“[...] o desejo de construir uma ciência a
todo custo e o mais rápido possível, sempre acarreta uma grande queda do nível
da problemática, um empobrecimento do objetivo submetido a estudo, e até a
substituição desse objeto [...] por outra coisa qualquer bem diferente” (p.
14).
Relação entre estético, ético,
cognição e cultura (p. 16).
“[...] o assim chamado método
formal não está de maneira alguma ligado, nem histórica nem sistematicamente, à
estética formal [...]” (p. 18).
“[...] é o conteúdo da atividade estética (contemplação) orientada sobre a
obra que constitui o objeto da análise estética” (p. 22).
“As formas arquitetônicas são as
formas dos valores morais e físicos do homem estético [...]” (p. 25).
“As formas composicionais que
organizam o material têm um caráter teleológico, utilitário, como que inquieto
[...]. A forma arquitetônica determina a forma da escolha composicional [...]”
(p. 25).
Conteúdo, material e forma (p.
27).
“Não há território interior no
domínio cultural: ele está inteiramente situado sobre fronteiras, fronteiras
que passam por todo lugar, através de cada momento seu [...]. Todo ato cultural
vive por essência sobre fronteiras [...]” (p. 29).
“[...] o ato cognitivo encontra
uma realidade já elaborada nos conceitos do pensamento pré-científico, mas, o
que é primordial, o pensamento já vem apreciado e regulamentado pelo
procedimento ético, prático e cotidiano, social e político [...]” (p. 30).
“A obra é viva e significante do
ponto de vista cognitivo, social, político, econômico e religioso num mundo
também vivo e significante” (p. 30).
“Cada fenômeno da cultura é
concreto e sistemático, ou seja, ocupa uma posição substancial qualquer em
relação à realidade preexistente de outras atitudes culturais e por isso mesmo
participa da unidade cultural prescrita” (p. 31).
O ato do conhecimento e o ato
ético (p. 32).
“Quase todas as categorias do
pensamento humano acerca do mundo ou do homem, categorias boas, receptivas e
enriquecedoras, otimistas (não religiosas, é claro, mas puramente legais) têm
um caráter estético [...]” (p. 34).
“O conteúdo representa o momento constitutivo indispensável do objeto
estético [...]” (p. 35)
Fora da relação com o conteúdo,
ou seja, com o mundo e os seus momentos, mundo como objeto do conhecimento e do
ato ético, a forma não pode ser esteticamente significante [...]” (p. 35).
“[...] para que a forma tenha um
significado puramente estético, o conteúdo, que a envolve deve ter um sentido
ético e cognitivo possível, a forma precisa do peso extra-estético do conteúdo,
sem o qual ela não pode realizar-se enquanto forma” (p. 37).
O “elemento ético-cognitivo” (p.
37 e 39).
“Só é diretamente ético o próprio
acontecimento do ato (ato-pensamento,
ato-ação, ato-sentimento, ato-desejo, etc) na
sua realização viva vinda de dentro do próprio conhecimento agente [...]”
(p. 39).
“O conteúdo do ato da empatia é
ético: é uma diretriz axiológica, pragmática ou moral (emocional e volitiva) de
uma outra consciência” (p. 39, 40).
“[...] o acontecimento ético não
relativiza os juízos que ele integra nem é indiferente à sua profundidade,
amplidão e veracidade puramente cognitivas" (p. 41).
“Dotando a palavra de tudo o que
é próprio à cultura, isto é, de todas as significações culturais (cognitivas,
éticas e estéticas) chega-se bem facilmente à conclusão de que não existe
absolutamente nada na cultura além da palavra, que toda a cultura não é nada
mais que um fenômeno da língua [...]” (p. 45).
“A linguística só é uma ciência
na medida em que domina o seu objeto: a língua. A língua é definida
linguisticamente por um pensamento puramente linguístico. Um enunciado isolado
e concreto sempre é dado num contexto cultural e semântico-axiológico
(científico, artístico, político, etc.) ou no contexto de uma situação isolada
da vida privada; apenas nesses contextos o enunciado isolado é vivo e
compreensível: ele é verdadeiro ou falso, belo ou disforme, sincero ou
malicioso, franco cínico, autoritário e assim por diante. Não há enunciados
neutros, nem pode haver; mas a linguística vê neles somente o fenômeno da língua, relaciona-os apenas
com a unidade da língua, mas não com a unidade do conceito, de prática de
vida, da História, do caráter de um indivíduo, etc” (p. 46).
“E o sentido da palavra, o seu significado material, é para a linguística
apenas um momento da palavra linguisticamente determinada, legitimamente
retirado do contexto cultural, semântico, no qual a palavra realmente foi
proferida” (p. 46).
“É só na poesia que a língua
revela todas as suas possibilidades, pois ali as exigências que lhe são feiras
são as maiores [...]” (p. 48).
“[...] unidade de um
acontecimento da vida axiologicamente significativo, esteticamente formalizado
e acabado (fora da forma estética, ele seria um acontecimento ético, no
interior de si mesmo não poderia, em princípio, ser acabado)” (p. 53).
“[...] conhecimento mais
detalhado do objeto estético e de sua arquitetônica [...]” (p. 56).
“[...] método da análise estética da forma enquanto forma
arquitetônica” (p. 57).
“O autor-criador é um momento constitutivo da forma artística” (p.
58).
“[...] é preciso fazer do que é
visto, ouvido e pronunciado a expressão da nossa relação ativa e axiológica, é
preciso ingressar coo criador no que se
vê, ouve e pronuncia, e desta forma superar o caráter de coisa [...]” (p.
59).
“[...] a forma é a expressão da
relação axiológica ativa do autor-criador e do indivíduo que percebe” (p. 59).
“O conteúdo de uma obra é como
que um fragmento do acontecimento único e aberto da existência, isolado e
libertado pela forma, da responsabilidade ante o acontecimento futuro, e,
portanto, tranquilo, autônomo, acabado no seu todo, tendo absorvido a natureza
isolada na sua tranquilidade e na sua auto-suficiência” (p. 60).
“[...] o isolamento é como que o
ato de tomada de posse do autor” (p. 61).
“Distinguimos os seguintes
elementos da palavra enquanto material: 1. o aspecto sonoro da palavra, seu
momento propriamente musical; 2. o significado material da palavra (com todas
as suas nuanças e variantes); 3. o momento da ligação vocabular (todas as
relações e inter-relações puramente vocabulares); 4. o momento intonacional (no
plano psicológico, emocional, e volitivo) da palavra, sua orientação axiológica
que exprime a variedade das relações axiológicas do falante; 5. o sentimento da
atividade vocabular, do engendramento ativo do som significante [...]” (p. 62).
“A atividade formativa do
autor-criador e do contemplador domina todos os aspectos da palavra [...]” (p.
62).
“O sentimento de uma atividade
verbal no ato da palavra (condenação, acordo, perdão, súplica) não é
absolutamente o momento determinante, o ato da palavra relaciona-se com a
unidade do acontecimento ético e nela se define como necessário e imperativo”
(p. 63).
“[...] o início e o fim de ma
obra do ponto de vista da unidade da forma, são o início e o fim de uma
atividade: sou eu quem começo e quem termino” (p. 63).
“[...] a atividade geradora
apodera-se das ligações verbais significantes (a comparação, a metáfora; a
utilização composicional das ligações sintáticas, das repetições, dos
paralelismos, da forma interrogativa; a utilização composicional das ligações
hipotáxicas e paratáxicas, etc) [...]. Assim, uma comparação ou uma metáfora
apoiam-se na unidade de uma atividade de avaliação [...]” (p. 65).
“[...] o significado objetal
material da palavra é envolto pelo sentimento de uma atividade de seleção do significado, pelo sentimento singular da
iniciativa do sujeito-criador [...]” (p. 65).
“O isolamento é o primeiro passo
da consciência formadora, a primeira dádiva da forma ao conteúdo [...]” (p. 67)
“[...] profunda singularidade da
forma estética: ela é a minha atividade orgânico-motriz, valorizante e
interpretativa, e ao mesmo tempo é a forma do acontecimento que se opõe a mim,
e a forma de seu participante [...]” (p. 68).
“O objeto estético é uma criação
que inclui em si o criador [...]” (p. 69).
“[...] eliminar a ruptura entre o
‘formalismo’ e o ‘ideologismo’ abstratos no estudo do discurso literário” (p.
71).
“O romance, tomado como um
conjunto, caracteriza-se como um fenômeno pluriestilístico, plurilíngue e
plurivocal” (p. 75).
“O romance é uma diversidade
social de linguagem organizadas artisticamente, às vezes de línguas e de vozes
individuais. [...] toda estratificação interna de cada língua em cada momento
dado de sua existência histórica constitui premissa indispensável do gênero
romanesco. [...] O discurso do autor, os discursos dos narradores, os gêneros
intercalados, os discursos das personagens não passam de unidades básicas de
composição com a ajuda das quais o plurilinguismo se introduz no romance. Cada
um deles admite uma variedade de vozes sociais e de diferentes ligações e
correlações (sempre dialogizadas em maior ou menor grau)” (p. 74, 75).
“[...] na maior parte dos gêneros
poéticos a unidade do sistema da língua e a unidade (a unicidade) da
individualidade linguística e verbal do poeta, que é realizada de maneira
espontânea, tornam-se as premissas necessárias do estilo poético” (p. 76).
“A unidade do romance e os
problemas específicos de sua construção a partir de elementos plurilíngues,
plurivocais, pluriestilísticos e frequentemente ligados a línguas diferentes
[...]” (p. 76).
“A retórica formalista é o
complemento necessário para a poética formalista” (p. 78).
“O romance é um gênero literário.
O discurso romanesco é um discurso poético [...]” (p. 80).
“A língua única não é dada, mas,
em essência, estabelecida em cada momento da sua vida, ela se opõe ao discurso
diversificado. Porém, simultaneamente ela é real enquanto força que supera este
plurilinguismo, opondo-lhe certas barreiras, assegurando um certo maximum de compreensão mútua e
centralizando-se na unidade real, embora relativa, da linguagem falada
(habitual) e da literária ‘correta’” (p. 81).
“[...] plurilinguismo que engloba
e centraliza o pensamento verbal-ideológico [...]” (p. 81).
“[...] forças centrípetas da vida
social, linguística e ideológica [...]” (p. 81).
“[...] forças centrípetas da vida
linguística, encarnadas numa língua ‘comum’, atuam no meio do plurilinguismo
real, [...]. A própria língua literária, sob este ponto de vista, constitui
somente uma das línguas do plurilinguismo e ela mesma por sua vez
estratifica-se em linguagens (de gêneros, de tendências, etc) [...] a
estratificação e o plurilinguismo ampliam-se e aprofundam-se na medida em que a
língua está viva e desenvolvendo-se; ao lado das forças centrípetas caminha o
trabalho contínuo das forças centrífugas da língua, ao lado da centralização
verbo-ideológica e da união caminham ininterruptos os processos de descentralização
e desunificação” (p.82)
“Cada enunciação do sujeito do
discurso constitui o ponto de aplicação seja das forças centrípetas, como das
centrífugas. Os processos de centralização e descentralização, de unificação e
de desunificação cruzam-se nesta enunciação, e ela basta não apenas à língua,
como sua encarnação discursiva individualizada, mas também ao plurilinguismo,
tornando-se seu participante ativo” (p. 82).
