“Não estabeleço ídolos novos; os
antigos vão aprender o que significa ter pés de barro. Derrubar ídolos (‘ídolos’ o termo que uso para designar ‘ideais’)
isso sim faz parte de um ofício. A realidade foi despojada de seu valor, de seu
sentido, de sua veracidade à medida que se fingiu
mentirosamente um mundo ideal... O ‘verdadeiro mundo’ e ‘o mundo aparente’
– dito com clareza: o mundo inventado pela mentira
e a realidade... Até agora a mentira do ideal constituiu a maldição contra a
realidade; a própria humanidade se tornou mentirosa e falsa até em seus
instintos mais profundos – até chegar a adorar os valores opostos daqueles que
unicamente teriam garantido o florescimento, o futuro, o elevado direito ao futuro” (p. 16).
“O erro (a crença no ideal) não é
cegueira, o erro é covardia... Cada conquista, cada passo em frente no
conhecimento é conseqüência da
coragem, da dureza consigo mesmo, da dureza para consigo...” (p. 17).
“E como é que se reconhece , no
fundo, um pleno restabelecimento? Em que um homem bem estabelecido agrada a
nossos sentidos: no fato de ter sido talhado
em madeira que seja ao mesmo tempo dura, tenra e odorífera.Convé-lhe só
o que o favorece; seu prazer, sua vontade cessam a partir do momento em que a
medida do proveitoso é ultrapassada” (p. 24).
“[...] a piedade só é chamada virtude entre os decadentes” (p. 27-28).
“[...] dominar-se, preservar a
altura de sua tarefa, livre de impulsos muito mais baixos e mais míopes que
atam nas ações pretensamente desinteressadas, é a prova [...] a verdadeira
demonstração de força” (p. 28).
“Meu tipo de represália consiste
em punir tão rápido quanto possível a asneira pela inteligência [...]” (p. 28).
“Visto que o homem se desgastaria
rapidamente se reagisse, não reage mais de modo algum, esta é a lógica” (p.
30).
“Minha humanidade é uma constante
superação de si” (p. 33).
“Ninguém tem a liberdade de viver
onde bem lhe aprouver; aquele que desempenha grandes tarefas que exigem toda a
sua energia tem inclusive uma escolha muito restrita” (p. 39).
“Deve-se evitar o mais possível o
acaso, o estímulo externo; fechar-se entre muros de alguma forma faz parte da
elementar sabedoria instintiva, da gestação intelectual” (p. 41).
“Onde a Alemanha chega, corrompe a cultura” (p. 46)
“Chegar a ser o que se é supõe
que não se duvide minimamente do que se é” (p. 50).
“Não suportar a necessidade
somente e muito menos dissimulá-la – todo idealismo é mentira diante da
necessidade – mas amá-la” (p. 54).
“No final das contas, ninguém
pode escutar nas coisas, inclusive nos livros, mais do que já sabe. Não se tem
ouvidos para escutar aquilo a que não se tem acesso pela experiência vivida”
(p. 56).
“[...] a coexistência das forças
mais luminosas e fatais, a vontade de poder como homem algum jamais a possuiu,
a descontrolada audácia nas coisas do espírito, a ilimitada força sem que a
vontade de agir seja oprimida” (p. 70).
“[...] uma contra-natureza traz inevitavelmente consigo uma segunda” (p. 79).
“[...] sob a capa dos conceitos
de avaliação mais sagrados, é justamente o instinto de negação, de corrupção, o
instinto de decadência que reinou
como agente de sedução. A questão da origem dos valores morais, é, pois, para
mim uma questão capital, porque
condiciona o futuro da humanidade” (p. 84).
“O diabo não é mais que a
ociosidade de Deus a cada sete dias...” (p. 102).
“Não quero ser um santo,
preferiria ser um palhaço... Talvez eu seja realmente um palhaço... E apesar
disso, ou melhor, não apesar disso – pois até hoje não houve nada mais
mentiroso que os santos – a verdade fala por minha boca. – Mas minha verdade é
terrível: pois até hoje a mentira é que foi sendo chamada verdade. –
Transvaloração de todos os valores: esta é minha fórmula do ato de suprema
tomada de consciência de si da humanidade, que em mim se fez carne e gênio” (p.
115-116).
“Considerar em geral as desgraças
de toda espécie como objeções, como algo a ser eliminado, é a tolice por
excelência e, considerando bem tudo, uma verdadeira calamidade em suas
conseqüências, uma fatal estupidez – quase tão estúpido como seria querer
eliminar o mau tempo – por exemplo, por compaixão pelos pobres... Na grande
economia do todo, os aspectos terríveis da realidade (nos afetos, nos desejos,
na vontade de poder) são incomensuravelmente mais necessários que essa forma de
pequena felicidade, a pretensa ‘bondade’; é preciso mesmo alguma indulgência
para conceder um lugar a esta última, pois ela tem por condição a mentira dos
instintos” (p. 118).
“A moral cristã foi até agora a
Circe de todos os pensadores – eles estavam todos a seu serviço” (p. 120).
“A única moral que se ensinou até
hoje, a moral da renúncia, traduz uma vontade de aniquilamento, nega radicalmente o fundamento da vida”
(p. 122)
O problema de uma resposta
grosseira e do descompasso entre a ação do metabolismo e a
forma/quantidade/freqüência do que se ingere/se desprende.
A questão de uma boa companhia,
do idealismo e do dispêndio de energia.
O problema da superabundância de
tudo que pode ser sentido, vivenciado, compreendido.
A manipulação que afasta o homem
do estar neste mundo, de reconhecer seus instintos, de valorizar a vida e um
corpo sadio, de considerar seus ineteresses, de dessacralizar um prazer e uma
alegria dionisíaca.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Ecce homo. Tradução de Antônio Carlos
Braga. 2ª edição – São Paulo, SP. Editora Escala. 2009. 132 p. Coleção Grandes
obras do Pensamento Universal, volume 57. Título original Ecce
homo,Wie man wird, was man ist.
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