aquele que está descontente consigo mesmo está sempre pronto a se vingar (...) (p. 201).”

 

“Como é difícil viver quando sentimos contra nós, quando respiramos em nosso ar, o juízo de vários milênios! É provável que durante milhares de anos o conhecimento tenha tido a consciência pesada e que tenha havido muito desprezo de si e misérias secretas na história dos maiores espíritos” (p. 207).

 

Acreditar para criar (p. 209).

 

“Tudo o que tem algum valor no mundo presente não o possui por si mesmo, segundo sua natureza – a natureza nunca tem valor: - foi preciso conferir-lhe um valor, atribuí-lo a ela e fomos nós que o fizemos” (p. 210-211)!

 

“Dei um nome a meu sofrimento e o chamo ‘cão’ – é tão fiel, tão importuno e imprudente, tão divertido, tão esperto, como qualquer outro cão – e posso xingá-lo e descarregar nele meus humores: como fazem outros  com seus cães, com seu criado e com sua mulhe” (p. 217-218).

 

“Na dor há tanta sabedoria quanto no prazer: ambos estão na primeira linha das forças conservadoras da espécie” (p. 220).

 

A gaia ciência a favor do riso e da alegria e contra o preconceito imposto pela seriedade. (p. 224-225). A evolução do conceito de trabalho (de coisa desagradável, coisa de escravo ou de miseráveis, à necessidade social) superou a noção de ócio e de guerra (p. 226-227).

 

“... a guerra é (...) um desvio para o suicídio mas um desvio com boa consciência” (p. 237).

 

“(...) é sempre e ainda numa crença metafísica que baseia nossa fé na ciência (...)” (p. 245).

 

“De fato, o homem é um animal que venera” (p. 248)!

 

“Alguns têm ainda necessidade de metafísica; mas esse impetuoso desejo de certeza que se descarrega hoje ainda sob formas científicas e positivistas nas grandes massas, esse desejo de ter a qualquer custo alguma coisa de sólido (enquanto que o calor desse desejo impede dedar importância aos argumentos em favor da certeza) é também ele o desejo de apoio, de suporte, em resumo, esse instinto de fraqueza que, se não cria religiões, metafísicas e princípios de toda espécie, pelo menos os conserva” (p. 250).

 

“A fé é tanto mais requerida, a necessidade de fé tanto mais urgente quanto mais faltar vontade: de fato, a vontade como paixão do mando é o sinal distintivo da soberania e da força. Isso significa que, quanto menos alguém sabe comandar, mais violentamente aspira a alguém que ordene, que comande com severidade, a um deus, um príncipe, um Estado, um médico, um confessor, um dogma, uma consciência de partido” (p. 250).

 

“De fato, o fatalismo é a única é a única ‘força de vontade’ a que podem ser levados mesmo os fracos e os indecisos, como uma espécie de hipnotização de todo o sistema sensitivo e intelectual em benefício da hipertrofia de um só sentimento, de um só ponto de vista que desde então domina – cristão chama isso sua fé” (p. 251).

 

“A luta pela vida não passa de uma exceção, uma restrição momentânea da vontade de viver; a grande e a pequena luta giram em toda parte em torno da preponderância, do aumento, da extensão do poder, em conformidade com a vontade de poder que é precisamente a vontade da vida” (p. 253).

 

A “consciência só se desenvolveu sob a pressão da necessidade de comunicar, que a princípio só era necessária e útil nas relações de homem para homem (sobretudo nas relações entre aqueles que mandam e aqueles que obedecem) e que só se desenvolveu em função de seu grau de utilidade. A comunicação é apenas uma rede de comunicação entre homens (...) Se nossos atos, pensamentos, sentimentos e movimentos chegam à nossa consciência – pelo menos em parte – é o resultado de uma terrível necessidade que durante muito tempo dominou o homem: uma vez que era o mais ameaçado dos animais, tinha necessidade de ajuda e de proteção, tinha necessidade de seus semelhantes, era obrigado a saber exprimir sua aflição, a saber tornar-se inteligível – e para isso era necessário, em primeiro lugar, a ‘consciência’ (...) (p. 259-260)”

 

O “desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento da consciência(não da razão, mas somente da razão que se torna consciente de si própria) se dão as mãos” (p. 260).

 

“(...) não é senão como animal social que o homem aprende a se tornar consciente de si próprio” (p. 260).

 

“(...) uma igreja é antes de tudo um edifício de dominação que assegura aos homens mais espirituais o plano superior e que acredita no poder da espiritualidade até se proibir todos os meios violentos considerados grosseiros (...)” (p. 274).

 
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A Gaia Ciência. Tradução de Antônio Carlos Braga – São Paulo, SP. Editora Escala. 2008. 310p. Coleção Grandes obras do Pensamento Universal, volume 45).

Nenhum comentário:

Postar um comentário