“O verdadeiro meio da enunciação,
onde ela vive e se forma, é um plurilinguismo dialogizado, anônimo e social
como linguagem, mas concreto, saturado de conteúdo e acentuado como enunciação
individual”
“[...] forças centrípetas da vida
verbo-ideológica [...] (p. 82).
“A filosofia da linguagem, a
linguística e a estilística, nascidas e formadas no curso das tendências
centralizadoras da vida linguística, ignoravam este plurilinguismo dialogizado
que personificava as forças centrífugas dessa mesma vida. [...]. Pode-se mesmo
dizer que o aspecto dialógico do discurso e todos os fenômenos a ele ligados
permaneceram até a época recente fora do âmbito da linguística.
A estilística então permanecia
absolutamente surda ao diálogo. A obra literária era concebida pela estilística
como um todo, fechado e autônomo [...]. A obra em sua totalidade, qualquer que
ela fosse, era, do ponto de vista da estilística, um monólogo do autor
independente e fechado que pressupõe além dos seus limites apenas o ouvinte
passivo” (p. 83).
“Para servir às importantes
tendências centralizantes da vida ideológica verbal europeia, a filosofia da
linguagem, a linguística e a estilística buscaram antes de tudo a unidade na diversidade. Esta excepcional
orientação para a unidade, na vida presente e passada das línguas, fixou a
atenção do pensamento filosófico-linguístico sobre os aspectos mais
resistentes, mais firmes, mais estáveis e menos ambíguos do discurso (sobretudo
os aspectos fonéticos), enfim, os
aspectos mais distanciados das esferas sócio-semânticas mutáveis do discurso.
Do ponto de vista ideológico, a ‘consciência linguística’, real, saturada de
ideologia, participante de um plurilinguismo e de uma plurivocidade autêntica,
permanecia fora do campo de visão dos estudiosos. Esta mesma orientação para a
unidade obrigava-os a ignorar todos os gêneros verbais (folclóricos, retóricos,
prosaicos, literários), portadores das tendências descentralizantes da vida
linguística ou, em qualquer caso, participantes substancialmente do
plurilinguismo” (p. 84)
“[...] complexas formas
artísticas de organização do plurilinguismo [...]” (p. 84).
“[...] orientação dialógica do
discurso [...] línguas nacionais nos limites da mesma cultura e do mesmo
horizonte sócio-ideológico” (p. 85).
“Pois todo discurso concreto
(enunciação) encontra aquele objeto para o qual está voltado sempre [...] o
discurso penetra neste meio dialogicamente perturbado e tenso de discursos de
outrem, de julgamentos e de entonações” (p. 86).
“O enunciado existente, surgido
de maneira significativa num determinado momento social e histórico, não pode
deixar de tocar os milhares de fios dialógicos existentes, tecidos pela
consciência ideológica em torno de um objeto de enunciação, não pode deixar de
ser participante ativo do diálogo social. Ele também surge desse diálogo com
seu prolongamento, como sua réplica, e não sabe de que lado ele se aproxima
desse objeto” (p. 86).
O discurso e suas “facetas
semânticas e estilísticas”, e, sua “interação dialógica” (p. 86).
A “atmosfera social do discurso”
(p. 87).
“Em todos os seus caminhos até o
objeto, em todas as direções, o discurso se encontra com o discurso de outrem e
não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e tensa. Apenas o
Adão mítico que chegou com a primeira palavra num mundo virgem, ainda não
desacreditado, somente este Adão podia realmente evitar esta mútua orientação
dialógica do discurso alheio para o objeto. Para o discurso humano, concreto, e
histórico, isso não é possível: só em certa medida e convencionalmente é que
pode dela se afastar
O mais surpreendente é que a
filosofia da linguagem e a linguística tenham-se orientado, de preferência,
justamente segundo esta condição artificial de discurso retirado do diálogo
aceitando-a como normal (apesar de que o primado do diálogo sobre o monólogo
tenha sido frequentemente proclamado). O diálogo era estudado apenas como forma
composicional da construção do discurso, mas a dialogicidade interna do
discurso (tanto na réplica, como na enunciação monológica) que penetra em toda
sua estrutura, todos os seus estratos semânticos e expressivos, foram quase que
absolutamente ignorados. É justamente esta dialogicidade interna do discurso,
que não aceita formas dialógicas externas de composição, que não se destaca
como ato independente da concepção que o discurso tem de seu objeto que possui
uma enorme força de estilo” (p. 88).
“O discurso nasce no diálogo como
sua réplica viva [...]” (p. 88).
“O discurso vivo e corrente está
imediata e diretamente determinado pelo discurso-resposta futuro [...]” (p.
89).
“Todas as formas retóricas e
monológicas, por sua construção composicional, estão ajustadas no ouvinte e na
sua resposta” (p. 89).
“A filosofia da linguagem e a
linguística conhecem apenas a compreensão passiva do discurso, sobretudo no
plano da língua geral, isto é, a compreensão do significado neutro da enunciação, e não do seu sentido atual.
O significado linguístico de uma
enunciação dada é conhecido sobre o fundo de uma língua e o seu sentido atual,
sobre o fundo de outras enunciações concretas do mesmo tema, sobre o ponto de
vista de opiniões contraditórias, de pontos de vista e de apreciações [...]. Ocorre um novo encontro da enunciação com o
discurso alheio, resultando em uma nova influência específica em seu
estilo” (p. 90).
“Na vida real do discurso falado,
toda compreensão concreta é ativa [...]. A compreensão amadurece apenas na
resposta. A compreensão e a resposta estão fundidas dialeticamente e
reciprocamente condicionadas, sendo impossível uma sem a outra” (p. 90).
“O locutor penetra no horizonte
alheio de seu ouvinte, constrói a sua enunciação no território de outrem, sobre
o fundo apreciativo do seu ouvinte” (p. 91).
“[...] dialogicidade interna do
discurso [...]” (p. 91).
“A relação dialógica para com o
discurso de outrem no objeto e para com o discurso de outrem na resposta
antecipada do ouvinte [...]” (p. 91).
“[...] horizonte objetal e
axiológico do leitor [...]” (p. 91).
“A política interna do estilo
(combinação dos elementos) determina sua política exterior (em relação ao
discurso de outrem). O discurso como que vive na fronteira do seu próprio
contexto e daquele de outrem” (p. 92).
“Nos gêneros poéticos (em sentido
restrito) a dialogização natural do discurso não é utilizada literariamente
[...]. O estilo poético é convencionalmente privado de qualquer interação com o
discurso alheio, de qualquer ‘olhar’ para o discurso alheio” (p. 93).
“Nos gêneros poéticos, a
consciência literária (no sentido da unidade de todas as intenções semânticas e
expressivas do autor) realiza-se inteiramente na sua própria língua; ela é
inteiramente imanente, exprimindo-se nela direta e espontaneamente sem
restrições nem distâncias” (p. 93).
“A unidade e a unicidade da
linguagem são condições obrigatórias para realizar a individualidade
intencional e direta do estilo poético e da estabilidade monológica.
Isto não significa certamente que
o plurilinüismo ou mesmo o multilingüismo não possam penetrar inteiramente na
obra poética. O espaço para o plurilingüismo encontra-se apenas nos gêneros
poéticos ‘inferiores’, sátiras, comédias, etc. Entretanto, o plurilingüismo
(isto é, as outras linguagens sócio-ideológicas) pode vir integrado nos gêneros
estritamente poéticos, principalmente nas falas dos personagens” (p. 94).
“As linguagens sociais são
objetais, caracterizadas, socialmente localizadas e limitadas; a linguagem da
poesia, criada artificialmente, será diretamente intencional, peremptória,
única e singular” (p. 95).
“A língua, enquanto meio vivo e
concreto onde vive a consciência do artista da palavra, nunca é única. Ela é
única somente como sistema gramatical abstrato de formas normativas, abstraída
das percepções ideológicas concretas que a preenche e da contínua evolução
histórica da linguagem viva. A vida social viva e a evolução histórica criam,
nos limites de uma língua nacional abstratamente única, uma pluralidade de
mundos concretos, de perspectivas literárias, ideológicas e sociais, fechadas;
os elementos abstratos da língua, idênticos entre si, carregam-se de diferentes
conteúdos semânticos e axiológicos, ressoando de diversas maneiras no interior destas
diferentes perspectivas” (p. 96).
“[...] elementos da língua
adquirem o perfume específico dos gêneros dados: eles se adequam aos pontos de
vista específicos, às atitudes, às formas de pensamento, às nuanças e às
entonações desses gêneros” (p. 96).
“A estratificação social pode
[...] coincidir com a estratificação em gêneros e em profissões [...]” (p. 97).
“[...] visões de mundo
socialmente significativas [...]” (p. 97).
“Cada época histórica da vida
ideológica e verbal, cada geração, em cada uma das suas camadas sociais, tem a
sua linguagem [...]” (p. 97).
“[...] plurilingüismo social
[...]” (p. 99).
“Estudar o discurso em si mesmo, ignorar a sua orientação externa, é
algo tão absurdo como estudar o sofrimento psíquico fora da realidade a que está
dirigido e pela qual ele é determinado” (p. 99)
“Como resultado do trabalho de
todas estas forças estratificadoras, a língua não conserva mais formas e
palavras neutras ‘que não pertencem a ninguém’; ela torna-se como que esparsa,
penetrada de intenções, totalmente acentuada. Para a consciência que vive nela,
a língua não é um sistema abstrato de formas normativas, porém uma opinião
plurilíngue concreta sobre o mundo” (p. 100).
“[...] para a consciência
individual, a linguagem enquanto concreção sócio-ideológica viva e enquanto
opinião plurilíngüe, coloca-se nos limites de seu território e nos limites do
território de outrem” (p. 100).
“As distinções entre os gêneros
coincidem frequentemente com as distinções dialetológicas [...]” (p. 101).
“[...] história verbo-ideológica
rica e intensa [...] plurilinguismo europeu [...]” (p. 101).
“A consciência linguística,
sócio-ideológica e concreta, ao se tornar artisticamente ativa, isto é,
literariamente ativa, encontra-se de antemão envolvida por um pluridiscurso, e
de modo algum por uma só linguagem, única, indiscutível e peremptória” (p.
101).
“O poeta deve possuir o domínio
completo e pessoal de sua linguagem [...]. Ele deve partir da linguagem como um
todo intencional e único: nenhuma estratificação pluridiscursiva e muito menos
plurilíngue deve ter qualquer reflexo marcante sobre sua obra poética” (p.
103).
“O prosador não purifica seus
discursos das intenções e tons de outrem, não destrói os germes do
plurilingüismo social que estão encerrados neles [...]” (p. 104).
“[...] a estratificação da
linguagem, em gêneros, profissões sociedades (em sentido restrito), concepções
de mundo, tendências, individualidades, diferentes falas e línguas, ao entrar
no romance ordena-se de uma maneira especial, torna-se um sistema literário
original que orquestra o tema intencional do autor” (p. 105).
O prosador utiliza-se de
discursos já povoados pelas intenções sociais de outrem, obrigando-os a servir
às suas novas intenções, a servir ao seu segundo senhor. Por conseguinte, as
intenções do prosador refratam-se e o fazem sob diversos ângulos, segundo o
caráter sócio-ideológico de outrem, segundo o reforçamento e a objetividade das
linguagens que refratam o plurilingüismo” (p. 105).
“[...] estilização paródica da
linguagem [...]” (p. 109)
“[...] introduzida a fala de outrem no discurso do autor
(narração) sob uma forma dissimulada
[...]” (p. 109).
“Denominamos construção híbrida o
enunciado que, segundo índices gramaticais (sintáticos) e composicionais,
pertence a um único falante, mas onde, na realidade, estão confundidos dois
enunciados, dois modos de falar, dois estilos, duas ‘linguagens’ duas
perspectivas semânticas e axiológicas” (p. 110).
“[...] discurso
paródico-estilizado [...]” (p. 113).
“[...] fronteiras são intencionalmente
frágeis e ambíguas [...]” (p. 113)
“Mas a compreensão linguística é
o momento abstrato de uma compreensão concreta e ativa (dialogicamente
participante) do plurilingüismo vivo, introduzido no romance e literariamente
organizado nele” (p. 113).
“A percepção parodicamente
estilizada objetivada das diversas variantes da linguagem literária [...]” (p.
114).
O “radicalismo de Rabelais” (p.
114) e a “‘filosofia da palavra’ de Rabelais” (p. 115).
“O lado filosófico-psicológico da
relação do autor com o seu discurso coloca frequentemente em segundo plano o
jogo das intenções com as camadas concretas, principalmente as do gênero de
ideologia, da linguagem literária [...].
Desta forma, a estratificação da
linguagem literária, seu caráter plurilíngue, é um postulado indispensável ao
estilo humorístico, cujos elementos devem projetar-se sobre diferentes planos
linguísticos; além disso, as intenções do autor, ao sofrerem refração através
de todos esses planos, podem não encontrar eco em nenhum deles” (p. 116).
“No romance humorístico, a
introdução do plurilingüismo e a sua utilização estilística [...]” (p. 116).
“[...] (o sério verdadeiro
consiste na destruição de todo o sério falso, não apenas patético, mas também
sentimental) [...]” (p. 117).
“[...] processo puramente
composicional que reforça a relativização, a objetivização e a parodização
gerais das formas e dos gêneros literários” (p. 117).
“O autor se realiza e realiza o
seu ponto de vista não só no narrador, no seu discurso e na sua linguagem (que,
num grau mais ou menos elevado, são objetivos e evidenciados), mas também no
objeto da narração, e também realiza o ponto de vista do narrador” (p. 118).
“O autor não está na linguagem do
narrador nem na linguagem literária normal [...] mas ele se utiliza de ambas
para não entregar inteiramente as suas intenções [...] para permanecer como que
neutro no plano linguístico, como ‘terceiro’ [...]” (p. 119).
“As palavras dos personagens,
possuindo no romance, de uma forma ou de outra, autonomia semântico-verbal,
perspectiva própria, sendo palavras de outrem numa linguagem de outrem, também
podem refratar as intenções do autor e, consequentemente, podem ser, em certa
medida, a segunda linguagem do autor” (p. 119).
“[...] índices sintáticos
(terceira-pessoa) e estilísticos (lexicológicos e outros) [...]” (p. 123).
“A mesma hibridização, a mesma
mistura dos acentos, o mesmo apagamento das fronteiras entre o discurso do
autor e o de outrem [...]” (p. 123).
“O romance admite introduzir na
sua composição diferentes gêneros, tanto literários (novelas intercaladas,
peças líricas, poemas, sainetes dramáticos, etc.), como extraliterários (de
costumes, retóricos, científicos, religiosos, e outros)” (p. 124).
“Os gêneros intercalados podem
ser diretamente intencionais ou totalmente objetais [...]” (p. 125).
“O modelo clássico e mais puro do
gênero romanesco é Dom Quixote de
Cervantes, que realizou com profundidade e amplitude excepcionais todas as
possibilidades literárias do discurso romanesco plurilíngue e internamente
dialogizado” (p. 127).
“O plurilingüismo introduzido no
romance (quaisquer que sejam as formas de sua introdução), é o discurso de outrem na linguagem de outrem,
que serve para refratar a expressão das intenções do autor. A palavra desse
discurso é uma palavra bivocal
especial. [...]. Nesse discurso há duas vozes, dois sentidos, duas expressões.
Ademais, essas duas vozes estão dialogicamente correlacionadas [...]. O
discurso bivocal sempre é internamente dialogizado [...], assim é o discurso do
gênero intercalado [...]” (p. 127).
“Naturalmente, o discurso bivocal
internamente dialogizado é possível também num sistema linguístico fechado,
puro e único, estranho ao relativismo linguístico da consciência da prosa,
portanto, é possível nos gêneros poéticos puros” (p. 128).
“O dualismo interno (a
bivocalidade) de um discurso que satisfaz a uma linguagem única e a um estilo
monologicamente sóbrio, nunca pode ser substancial: é um jogo, uma tempestade
num copo d’água” (p. 128).
“[...] linguagem enquanto fenômeno
social formado historicamente, estratificado e dilacerado socialmente no
decorrer da evolução” (p. 129).
“O discurso bivocal em prosa é
ambíguo. Mas o discurso poético em sentido estrito é igualmente ambíguo e
polissêmico. [...] O discurso poético é um tropo que exige que se percebam nele
os seus dois sentidos” (p. 130).
“[...] lado axiológico-emocional
dessa inter
“[...] plurilingüismo e [...] sua
produção específica: o discurso bivocal” (p. 130).
“Para o romancista-prosador [...]
a linguagem e o objeto se revelam para ele no seu aspecto histórico, na sua
transformação social plurilíngue. Para ele não há um mundo além de sua
conscientização social e plurilíngue, e não há linguagem além das intenções
plurilíngues que o estratificam” (p. 132).
“Essa pureza monovocal e essa
franqueza intencional, irrestrita do discurso poético acabado, é obtida a preço
de uma certa convencionalidade da linguagem poética” (p. 133).
“[...] existência viva e
historicamente concreta das linguagens. A prosa literária pressupõe a percepção
da concretude e da relatividade históricas e sociais da palavra viva, de sua
participação na transformação histórica e na luta social; e ela toma a palavra
ainda quente dessa luta e desta hostilidade, ainda não resolvida e dilacerada pelas
entonações e acentos hostis e a submete à unidade dinâmica de seu estilo” (p.
133).
“No romance, o homem que fala e
sua palavra são objeto tanto de representação verbal como literária” (p. 135).
“O sujeito que fala no romance é
um homem essencialmente social,
historicamente concreto e definido e seu discurso é uma linguagem social (ainda
que em embrião), e não um ‘dialeto individual’” (p. 135).
“O sujeito que fala no romance é
sempre, em certo grau, um ideólogo e
suas palavras são sempre um ideologema.
[...] representação dialogizada de um discurso ideologicamente convincente
[...]” (p. 135).
“Não é possível representar
adequadamente o mundo ideológico de outrem, sem lhe dar sua própria
ressonância, sem descobrir suas palavras” (p. 137).
“Se o objeto específico do gênero
romanesco é a pessoa que fala e seu discurso, o qual aspira a uma significação
social e a uma difusão, como uma linguagem especial do plurilingüismo – então o
problema central da estilística do romance pode ser formulado como o problema da representação literária da
linguagem, o problema da imgem da linguagem” (p. 138).
“[...] o significado do tema do
sujeito que fala e sua palavra dentro da esfera extraliterária da vida e da
ideologia” (p. 139).
“O tema do sujeito que fala tem
um peso imenso na vida cotidiana” (p. 139).
“É particularmente fácil, manipulando-se o
contexto, elevar o grau de objetividade da palavra de outrem, provocando
reações dialógicas ligadas à objetividade; assim, é muito fácil tornar cômica a
mais séria das declarações. A palavra alheia introduzida no contexto do
discurso estabelece com o discurso que a enquadra não um contexto mecânico, mas
uma amálgama química (no plano do sentido e da expressão); o grau de influência
mútua do diálogo pode ser imenso. Por isso, ao se estudar as diversas formas de
transmissão do discurso de outrem, não se pode separar os procedimentos de
elaboração deste discurso dos procedimentos de seu enquadramento contextual
(dialógico): um se relaciona indissoluvelmente ao outro” (p. 141).
“[...] as ‘nossas palavras’ não
devem dissolver completamente as palavras a originalidade das palavras alheias,
o relato com nossas próprias palavras deve trazer um caráter misto [...]” (p.
142)
“O objetivo da assimilação da
palavra de outrem adquire um sentido ainda mais profundo e mais importante no
processo de formação ideológica do homem, no sentido exato do termo. Aqui, a
palavra de outrem [...] surge aqui como a palavra autoritária e como a palavra
interiormente persuasiva” (p. 142).
“[...] tanto a autoridade da
palavra como sua persuasão interior podem se unir em uma única palavra, ao
mesmo tempo, autoritária e interiormente persuasiva [...]. O conflito e as
inter-relações dialógicas destas duas categorias da palavra determinam
frequentemente a história da consciência ideológica individual” (p. 143).
“A palavra autoritária pode
organizar em torno de si massas de outras palavras [...]” (p. 143).
“O discurso autoritário exige
nosso reconhecimento incondicional, e não absolutamente uma compreensão e
assimilação livre em nossas próprias palavras” (p. 144).
“A palavra ideológica do outro,
interiormente persuasiva e reconhecida por nós, nos revela possibilidades
bastante diferentes” (p. 145).
“[...] o inacabamento de sentido
para nós, sua possibilidade de prosseguir, sua vida criativa no contexto de
nossa consciência ideológica, inacabado, não esgotado ainda, de nossas relações
dialógicas” (p. 146).
“As variações sobre o tema da
palavra de outrem são muito difundidas em todos os domínios da criação ideológica,
até mesmo no domínio especificamente científico” (p. 147).
“As declarações dos personagens
de Dostoiévski são a arena de uma luta desesperada com a palavra do outro em
todas as esferas da vida e da criação ideológica” (p. 148)
ÉTICO – JULGAMENTO; IDEOLÓGICO –
VISÃO DE MUNDO (p. 148)
“A palavra autônoma, responsável
e eficaz é um índice essencial do homem ético, jurídico e político” (p. 149).
“O material mais impressionante
para o tratamento deste problema no plano da filosofia da linguagem (da
palavra) é fornecido por Dostoiévski (o problema do pensamento e do desejo
verdadeiros, do verdadeiro motivo [...] a função do ‘outro’ [...])” (p. 149).
“Todo o aparato metodológico das
ciências matemáticas e naturais se orienta para o domínio do objeto reificado, mudo que não se revela
na palavra, e que não comunica nada a
respeito de si mesmo” (p. 150).
“Nas ciências humanitárias, à
diferença das ciências naturais e matemáticas, surge a questão específica do
restabelecimento, da transmissão e da interpretação das palavras de outrem
[...]” (p. 150).
“A palavra pode ser inteiramente
percebida de modo objetal (como uma coisa). Assim é a maioria das disciplinas
linguísticas” (p. 151)
“Entretanto, a penetração
dialógica é obrigatória na filologia (pois sem ela não é possível nenhuma
compreensão) [...]” (p. 151).
“Os gêneros retóricos conhecem as
formas mais variadas de transmissão do discurso de outrem, e na maioria dos
casos, fortemente dialogizadas. A retórica recorre amplamente a vigorosas
reacentuações das palavras transmitidas (frequentemente até a uma deformação
delas) por meio de um enquadramento correspondente pelo contexto” (p. 152,153).
“O fato de que um dos principais
objetos do discurso humano é a própria palavra, até, hoje não foi ainda suficientemente
tomado em consideração, nem apreciado em sua significação radical” (p. 153).
“[...] entendemos como ‘linguagem
social’ não o conjunto dos signos linguísticos que determinam a valorização
dialetológica e a singularização da linguagem, mas precisamente uma entidade
concreta e viva dos signos, sua singularização social, a qual pode se realizar
também nos quadros de uma linguagem linguisticamente única, determinando-se
pelas transformações semânticas e pelas seleções lexicológicas” (p. 154).
“[...] a língua é historicamente
real, enquanto transformação plurilíngue, fervilhante de línguas futuras e
passadas, de linguagens aristocráticas afetadas que estão morrendo, de parvenus linguísticos, de incontáveis pretendentes a ela, de maior ou menor
sucesso, de maior ou menor envergadura de alcance social, com uma ou outra
esfera ideológica” (p. 155).
“Pode-se relacionar todos os
procedimentos de criação do modelo da linguagem no romance em três categorias
básicas: 1. hibridização, 2. inter-relação dialogizada das linguagens, 3.
diálogos puros” (p. 156).
“[...] certos autores que falam
uma linguagem dada e que constroem com ela os enunciados [...]. Desta forma,
são duas consciências, duas vozes e
portanto dois acentos que participam
do híbrido literário intencional e consciente” (p. 157).
“[...] o híbrido romântico não é
apenas bivocal e duplamente acentuado (como na retórica), mas bilíngue [...]”
(p. 158).
“[...] um híbrido literário
intencional é um híbrido semântico, porém não abstratamente semântico, lógico (como na retórica) mas
no sentido social concreto” (p. 158).
“O híbrido semântico intencional
é necessariamente dialogizado interiormente (à diferença do híbrido orgânico)”
(p. 158).
“Finalmente, a bivocalidade
intencional e o hibrido internamente dialogizado possuem uma estrutura
sintática bastante específica: nos limites de seu enunciado estão fundidos dois
enunciados potenciais, como que duas réplicas de um possível diálogo” (p. 158).
“[...] fusão obscura das
linguagens nos enunciados vivos, numa língua que evolui historicamente” (p.
159).
“A forma mais característica e
nítida deste aclaramento mútuo das línguas na dialogização interna é a estilização. A estilização difere do
estilo direto, precisamente por esta presença da consciência linguística (da
estilística contemporânea e de seu auditório), à luz da qual o estilo é
recriado e, tendo-a como pano de fundo, adquire importância e significação
novas” (p. 159).
“[...] a vontade do que é
estilizado, mas também a vontade linguística e literária estilizante” (p. 160).
“Se o material linguístico (a
palavra, a forma, o movimento, etc.) penetrou na estilização, é um defeito, um
erro, um anacronismo, um modernismo” (p. 160).
“[...] variação (que
frequentemente se transforma numa hibridização) [...]” (p. 160).
“O conflito que ocorre no
interior do discurso, o grau de resistência do discurso parodiado em relação
àquele que o parodia, o grau de representação das línguas sociais assim como o
grau de individualização na representação, o plurilingüismo que o cerca, enfim,
sempre funciona como fundo dialógico e ressonador – cria a variedade de
procedimentos da representação da língua de outrem” (p. 161).
“Por isso, o diálogo no romance é
um diálogo de uma espécie particular. [...] ele não pode se esgotar nos
diálogos pragmáticos e temáticos dos personagens. Ele carrega em si a
multiformidade infinita das resistências dialógicas e pragmáticas do tema [...]
este diálogo profundo e desesperado das linguagens, determinado pela própria
transformação sócio-ideológica das linguagens e da sociedade” (p. 161).
“A criação da representação das
linguagens é o problema estilístico primordial do gênero romanesco” (p. 162).
“O romance não apenas não
dispensa a necessidade de um conhecimento profundo e sutil da linguagem literária,
mas requer, além disso, o conhecimento das linguagens do plurilingismo¨. O
romance requer uma expansão e aprofundamento do horizonte linguístico, um
aguçamento de nossa percepção das diferenciações sócio-lingüísticas” (p. 163).
“O romance é a expressão da
consciência galileana da linguagem que rejeitou o absolutismo de uma língua só
e única, ou seja, o reconhecimento da sua língua como o único centro
semântico-verbal do mundo ideológico, e que reconheceu a pluralidade das
línguas nacionais e, principalmente, sociais [...]” (p. 164)
“[...] palavra enquanto fenômeno
objetal, característico, mas ao mesmo tempo também intencional. (p. 164).
“A descentralização do mundo
ideológico-verbal, que encontra sua expressão no romance, pressupõe um grupo
social fortemente diferenciado, grupo este que se encontra numa interação tensa
e essencial com outros grupos sociais” (p. 165).
“[...] disjunção no sentido de
destruição daquela soldagem absoluta entre o sentido ideológico e a linguagem,
pela qual é definido o pensamento mitológico e mágico” (p. 166).
“[...] poder pleno do mito sobre
a linguagem e da linguagem sobre a percepção e a concepção da realidade se
encontra no passado pré-histórico e, portanto, inevitavelmente hipotético da
consciência linguística” (p. 166).
“[...] plurilingüismo social das
línguas nacionais faladas” (p. 167).
“A estilização
abstrato-idealizante do romance sofista [...]”
“O romance sofista é
ideologicamente descentralizado de modo absoluto [...]” (p. 169).
“[...] tipos e variantes do
discurso bivocal, cuja bivocalidade é dificilmente percebida” (p. 170)
“A presença de uma estilização
paródica e de outras variedades do discurso bivocal no romance sofista é
indiscutível, mas é difícil perceber dizer qual a sua importância nele” (p. 170).
“O romance sofista deu início à primeira linha estilística do romance
europeu [...]”
“A estilização abstrata,
idealizante desses romances determina-se, consequentemente, não só pelo seu
objeto e pela expressão direta do falante (como no discurso puramente
político), mas também pelo discurso de outrem, pelo plurilingüismo” (p. 171).
“[...] o nascimento da prosa
romanesca é na Alemanha é evidentemente
simbólico: ela é criada por uma aristocracia francesa germanizada, que recorre
à tradução e à translação da prosa ou dos versos franceses” (p. 173).
“[...] peregrinação social do
romance de cavalaria criado nos séculos XIV e XV” (p. 174).
“[...] complexidade retórica e um
empolamento também vazios [...] a polissemia semântica para uma monossemia
vazia” (p. 175).
“[...] uma forma de superação
estilística, convencional e imaginária” (p. 175).
“[...] dissonâncias dialógicas
abruptas [...]” (p. 176).
“[...] ‘literaturidade’ que rege
os gêneros da vida prática e corrente (conversações, cartas, diários) [...]”
(p. 177).
“[...] plurilingüismo da
linguagem falada e dos gêneros epistolares correntes [...]” (p. 178).
“O romance de cavalaria em prosa
opõe-se ao plurilingüismo ‘baixo’, vulgar em todos os domínios da vida [...]”
(p. 178).
“É natural que para realizar a
sua tarefa de organização estilística da linguagem familiar o romance de
cavalaria em prosa deveria fazer entrar em sua estrutura toda a multiplicidade
de gêneros ideológicos, de costumes e intraliterários. Esse romance, como
também o romance sofista, era quase uma enciclopédia completa dos gêneros da
sua época” (p. 179).
“A perspectiva objetal e
expressiva desse discurso romanesco [...]” (p. 179).
“No início do século XVII a
primeira linha estilística do romance começa a se modificar um pouco: as forças
históricas reais começam a utilizar a idealização e a polemização abstrata do
estilo romanesco para a realização das tarefas polêmicas e apoléticas mais
concretas. A desorientação social do ciclo romântico de cavalaria abstrato é
sucedida pela nítida orientação sócio-política do romance barroco.
Já o romance pastoril percebe de
forma bem diferente o seu material e de outra forma direciona a sua estilização”
(p. 180).
“A concepção barroca do mundo,
com as suas polaridade (sic), com a
tensão demasiada da sua unidade contraditória [...]” (p. 181).
“O significado histórico do
romance barroco é excepcionalmente grande” (p. 181).
“A idéia da provação permite
organizar de modo profundo e substancial o variado material romanesco em volta
do herói. [...] No romance sofista, esta idéia, tendo-se formado a partir da
casuística retórica da segunda escola sofística, assume um caráter
grosseiramente formal e exterior [...]. A idéia cristã do martírio (a provação
pelo sofrimento e pela morte), de um lado, e a idéia da tentação (provação
pelas seduções), de outro, dão um conteúdo específico à idéia de provação
organizadora do material na enorme literatura hagiográfica do cristianismo
primitivo e, depois, da Idade Média” (p. 182).
“Em Zola, a idéia da eleição transforma-se
na idéia da aptidão para com a vida, da saúde biológica, da capacidade de
adaptação do homem [...]” (p. 183).
“O romance de aventuras puro
[...]. Na maioria das vezes o enredo de aventuras é organizado pela idéia
embaciada da provação do herói, porém nem sempre” (p. 184).
“Dostoiévski estava diretamente
ligado à literatura hagiográfica e à lenda cristã pela religião ortodoxa, com a
sua idéia específica de provação. [...] todo o complexo já característico do
romance de provações romano-helênico [...]” (p. 185).
“A idealização heroicizante do
romance barroco não é épica, tal qual no romance de cavalaria, é uma
idealização abstrata, polêmica e principalmente apologética, mas, à diferença
do romance de cavalaria, ela é profundamente patética e tem atrás de si forças
culturais sociais, reais, conscientes delas mesmas. É preciso que nos
detenhamos um pouco sobre a singularidade desse patos romanesco” (p. 187).
“O romance patético-sentimental
está por toda parte ligado à mudança substancial da linguagem literária no
sentido de sua aproximação com a linguagem falada. Mas aqui esta linguagem se
ordena e se normaliza segundo o ponto de vista da categoria da literaturidade,
ela se transforma na única linguagem da expressão direta das intenções do
autor, e não numa das linguagens do plurilingüismo, que orquestram essas
intenções.” (p. 189).
Plurilingüismo baixo, falso e
literário (p. 189).
“No romance, e graças ao romance,
o plurilingüismo em si transforma-se no plurilingüismo para si [...]” (p. 191).
“[...] gêneros inferiores miúdos,
nos palcos de feira, nas praças do mercado, nas canções e anedotas de rua
[...]” (p. 192)
“Quem fala e em que condições
fala” (p. 192).
“A mentira se esclarece pela
conscientização irônica e parodia a si mesma pela boca do trapaceiro alegre”
(p. 193).
“[...] multiformidade das
situações romanescas dialógicas ou das oposições dialógicas [...] (p. 194).”
“O bufão é uma das figuras mais
antigas da literatura, e a linguagem do bufão, determinada pela sua específica
posição social (os privilégios do bufão), é uma das formas mais antigas do
discurso humano na arte. No romance, as funções estilísticas do bufão, como as
funções do trapaceiro e do bobo, são inteiramente definidas pela relação com o
plurilingüismo (com as suas camadas superiores) [...]” (p. 196).
“Assim, o embuste alegre do
trapaceiro que parodia as linguagens nobres, sua deturpação maldosa, o ato de
colocá-las do avesso, que o bufão realiza, e, enfim, a sua incompreensão
ingênua, são as três categorias dialógicas que organizam o plurilingüismo no
romance [...]. O trapaceiro, o bufão e o bobo são os heróis de uma série
infindável de episódios-aventuras e de oposições dialógicas” (p. 196).
“A unidade do homem e a unidade
dos seus atos (ações) [...]” (p. 198).
“O herói do romance picaresco se
opõe ao herói do romance de provações e tentações, não crê em nada e trai tudo;
mas com isso ele crê em si, na sua orientação antipatética e cética” (p. 199).
“Os gêneros extraliterários (por
exemplo, os da vida corrente) [...]” (p. 201).
“[...] no romance, devem ser
representadas todas as vozes sócio-ideológicas da época, ou seja, todas as
linguagens, qualquer seja a sua importância; o romance deve ser o microcosmo do
plurilingüismo” (p. 201).
“Toda linguagem só se revela em
sua originalidade quando é correlacionada a todas as outras línguas integradas
numa mesma unidade contraditória do devir social. No romance, toda linguagem é
um ponto de vista, uma perspectiva sócio-ideológica dos grupos reais e dos seus
representantes personificados. [...]. O romance não é construído nem sobre as
divergências abstratamente semânticas nem sobre as colisões puramente
temáticas, mas sobre um plurilingüismo social concreto” (p. 201, 202).
“Todas as variantes, mesmo
insignificantes, do romance dos séculos XIX e XX adquirem um caráter misto
[...]” (p. 204)
“[...] centralização
ideológico-vocabular da Idade Média” (p. 204).
“[...] discursos de outrem, que
absolutamente não estão entre aspas e que pertencem formalmente à fala do
autor, mas nitidamente afastados dos lábios do autor por uma entonação
restritiva irônica, paródica, polêmica, ou outra [...]” (p. 205).
“[...] dois processos de
transformação, à qual submete-se todo fenômeno linguístico: o processo de canonização e o processo de reacentuação” (p. 207).
“Certos tipos e variante do
discurso bivocal perdem muito facilmente, para a percepção, a sua segunda voz e
se fundem com a fala direta univocal” (p. 208).
“[...] reacentuação
sócio-ideológica [...]” (p. 209).
“[...] o problema do discurso
bivocal [...]” (p. 210).
“À interligação fundamental das
relações temporais e espaciais, artisticamente assimiladas em literatura,
chamaremos cronotopo (que significa
‘tempo-espaço’). Esse termo é empregado nas ciências matemáticas e foi
introduzido e fundamentado com base na teroria da relatividade (Eisntein).
[...] indissolubilidade de espaço e de tempo (tempo como a quarta dimensão do
espaço). Entendemos cronotopo como uma categoria conteudístico-formal da
literatura (aqui não relacionamos o cronotopo com outras esferas da cultura)”
(p. 211).
“O cronotopo como categoria
conteudístico-formal determina (em medida significativa) também a imagem do
indivíduo na literatura; essa imagem sempre é fundamentalmente cronotópica” (p.
212).
“Na sua ‘Estética Transcendental’
(uma das partes básicas da Crítica da
Razão Pura) Kant define o espaço e o tempo como formas indispensáveis de
qualquer conhecimento. [...] mas nós as compreendemos, diferentemente de Kant,
não como ‘transcendentais’, mas como formas da própria realidade efetiva
[...]”.
“Já na Antiguidade foram criados
três tipos fundamentais de unidade de romance [...] três cronotopos do romance”
(p. 213).
“Chamaremos por convenção o
primeiro tipo de romance clássico [...] romance ‘grego’ ou ‘sofista’ que se
desenvolveu durante os séculos II-VI da nossa era” (p. 213).
“[...] romance grego tende pela
sua composição ao conhecido enciclopedismo [...]” (p. 215).
“[...] hiato extratemporal [...]”
(p. 216).
“[...] o tempo de aventuras dos
romances gregos está isento de qualquer aspecto cíclico da natureza e dos
costumes, o que implicaria uma ordem temporal e medidas humanas para esse tempo
[...]” (p. 217).
“[...] os romances gregos não são
longos. No século XVII o volume dos romances de estrutura análoga aumentou de
dez a quinze vezes” (p. 220). VIDE A SAGA CREPÚSCULO E HARRY POTTER NESTE
SÉCULO XXI.
“[...] romance histórico barroco
infiltrou-se no romance histórico de Walter Scott através do elo intermediário
do ‘romance gótico’ [...]” (p. 221).
“A unidade indissolúvel (mas não
a fusão) das definições temporais e espaciais traz ao cronotopo do encontro
caráter elementar, preciso, formal e quase matemático” (p. 222).
“O motivo do encontro é um dos
mais universais não só na literatura (é difícil deparar com uma obra onde esse
motivo absolutamente não exista), mas em outros campos da cultura, e também em
diferentes esferas da vida e dos costumes da sociedade. No campo científico e
técnico, onde impera o pensamento puramente conceitual, não se encontram os
motivos como tais, mas sim o conceito de contato, que é seu equivalente (até
certo ponto). Na esfera mitológica e religiosa, o motivo do encontro
desempenha, naturalmente, um dos principais papéis: na tradição sacra, nas
Escrituras Sagradas (tanto na cristã, por exemplo, nos Evangelhos, como na
budista) e nos rituais religiosos; na esfera religiosa o motivo do encontro
liga-se a outros motivos, por exemplo: ao motivo da vinda (Epifania). Em
algumas correntes da filosofia que não possuem caráter estritamente científico,
o motivo do encontro adquire também significado determinado (por exemplo, em
Schelling, Max Scheler, e sobretudo em Martin Buber)” (p. 223).
“[...] motivo cronotópico do
encontro” (p. 224).
“Assim, o cronotopo de aventuras
caracteriza-se pela ligação técnica e
abstrata do espaço e do tempo, pela reversibilidade dos momentos da série
temporal e pela sua possibilidade de transferência no espaço” (p. 225).
“Os motivos amorosos [...] na
poesia alexandrina foram elaborados principalmente num cronotopo idilíco-pastoril.
É um cronotopo reduzido, muito concreto e condensamente lírico-épico, que
desempenhou papel considerável na literatura mundial. Aqui o tempo idílico é
especificamente ciclado (mas não puramente cíclico), é a combinação do tempo da
natureza (cíclico) com o tempo familiar da vida pastoril (em particular e num
plano mais amplo, da vida agrícola)” (p. 227).
“[...] motivos composicionais e
temáticos do romance grego [...]” (p. 229).
“O romance grego é uma variante
de gênero muito flexível e que tem enorme força vital. É particularmente viva
na história do romance a idéia da provação como organizadora da composição. Nós
a encontramos nos romances de cavalaria tanto da baixa como principalmente da
alta Idade Média” (p. 230, 231).
“A privatividade e o
isolacionismo são traços essenciais da imagem do homem no romance grego [...]”
(p. 231).
“Nos grandes gêneros, a vida
privada do homem isolado reveste-se de formas público-retóricas, formalistas e
público-estatais, exteriores não adequadar (sic)
e por isso condicionais” (p. 233).
“[...] como um homem se transforma em outro” (p. 237).
“[...] o poder do acaso [...]”
(p. 239).
Castigo, culpa e “responsabilidade do homem” (p. 241).
“O deslocamento do homem no
espaço, sua vida errante, perdem, aqui, aquele caráter técnico-abstrato da
combinação das definições espaciais (proximidade-distância, coincidência-não
coincidência) que nós observamos no romance grego. O espaço torna-se concreto e
satura-se de um tempo mais substancial. O espaço é preenchido pelo sentido real
da vida e entra numa relação essencial com o herói e com o seu destino. Esse
cronotopo é tão saturado que, nele, elementos como o encontro, a separação, o
conflito e outros, adquirem um sentido cronotópico novo e muito mais concreto”
(p. 242).
“Pois o mais antigo núcleo
folclórico da metamorfose [...] é a morte, a descida ao inferno e a
ressureição” (p. 243). O INFERNO DE DANTE E O PERSONAGEM SPAWN.
“O cotidiano é a mais baixa
esfera da existência, da qual o herói anseia se libertar e com a qual ele nunca
se une intimamente” (p. 243). FENÔMENO DAS TELENOVELAS.
“O crime é aquele momento da vida privada onde ela se torna, por assim
dizer, pública a contragosto” (p. 244).
“A literatura da vida privada
[...]. É possível revelá-la e torna-la pública num processo criminal, ou
introduzir no romance o processo criminal [...]” (p. 244).
“As diferentes formas e variantes
do romance utilizarão variadamente diferentes categorias jurídico-criminais.
Basta citar [...] os romances de Dostoiévski [...]” (p. 245). VIDE AGATHA, A.
CONAN DOYLE.
“No romance de aventuras e de
costumes de tipo complexo e impuro, a figura do servidor é posta em segundo
plano, mas o seu significado se mantém totalmente. [...] O criado é a
personificação particular de um ponto de vista acerca do mundo da vida privada
que a literatura dessa mesma vida não podia evitar.
Ocupa lugar análogo (pelas
funções) ao do servidor no romance, a prostituta
e a cortesã [...]. A alcoviteira tem
o mesmo significado no romance, mas na qualidade de personagem secundária
[...]” (p. 246). VIDE O PADRE AMARO.
“A posição do aventureiro e do parvenu, que ainda não ocupam lugar
definido e seguro na vida, mas que procuram ter sucesso na vida privada [...]”
“O tempo da vida cotidiana [...]”
(p. 248)
“[...] a atitude dos heróis em
relação aos usos e costumes da vida diária [...]” (p. 249).
“O cronotopo real é a praça
pública (a ágora) (p. 251)
“Na literatura, o homem grego (já
em Homero) é apresentado como extremamente impulsivo” (p. 253).
“Para o grego da época clássica,
toda existência era visível e audível. [...]. Platão, por exemplo,
compreendia a reflexão como uma conversa do homem consigo mesmo [...]” (p.
253).
“[...] na literatura mundial, a
tentativa mais notável de uma nova e total exteriorização do homem, e mesmo sem
a estilização da imagem antiga, foi feita por Rabelais” (p. 255).
“Daí o caráter específico
específico, normativo e pedagógico dessa primeira autobiografia” (p. 255).
“A família romana (patrícia) não
é uma família burguesa, símbolo de tudo o que é privado e íntimo” (p. 256).
“Outra particularidade específica
da autobiografia (e da biografia) romana, é o papel dos prodigia, ou seja, toda espécie de presságios e suas
interpretações” (p. 256).
“[...] formas biográficas
aperfeiçoadas da época romano-helênica” (p. 258).
“A realidade histórica é a arena
para a revelação e o desenvolvimento dos caracteres humanos, nada mais” (p.
259).
“[...] representação
satírico-irônica ou humorística, de si ou da própria vida, em sátiras e
diatribes” (p. 260).
“[...] a natureza como horizonte
(objeto de visão) e ambiente (fundo, cenário) do homem totalmente privado,
solitário e passivo. Essa natureza é nitidamente diferente da natureza dos
idílios pastorais ou das Geórgicas, sem falar da natureza do epos e da
tragédia. No mundo restrito do homem privado, a natureza penetra por fragmentos
pitorescos [...]” (p. 261).
“[...] nova forma de relação
consigo mesmo” (p. 262).
“Por outro lado, o romance antigo
contém frágeis embriões de novas formas de plenitude de tempo, que possuem
ligação com a descoberta das contradições sociais” (p. 263).
“O futuro não é análogo ao
presente e ao passado, e por mais longo que ele possa ser, permanece sem
conteúdo concreto, é vazio e rarefeito, pois tudo o que é positivo, ideal,
necessário e desejado, refere-se ao passado ou parcialmente ao presente por
meio da inversão, já que por esse meio tudo se torna mais ponderável, real e
convincente” (p. 264).
“[...] é indiferente se o fim é
considerado como uma catástrofe, uma simples destruição, um novo caos, como o
crepúsculo dos deuses ou o advento do reino de Deus, o que importa apenas é que
o fim seja esperado por tudo o que existe, e além disso, que seja um fim
relativamente próximo. A escatologia sempre percebe esse fim de modo que o
segmento do futuro que o separa do presente desvaloriza-se, perde o significado
e o interesse: é o prolongamento inútil de uma duração indeterminada do
presente” (p. 265).
“Esse crescimento espaço-temporal
do homem nas formas da realidade local (material) se manifesta no folclore não
só sob as formas de crescimento e de força mencionadas por nós, mas também sob
formas muito variadas e sutis” (p. 266). JESUS CRESCIA EM ESPÍRITO E EM
VERDADE.
“[...] o realismo folclórico é
uma fonte inesgotável de realismo para toda a literatura livresca, inclusive o
romance. Essa fonte de realismo teve significado especial na Idade Média e, em
particular, na época do Renascimento [...] na análise da obra de Rabelais” (p.
267).
“O romance de cavalaria funciona
basicamente segundo o tempo de aventuras de tipo grego [...]. O tempo divide-se
numa série de fragmentos-aventuras, no interior dos quais ele se organiza
abstrata e tecnicamente [...]” (p. 268).
“O herói dos romances gregos
procura restabelecer a norma, unir novamente os nós desfeitos do curso normal
da vida, sair do jogo do acaso e retornar à vida comum, cotidiana [...]. O
herói do romance de cavalaria lança-se às aventuras como se estivesse em seu
elemento natural, para ele o mundo existe apenas sob o signo do maravilhoso ‘de
repente’ [...]” (p. 269).
“[...] os heróis do romance de
cavalaria são individuais e ao mesmo
tempo representativos” (p. 269).
“Geralmente, surge no romance de
cavalaria um jogo subjetivo com o tempo,
seus prolongamentos e seus encolhimentos emocionais e líricos [...]” (p. 271).
“No final da Idade Média
apareceram obras de um tipo especial, enciclopédicas (e sintéticas) [...]” (p.
272).
“É apenas na pura simultaneidade
ou, o que é o mesmo, na atemporalidade que se pode descobrir o verdadeiro
sentido daquilo que foi, que é e que será, pois aquilo que os separava – o
tempo – é privado de realidade autêntica e de força interpretativa. Tornar
simultâneo o que é dividido em tempos diferentes e substituir todas as divisões
e ligações histórico-temporais por outras puramente semânticas, atemporais e
hierárquicas [...]” (p. 273).
“[...] o cronotopo vertical de
Dante nunca mais voltou a surgir com tamanha coerência e rigor. [...] a
tentativa mais profunda e coerente nesse gênero foi feita por Dostoiévski” (p.
274).
“Na literatura medieval das
baixas camadas sociais, destacam-se três figuras que terão grande significado
para o desenvolvimento posterior do romance europeu. Essas três figuras são: o trapaceiro, o bufão e o bobo” (p. 275)
“[...] fora desse papel, elas não
existiriam” (p. 276). SHAKESPEARE E VIDA-PALCO.
“[...] sentido indireto, figurado
de toda a imagem do homem, seu aspecto totalmente alegórico [...]” (p. 277).
“[...] denúncia de toda espécie
de convencionalismo pernicioso, falso, nas relações humanas” (278). RABELAIS,
ROCK 80, MODERNISMO.
“Nos fabliaux e nos chistes, nas
farsas, nos ciclos paródicos e satíricos realiza-se uma luta contra o fundo
feudal e as más convenções, contra a mentira que impregnou todas as relações
humanas” (p. 278).
“Basicamente, o romance picaresco
funciona segundo o cronotopo do romance de aventuras e de costumes – a estrada
pelo mundo natal” (p. 279).
“Em Dom Quixote, é característico
o cruzamento paródico do ceronotopo do ‘mundo estrangeiro maravilhoso’ dos
romances de cavalaria com a ‘grande estrada do mundo familiar’ do romance
picaresco” (p. 280).
“[...] os grandes representantes
dessa alegoria prosaica criaram para si seus termos ( dos nomes dos seus
heróis): ‘pantagruelismo’, ‘shandyismo’” (p. 281).
“A categoria
do crescimento, além do crescimento esapço-temporal, é uma das categorias
mais fundamentais do mundo rabelaisiano” (p. 283).
“A tarefa de Rabelais é limpar o
mundo espaço-temporal dos elementos que o corrompem, da visão do além, da interpretação
simbólica e hierárquica desse mundo em vertical, do contágio da antiphysis que nela penetrou. Em
Rabelais, este problema polêmico conjuga-se com outro, positivo: a recriação de
um mundo espaço-temporal adequado, um cronotopo novo para um homem novo,
harmonioso, inteiro e de novas formas para as relações humanas” (p. 283).
“A eleboração das séries é uma
particularidade específica do método literário de Rabelais. Todas as infinitas
séries podem ser enquadradas nos seguintes grupos principais: 1. Séries do
corpo humano do ponto de vista anatômico e fisiológico; 2. Séries da
indumentária; 3. Séries da nutrição; 4. Séries da bebida e da embriaguez; 5.
Séries sexuais (copulação); 6. Séries da morte; 7. Séries dos excrementos. Cada
uma destas séries possui sua lógica específica, suas dominantes. Todas estas
séries se cruzam” (p. 285).
“A exposição singular do corpo na
literatura é um elemento muito importante do romance de Rabelais” (p. 285).
“Por isso Rabelais opõe o aspecto
carnal do homem (e o mundo circundante na zona de contato com o corpo) não só à
ideologia medieval ascética do além, mas também à prática medieval licenciosa e
grosseira. Ele quer devolver ao corpo a palavra e ao sentido a sua realidade e
materialidade.
O corpo humano é representado por
Rabelais sob vários aspectos. Primeiramente, sob um aspecto científico e
anatômico-fisiológico, depois de forma cínica e bufa, em seguida numa analogia
fantástica e grotesca (homem-microcosmo), finalmente, sob um aspecto
propriamente folclórico” (p. 285, 286).
“[...] na base dessa lógica
rabelaisiana grotesca, encontra-se a lógica do realismo fantástico e
folclórico” (p. 289).
“A par dessa utilização
anatômico-filosófica e grotesca do corpo a fim de corporificar o mundo inteiro,
Rabelais, médico humanista e pedagogo, se ocupa de uma propaganda aberta da
cultura do corpo e do seu desenvolvimento harmonioso” (p. 291).
“Os próprios nomes dos principais
heróis de Rabelais são etimologicamente compreendidos na série da bebida [...].
Para Rabelais o nome ‘Pantagruel’ etimologicamente significa ‘sedento de tudo’”
(p. 292).
“Em Rabelais, a série da comida e
da bebida (como também a série corporal) é minuciosa e hiperbolizada” (p. 294).
“Devido à inevitável falsidade de
uma concepção de mundo ascética, a glutonaria e a bebedeira proliferam
exatamente nos mosteiros. O monge de Rabelais é um glutão e um bêbado por
excelência [...]. (p. 298, 299).
“Os festins pantagruélicos ocupam
um lugar todo especial no romance de Rabelais. O ‘pantagruelismo’ é a arte de ser
alegre, sábio e bom. Por isso, o saber festejar de forma alegre e sábia
constitui a própria essência do pantagruelismo” (p. 299).
“É também reconstruída a imagem
tradicional do homem na literatura, o que ocorre às custas das esferas não
oficiais e das esferas extraverbais da sua vida. [...] Rabelais heroifica todas
as funções da vida corporal – a comida, a bebida, os excrementos, a esfera
sexual. Já a própria hiperbolização de todos esses atos contribui para a sua
heroificação” (p. 305).
“Destruindo o quadro hierárquico
do mundo e construindo um novo no seu lugar, Rabelais deveria reconsiderar
também a morte, coloca-la no seu lugar no mundo real e, antes de tudo,
mostrá-la como um elemento indispensável da própria vida, mostrá-la na série
temporal da vida que engloba tudo, que caminha para a frente [...]” (p. 306).
DERRIDÁ E OS BINARISMOS.
“A imagem anatômico-fisiológica
da morte está inserida no quadro dinâmico da luta dos corpos humanos e
finalmente é apresentada em vizinhança direta com a comida [...]” (p. 306).
“[...] temas rabelaisianos do pai
do simbolismo e do decadentismo – Baudelaire. [...]. Aqui a morte, como em
todos os românticos e simbolistas, deixa de ser um elemento da própria vida e
torna-se novamente um fenômeno limítrofe entre a vida local e uma outra vida
possível” (p. 311).
“[...] tons rabelaisianos em
Rimbaud, Jena Richepin, Jules Laforgue e outros” (p. 312).
“O problema do aprimoramento
pessoal e individual e da transformação do homem, o problema do aperfeiçoamento
(e evolução) do gênero humano, o problema da imortalidade terrestre, da
educação da raça humana, do rejuvenescimento da cultura graças aos jovens da
nova geração; todos estes problemas se encontram estritamente relacionados.
Eles conduzem inevitavelmente a uma colocação mais profunda do problema do
tempo histórico” (p. 315).
“O problema de Rabelais é reunir
o mundo que se desagrega (como resultado da decomposição da visão do mundo
medieval) sobre uma nova base material. [...]. Precisava-se de um novo
cronotopo que permitisse ligar a vida real (a História) com a terra real. Era
preciso contrapor ao escatologismo um tempo produtivamente fértil, um tempo
medido pela construção, pelo crescimento, e não pela destruição. Os fundamentos
deste tempo construtivo apareciam delineados nas imagens e nos temas do
folclore (p. 316).
“As formas básicas do tempo
produtivo e fecundo remontam ao estágio agrícola primitivo do desenvolvimento
da sociedade humana” (p. 317).
“Na luta coletiv do trabalho
contra a natureza é que se forma essa sensação do tempo; ela nasce da prática
coletiva do trabalho; sua diferenciação e constituição servem aos objetivos
dessa prática” (p. 317).
“O tempo produtivo é prenhe dos
frutos que carrega, os frutos nascem e recomeça uma nova gestação” (p. 318).
“Na época do capitalismo
desenvolvido, a vida sócio-estatal torna-se abstrata e quase sem temas” (p.
319).
“Todas as coisas – sol, estrelas,
terra, mar, etc. – são dadas para o homem não como objetos de contemplação
individual (‘poética’) ou meditação desinteressada, mas exclusivamente no
processo coletivo do trabalho e da luta com a natureza” (p. 319). O DIREITO E A
POSSIBILIDADE DE APROVEITAR O QUE HÁ.
“[...] concepção ideológica de
uma sociedade de classes” (p. 320).
“À medida que o corpo social se
divide em classes, o complexo sofre importante modificações, e os motivos e
temas correspondentes passam por reinterpretações. O culto separa-se da
produção agrícola; a esfera do consumo isola-se e, até um certo grau, se
individualiza. Os membros do complexo sofrem uma desintegração e uma
transformação internas. Tais membros da vizinhança, como a comida, a bebida, o
ato sexual, a morte, recuam para a vida quotidiana,
que já se individualiza” (p. 321).
“[...] à medida que a sociedade
de classes se desenvolve e a diferenciação entre as esferas ideológicas se
torna maior [...]” (p. 322).
“[...] os tons e as formas
estilísticas dos diferentes aspectos e dos vários elementos do complexo” (p.
323).
“[...] numa concepção abstrata e
em sistemas concretos de cronologia (quaisquer que eles sejam), o tempo sempre
mantém sua unidade abstrata. [...]. A própria sociedade se divide em grupos de
classes e de subclasses” (p. 324).
“O motivo da morte sofre uma
profunda transformação na série temporal fechada da vida individual. Ela
adquire aqui o sentido de um fim absoluto. [...]. Rompe-se a ligação da morte
com a fecundidade” (p. 325).
“[...] verdadeira lógica do
encadeamento inicial das imagens e dos motivos” (p. 326).
“Na obra de Rabelais, a
influência direta de Aristófanes se associa a uma profunda afinidade interna
(no sentido do folclore primitivo)” (p. 328).
“A influência de Luciano sobre
Rabelais se manifesta não só na elaboração de certos episódios [...], mas
também nos métodos da destruição paródica das esferas ideológicas elevadas,
inserindo-as nas séries da vida material” (p. 329).
“Concluindo nossa análise dos
fundamentos folclóricos do cronotopo rabelaisiano, resta notar que a fonte mais
próxima e direta de Rabelais foi a cultura cômica e popular da Idade Média e do
Renascimento [...]” (p. 332).
No idílio [...] a adesão orgânica
e a ligação da vida e dos seus acontecimentos a um lugar [...]” (p. 333).
“Outra particularidade do idílio
é a sua estrita limitação às poucas realidades básicas da vida” (p. 334).
“Finalmente a terceira
particularidade do idílio, estreitamente ligada à primeira, é a fusão da vida
humana com a vida da natureza, a unidade de seu ritmo, a linguagem comum para
evocar os fenômenos e os acontecimentos respectivos” (p. 334).
“O idílio familiar em sua forma
pura quase não é encontrado, mas, unido ao idílio dos trabalhos agrícolas, tem
um grande significado” (p. 335).
“O significado do idílio para o
desenvolvimento do romance [...] foi imenso” (p. 336).
“No romance regionalista, como no
idílio, todos os limites temporais estão abrandados e o ritmo da vida humana
concorda com o ritmo da natureza. [...]. Os personagens do romance
regionalista, tais quais os do idílio, são os camponeses, os artesãos, os
pastores e os professores rurais” (p. 337).
“[...] grau de evolução da
consciência da sociedade contemporânea [...]” (p. 337).
“[...] no idílio não há nenhum
personagem antinômico ao mundo idílico” (p. 338).
“[...] sublimação filosófica
(rousseniana) [...]” (p. 340).
“Segundo a definição de Hegel, o
romance deve educar o homem para a vida numa sociedade burguesa” (p. 341).
“[...] linha idílica rabelaisiana
[...]” (p. 341).
“[...] no mundo de Rabelais, o riso tem um significado decisivo [...]”
(p. 342).
“A língua, na sua totalidade,
pode ser empregada num sentido impessoal. Em todos esses casos, o próprio ponto de vista incluído na fala, a
modalidade da língua e a sua própria
relação com o objeto e com o falante são submetidos à reinterpretação” (p.
343).
“Essa ligação com as principais
realidades da vida, de um lado, e a mais radical destruição dos falsos
invólucros ideológico—verbais, que distorceram e dissociaram essas realidades,
de outro, distinguem muito nitidamente o riso rabelaisiano do riso de outros
representantes do grotesco, do humor, da sátira, da ironia” (p. 343).
“[...] fontes multiformes de
Rabelais [...] submetidas à unidade de uma terefa ideológico-literária
absolutamente nova” (p. 344).
“[...] em Rabelais não há
absolutamente o aspecto interior da vida individual. Em Rabelais, o homem está
todo do lado de fora. [...]. não há mundo interior no romance de Rabelais” (p.
345).
“Essas realidades são purificadas
pelo riso, retiradas de todos os contextos elevados que as separam e lhes
distorcem a natureza, e são levadas para o contexto real de uma vida humana
livre. Figuram no mundo das possibilidades humanas livremente realizadas. Essas
possibilidades são ilimitadas. Nisso está a principal singularidade de
Rabelais. Para ele todas as limitações históricas são como que aniquiladas, totalmente
tomadas pelo riso. [...] o mundo de Rabelais está diametralmente oposto à
localização circunscrita do microcosmo idílico. [...] imagens das
possibilidades ilimitadas do homem” (p. 346).
“O grande homem rabelaisiano é o
mais alto nível do homem” (p. 347).
“O mundo espaço-temporal de
Rabelais é um cosmo novamente descoberto na época do Renascimento e,
principalmente, o mundo geograficamente preciso da cultura e da história” (p.
347).
“Rabelais, no seu romance, como
que nos revela o cronotopo ilimitado e universal da existência humana. E isso
estava em total hamonia com a época das grandes descobertas geográficas e
cosmológicas que se aproximava” (p. 348).
“A arte e a literatura estã
oimpregnadas por valores cronotópicos
de diversos graus e dimensões” (p. 349).
“As séries espaciais e temporais
dos destinos e das vidas dos homens se combinam de modo peculiar,
complicando-se e concretizando-se pelas distâncias
sociais, que não superadas” (p. 350).
“Na Inglaterra do fim do século
XVIII, formou-se e fortaleceu-se no assim chamado romance ‘gótico’ ou ‘negro’,
um novo território para a realização dos acontecimentos romanescos: o ‘castelo’
[...]” (p. 351).
“A historicidade do tempo do
castelo lhe permitiu exercer um papel assaz importante na evolução do romance
histórico” (p. 352).
“[...] entrelaçamento do que é
histórico, social e público com o que é particular [...]” (p. 352).
“À diferença de Dostoiévski, na
obra de L. N. Tolstói o cronotopo básico é o tempo biográfico que flui nos
espaços interiores das casas e das mansões dos nobres” (p. 354).
“[...] o cronotopo, como
materialização privilegiada do tempo no espaço, é o centro da concretização
figurativa, da encarnação do romance inteiro” (p. 356).
“Os cronotopos podem se
incorporar um ao outro, coexistir, se entrelaçar, permutar, confrontar-se, se
opor ou se encontrar nas inter-relações mais complexas” (p. 357).
“O material da obra, porém, não é
inerte, é falante, significativo (ou sígnico), nós não o vemos nem tocamos, mas
sempre ouvimos a sua voz (mesmo numa leitura silenciosa e de si para si). É-nos
dado um texto que ocupa um lugar definido no espaço, ou seja, localizado; mas a
sua criação, as informações que se tem dele fluem no tempo. O texto como tal
não é inerte. Se partirmos de qualquer texto, passando às vezes por uma longa
série de elos intermediários, no final das contas sempre chegaremos à voz
humana, por assim dizer, a apoiamos no homem [...]” (p. 357).
“Dos cronotopos reais desse mundo
representado, originam-se os cronotopos refletidos e criados do mundo representado na obra (no texto).” (p. 358).
“Apesar de toda separabilidade
dos mundos representado e representante, apesar da irrevogável presença da
fronteira rigorosa que os separa, eles estão indissoluvelmente ligados um ao
outro e se encontram em constante interação: entre eles ocorre uma constante
troca, semelhante ao metabolismo que ocorre entre um organismo vivo e o seu
meio ambiente: enquanto o organismo é vivo, ele não se funde com esse meio, mas
se for arrancado, morrerá. A obra e o mundo nela representado penetram no mundo
real enriquecendo-o, e o mundo real penetra na obra e no mundo representado,
tanto no processo da sua criação como no processo subsequente da vida, numa
constante renovação da obra e numa percepção criativa dos ouvintes-leitores.
Esse processo de troca é sem dúvida cronotópico [...]” (p. 358).
“O autor-criador move-se
livremente no seu tempo [...]” (p. 359).
“A relação do autor com as
diferentes manifestações literárias e culturais assume um caráter dialógico,
análogo às inter-relações entre os cronotopos do interior da obra [...]. Mas
estas relações dialógicas entram numa esfera semântica particular que extrapola os quadros da nossa análise
puramente cronotópica” (p. 360).
“[...] toda imagem é sempre algo
criado, não criador” (p. 361).
“[...] o estudo das relações
espaciais e temporais nas obras de literatura só teve início há muito pouco
tempo [...] não houve a abordagem cronotópica devida” (p. 362).
“[...] cinco tipos de abordagens
para o discurso romanesco” (p. 364).
“[...] sentido de uma entonação
paródico-irônica” (p. 366).
“Do mesmo modo que uma pessoa não
coincide totalmente com a sua situação
real, também o mundo não coincide totalmente com o discurso sobre ele; qualquer
estilo existente é limitado, só se pode usá-lo com reservas” (p. 367).
“[...] aspectos
paródico-estilizados ou paródico-polêmicos [...]” (p. 368).
“[...] composição
extra-estilística [...]” (p. 369).
“Mas o romance é um gênero
relativamente tardio. Entretanto, a palavra indireta, isto é, a palavra do
outro que é representada, a linguagem de outrem colocada entre aspas de
entonação, remonta a tempos bastante antigos; nós a achamos já nos estágios
iniciais da cultura verbal” (p. 371).
“Na pré-história da palavra
romanesca pode-se observar a ação de numerosos fatores, muito frequentemente,
bastante heterogêneos. Do nosso ponto de vista, dois fatores foram os
fundamentais: um deles – o riso, o outro – o plurilingüismo. O riso organizou as mais antigas formas de
representação da linguagem, que inicialmente não eram senão qualquer coisa como
o escárnio da linguagem e do discurso
de outrem. O plurilingüismo e, ligado a ele, o esclarecimento recíproco das
linguagens elevaram estas formas para um nível artístico-ideológico novo,
sobre o qual o gênero romanesco se tornou possível” (p. 371, 372).
“Uma das mais antigas e mais
difundidas formas de representação do discurso direto de outrem é a paródia” (p. 372).
“As considerações gerais sobre a
criação verbal paródico-travestizante constituíram uma base de estudo das
formas mais tardias de paródia literária [...]” (p. 373).
O peso específico das formas
paródico-travestizantes é extremamente grande na criação verbal do mundo (p.
373).
“O Hércules cômico é uma das mais
profundas formas populares de um heroísmo simples e alegre, que teve grande
influência em toda literatura mundial” (p. 374).
“A criação paródico-travestizante
introduz um corretivo constante de riso e de crítica na seriedade exclusiva do
discurso direto elevado, corretivo da realidade, que é sempre mais rica, mais
substancial, e principalmente, mais
contraditória e multilíngue do que pode conter o gênero direto elevado” (p.
375).
“O riso demonstrou-se tão
profundamente produtivo e imorredouro na criação romana quanto o direito
romano. Este riso teve que penetrar através da massa espessa e escura da
seriedade medieval para fecundar as maiores obras da literatura renascentista”
(p. 376).
“Eis porque a literatura romana,
em particular a que era inferior, popular, produziu imensa quantidade de formas
de travestimento paródico [...]. A cultura europeia aprendeu com os romanos a
rir e a ridicularizar” (p. 377).
“As formas paródicas e
travestizantes prepararam o romance de várias maneiras importantes e
determinantes” (p. 378).
“Somente o plurilingüismo liberta
por completo a consciência do domínio da sua própria linguagem e do seu mito
linguístico. As formas paródico-travestizantes florescem nas condições de um
plurilingüismo e somente com isso elas são capazes de ascender a uma altura
ideológica inteiramente nova” (p. 379).
“A língua literária latina, em
todas as suas variedades de gêneros, originou-se à luz da língua literária
grega” (p. 379).
“Para a consciência que cria a
obra literária, sobre um fundo que é esclarecido pela linguagem de outrem, não
é, certamente, o sistema fonético da sua linguagem que se destaca, nem as suas
particularidades morfológicas, nem o seu léxico abstrato, mas justamente aquilo
que faz da linguagem uma concepção de mundo concreta e totalmente intraduzível:
o estilo da linguagem enquanto entidade”
(p. 380).
“A baixa Itália foi o berço da
cultura específica das formas literárias mistas e híbridas” (p. 381).
“[...] já no seu período
clássico, os gregos dispunham de um mundo riquíssimo de formas paródicas e
travestizantes” (p. 383).
“A ciência contemporânea acumulou
uma quantidade de fatos que testemunham o intenso conflito inter e
extralinguístico que precedeu o estado relativamente estável da língua grega”
(p. 383).
“No período histórico da existência
dos helenos, estável e unilíngue do ponto de vista da linguagem, todas as suas
afabulações, todo o seu material objetal e temático [...] nascia no seio da sua
língua materna. [...] Do seio deste unilingüismo seguro e incontestável
nasceram os grandes gêneros diretos dos helenos – o epos, a lírica e a
tragédia, que expressavam as tendências centralizadoras da sua língua” (p.
383).
“A prosa literária francesa foi
criada por Calvino e Rabelais, mas mesmo a linguagem de Calvino, linguagem das
camadas médias da população (vendedores e artesãos), era uma redução
intencional e consciente, quase um travestimento da linguagem sagrada da
Bíblia” (p. 387).
“[...] liberdade legalizada e
reconhecida da parodização” (p. 387).
“É grande o número de orações e
hinos paródicos, latinos ou mistos, dos codex
manuscritos medievais. [...]. São extremamente variados os processos
estilísticos desta parodização, travestimento, reinterpretação e reacentuação”
(p. 389).
“Por isso, a paródia é na
realidade um fenômeno bilíngue [...]” (p. 389).
“[...] a paródia é parcial, a sua
parcialidade é ditada pelas particularidades da linguagem paródica, pelo
sistema de pronúncia, por sua estrutura [...]” (p. 390).
“A paródia é um híbrido
premeditado, mas é um híbrido habitualmente interlingüístico, que se nutre por
conta da estratificação da linguagem literária em linguagens de orientação e de
gênero.
Todo híbrido estilístico
intencional é, em certa medida, dialogizado. Isto significa que as linguagens,
que nele se cruzam, estão relacionadas umas com as outras, como réplicas de um
diálogo [...] não se trata de um diálogo do sujeito, nem de uma abstração
semântica e sim do diálogo entre dois pontos de vista linguísticos que não
podem se traduzir reciprocamente” (p. 390).
“A palavra [...] é reacentuada e
reinterpretada [...] constitui-se numa imagem cômica, numa máscara cômica e
carnavalesca [...]” (p. 391)
“A Palavra Sagrada latina é um
corpo heterogêneo que invadiu o organismo das línguas europeias. [...]. A
rejeição da Palavra Sagrada heterogênea tinha um caráter dialogizante e
produziu-se atrás do riso das festas e das recreações” (p. 391).
“Ao lado da paródia latina
existia, como já dissemos, uma paródia mista. Esta já era um híbrido
premeditado plenamente evoluído, dialogizado e bilíngue (às vezes trilíngue)”
(p. 392).
“O aclaramento mútuo das línguas
no processo de liquidação do bilinguismo alcançou seu ponto culminante na
Renascença” (p. 393).
“A poesia macarrônica é, do mesmo
modo, uma complexa sátira linguística [...]” (p. 394).
“O riso e o multilingüismo
preparam o discurso romanesco dos tempos modernos” (p. 395).
“[...] estratos familiares da
linguagem popular [...]” (p. 396).
“A ossatura do romance enquanto
gênero ainda está longe de ser consolidada, e não podemos ainda prever todas as
suas possibilidades plásticas” (p. 397).
“O estudo dos outros gêneros é
análogo ao estudo das línguas mortas; o do romance é como o estudo das línguas
vivas, principalmente as jovens. [...]. O romance não é simplesmente mais um
gênero ao lado dos outros. Trata-se do único gênero que ainda está evoluindo no
meio de gêneros já há muito formados e parcialmente mortos” (p. 397, 398).
“O romance parodia os outros
gêneros (justamente como gêneros), revela o convencionalismo das suas formas e
da linguagem, elimina alguns gêneros, e integra outros à sua construção
particular, reinterpretando-os e dando-lhes um outro tom” (p. 399).
“As estilizações dos gêneros
diretos e dos estilos ocupam lugar essencial no romance” (p. 399).
“Em toda história do romance
desenrola-se uma parodização sistemática ou um travestimento das principais
variantes de gênero, predominantes ou em voga naquela época, e que tendem a se
banalizar” (p. 400).
“O romance é o único gênero em
evolução [...] Somente o que evolui pode compreender a evolução. [...] O
romance antecipou muito, e ainda antecipa, a futura evolução de toda
literatura” (p. 400).
“[...] o romance é um gênero que
implica um enredo surpreendente e dinâmico [...] o romance é um gênero
prosaico, mas existem excelentes romances em verso” (p. 402).
“A tridimensal estilística do
romance ligada à consciência plurilíngue que se realiza nele [...]” (p. 403).
“A pluriformidade das línguas,
das culturas e das épocas, revelou-se à sociedade europeia e se tornou um fator
determinante de sua vida e de seu pensamento” (p. 404).
“[...] o romance se formou e se
desenvolveu precisamente nas condições de uma ativação aguçada do
plurilingüismo exterior e interior” (p. 405).
“A referência e a participação do
mundo representado no passado é o traço constitutivo formal do gênero épico.
[...] orientação de uma pessoa que fala sobre o passado inacessível, a
disposição devota de um descendente. O discurso épico, por seu estilo, tom e
caráter imagético, está infinitamente longe do discurso de um contemporâneo
[...]” (p. 405).
“O passado épico absoluto é a
única fonte de tudo que é bom para os tempos futuros. Assim afirma a forma da
epopeia” (p. 407).
“A conclusão absoluta e o seu
caráter acabado – eis os traços essenciais do passado épico, axiológico e
temporal” (p. 408).
“A lenda também conserva a sua
importância nos gêneros nobres e acabados [...]” (p. 410).
“Já o romance está ligado aos
elementos eternamente vivos da palavra e do pensamento não oficiais (a forma
festiva, o discurso familiar, a profanação)” (p. 411).
“É justamente aqui – no cômico
popular – que é necessário procurar as autênticas raízes folclóricas do
romance” (p. 412).
“O riso destrói o temo e a
veneração para com o objeto e com o mundo, coloca-o em contato familiar [...]”
(p. 414).
“A sátira menipéia é dialógica,
cheia de paródias e de travestizações, dotada de numerosos estilos, e que não
teme nem mesmo os elementos do bilinguismo [...]” (p. 416).
“Mas a contemporaneidade como
novo ponto de partida da orientação literária não exclui absolutamente a
representação do passado heroico, ainda por cima sem qualquer travestização”
(p. 418).
“A profecia é própria da epopeia,
a predição é própria do romance” (p. 420).
“As singularidades da zona
romanesca [...]” (p. 421).
“[...] o romance e os seus
gêneros precursores apoiavam-se em diversas formas extraliterárias da vida
pública e privada, sobretudo retóricas” (p. 422).
“[...] o homem épico é deprovido
de qualquer iniciativa ideológica (assim como as personagens e o autor) [...].
O homem épico está igualmente desprovido de iniciativa linguística [...]” (p.
423).
“O cômico destruiu a distância
épica e pôs-se a explorar o homem com liberdade e de maneira familiar, a
virá-lo do avesso [...]” (p. 424).
“O homem não se encarna
totalmente na substância sócio-histórica do seu tempo” (p. 425).
“O personagem de romance, como
regra, é um ideólogo em maior ou menor grau” (p. 426).
“O romance se formou precisamente
no processo de destruição da distância épica, no processo da familiarização
cômica do mundo e do homem [...]” (p. 427).
“[...] em certas cenas da
Antigüidade, o presente inacabado começava a se sentir mais perto do futuro do
que do passado” (p. 428).
“Rabelais é o herdeiro e o
realizador de um riso popular milenar. Sua obra é a chave insubstituível para
toda a cultura cômica europeia nas suas manifestações mais vigorosas, profundas
e originais” (p. 429).
“[...] influência direta ou
indireta de Rabelais sobre Gógol [...]” (p. 429).
“[...] realismo grotesco [...]”
(p. 431).
“Na obra de Gógol encontraremos
quase todos os elementos da cultura popular e festiva” (p. 433).
“É importante que este mundo do
riso esteja constantemente aberto a novas interações [...]” (p. 438).
“O grotesco em Gógol não é, por
isso, uma simples ruptura da norma, mas a negação de todas as normas abstratas,
fixas, com pretensões ao absoluto, ao eterno” (p. 438).
“O problema do riso em Gógol só
pode ser corretamente colocado e resolvido com base no estudo da cultura cômica
popular” (p. 439).
O
que é:
“[...] diferença entre a bissemia
poética e a bivocalidade prosaica (p. 131).
“[...] diferença entre a
bivocalidade literariamente prática e a univocidade da bissemia ou polissemia
monovocal do símbolo poético. A bissemia do discurso bivocal é dialogizada
internamente, está prenhe de um diálogo e, de fatro, pode gerar diálogos de
vozes realmente divididas [...]” (p. 132).
“[...] visão apologética e
polêmica” (p. 137).
“[...] pródromos longínquos” (p.
146).
“[...] variante
hagiográfico-confessional de problemas e de aventuras [...]” (p. 168).
“[...] acontecimentos formadores
do enredo do epos [...]” (p. 223).
“[...] literatura hagiográfica
cristã [...]” (p. 234).
“[...] mistérios elêusicos” (p.
235).
“[...] processo teogônico [...]”
(p. 236) e “processo cosmogônico [...]” (p. 237).
“[...] Kukhulin durante a
hibernação dos ulados [...]” (p. 266).
“[...] versos e hemistíquios
estrangeiros” (p. 385).
“[...] teoria do romance dada
posteriormente por Hegel” (p. 402).
Ciropédia (p. 419).
.
R
U S S O
Iazík
é “traduzido respectivamente por língua ou linguagem” (p. 47).
Literaturnost
corresponde à literaturalidade (p. 176).
Rasnoriétchie
“(lit. discurso[s] diferente[s]) e sua forma abstrata rasnorietchívost’ foram traduzidos respectivamente por pluridiscurso, pluridiscursividade quando se tornou necessário frisar a diferença
com rasnoiazítchie (lit. [conjunto
de] língua[s] diferentes. De uma maneira geral porém, e é este o sentido em que
Bakhtin usa normalmente o termo, quando ele quer significar o conjunto de
linguagens que compõem o discurso do prosador-romancista” (p. 107).
Slovo
“pode ser traduzido literalmente como ‘palavra’ e contextualmente como
‘discurso’” (p. 10). Palavra e verbo, “em português, correspondem ao termo
russo slovo” (p. 45).
Tchin
traduzido como grau [hierárquico] (p. 437).
Tchujoi
“literalmente traduzido, de outrem,
também [...] traduzido, conforme a conveniência, por alheio ou estrangeiro”
(p. 85)
Zaverchênie
“foi traduzido por realização, cumprimento, acabamento, conclusão ou completação, conforme pareceu mais
apropriado na tradução” (p. 36).
.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de Literatura e de estética (a
teoria do romance). Hucitec. São Paulo, 2010. 6ª edição.Tradução de Aurora F.
Bernardini, José P. Júnior, Augusto G. Júnior. Helena S. Nazário. Homero F. de
Andrade.
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