quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Letramentos: textos fichados


Em síntese, e para encerrar este tópico, conclui-se que a invenção do letramento, entre nós, se deu por caminhos diferentes daqueles que explicam a invenção do termo em outros países, como a França e os Estados Unidos. [...] no Brasil a discussão do letramento surge sempre enraizada no conceito de alfabetização, o que tem levado, apesar da diferenciação sempre proposta na produção acadêmica, a uma inadequada e inconveniente fusão dos dois processos, com prevalência do conceito de letramento, [...]” (p. 08).

 

Para Soares (2003, p. 09), a “excessiva especificidade” do processo de alfabetização diz respeito “a autonomização das relações entre o sistema fonológico e o sistema gráfico em relação às demais aprendizagens e comportamentos na área da leitura e da escrita, ou seja, a exclusividade atribuída a apenas uma das facetas da aprendizagem da língua escrita.

 

“[...] o tradicional não se esgota no passado, é fruto de um processo permanente que não termina nunca: estamos construindo hoje o “tradicional” de amanhã, quando outros “novos” surgirão” (p. 10) [detalhes acrescidos no original].

 

“[...] a percepção que se começa a ter, de que, se as crianças estão sendo, de certa forma, letradas na escola, não estão sendo alfabetizadas, parece estar conduzindo à solução de um retorno à alfabetização como processo autônomo, independente do letramento e anterior a ele” (p. 11) [detalhes acrescidos no original].

 

Para Soares (2004, p. 12) em determinadas correntes teóricas, “o sistema grafofônico (as relações fonema–grafema) não é objeto de ensino direto e explícito, pois sua aprendizagem decorreria de forma natural da interação com a língua escrita. É essa concepção e esse princípio que fundamentam a whole language, nos Estados Unidos, e o chamado construtivismo, no Brasil” [detalhes acrescidos no original].

 

Acreditar que um processo de ensino-aprendizagem possa ocorrer primeira e/ou primordialmente de forma “incidental, implícita e assistemática” (SOARES, 2004, 14) traz complicações políticas que, se não passarem por um crivo reflexivo, podem derivar em práticas de desleixo, em inconsistências e/ou em dificuldades.

 

De acordo com Soares (2004, p. 16), embora designem processos interdependentes, indissociáveis e simultâneos, são processos de natureza fundamentalmente diferente, envolvendo conhecimentos, habilidades e competências específicos, que implicam formas de aprendizagem diferenciadas e, consequentemente [sic], procedimentos diferenciados de ensino.

 

SOARES, Magda B. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. Revista Brasileira de Educação. 2004. p. 05-17.

................................

 

Além do letramento escolar, Terra (2013, p. 32) informa que existem “outros tantos tipos de ‘letramentos’ (familiar, religioso, profissional etc.) que surgem e se desenvolvem na socie- dade, portanto, à margem da escola, não precisando por isso ser depreciados [...]”.

 

Scribner & Cole (apud Terra, 2013, p. 33) classificam letramentos como “um conjunto de práticas socialmente organizadas que fazem uso de sistemas simbólicos e tecnológicos para produzi-las e disseminá-las.”

 

“Na linha de raciocínio de Marcuschi, teríamos, portanto, dois domínios linguísticos (fala e escrita) em que se encontraria localizado o conjunto de variações de gêneros textuais, de modo que haveria gêneros de textos mais propriamente orais (prototípicos), como por exemplo, a conversa cotidiana, assim como gêneros de textos mais próprios da escrita (também prototí- picos), tal como uma tese de doutorado. Entre os polos do contínuo (fala e escrita) estaria distribuído um espectro de gêneros, obedecendo a uma gradação, que, por sua vez, tomaria como base de organização o meio de distribuição (sonoro ou gráfico) e a concepção discursiva (oral ou escrita) de acordo com uma maior ou menor aproximação de uma ou de outra modalidade (gêneros de fala e gêneros de escrita)” (p. 39).

 

“[...] com o desenvolvimento desenfreado de novas mídias e tecnologias, os textos se transformam em entidades multimodais, em que diversas modalidades de linguagem (fala, escrita, imagens – estáticas e em movimento – grafismos, gestos e movimentos corporais) se integram e dialogam entre si, construindo mutuamente os sentidos do texto e reconfigurando, consequentemente, as relações entre linguagem oral e escrita [...]” (p. 41).

 

“Para esse autor [Vygotsky], os processos psicológicos básicos (abstração, genera- lização, inferência) são universais e comuns para toda a humanidade, no entanto, a organização funcional desses processos (processos psicológicos superiores, na terminologia vygotskiana) sofre variações em consonância com a natureza do sistema de signos disponível em diferentes épocas his- tóricas e dos modos como sociedades específicas fazem usos desses recursos mediacionais.” (p. 42).

 

“Essencialmente, o modelo ideológico [de letramento], partindo de diferentes premissas que norteiam o modelo autônomo de letramento, defende que: (i) o letramento é uma prática social e não simplesmente uma habilidade técnica e neutra; (ii) os modos como os indivíduos abordam a escrita têm raízes em suas próprias concepções de aprendizagem, identidade e existência pessoal; (iii) todas as práticas de letramento(s) são aspectos não apenas da cultura mas também das estruturas de poder numa sociedade” (p. 45).

 

Heath (apud TERRA, 2013, p. 46) define evento de letramento como “qualquer situação em que um portador qualquer de escrita é parte integrante da natureza das interações entre os participantes e de seus processos de interpretação”.

 

“[...] para compreender o letramento, é importante examinar eventos particulares em que a leitura e a escrita são usadas” (p. 47).

 

Barton (apud TERRA, 2013, p. 48) define práticas de letramento como “modos culturais gerais de usar a leitura e a escrita que as pessoas produzem num evento de letramento”.

 

“Ainda que sujeito a diferentes interpretações, em sentido amplo, o termo escolarização serve para designar uma prática formal e institucional de ensino que, visando a uma educação integral do indivíduo, é realizada de maneira contínua, de certo modo linear, cuja meta envolve alcançar um produto final que é passível de ser avaliado/certificado (atesta ou nega a eficiência do processo de escolarização) e reconhecido oficialmente. O mes- mo não acontece com o letramento. Assumindo-se tal fenômeno como um conjunto de práticas sociais – que implicam o desenvolvimento de capacidades de uso de diversas práticas da escrita (em suas variadas formas) na socie- dade - claro parece estar que o processo de sua constituição jamais chega a atingir o status de um ‘produto final’, haja vista o caráter de multiplicidade e de transformações constantes que configuram os usos sociais da escrita, na contemporaneidade” (p. 50).

 

“Letrado é, portanto, o indivíduo que exerce efetivamente as práticas sociais relacionadas à escrita, ou seja, participa de forma competente de ‘eventos de letramento’ nas di- versas esferas sociais da atividade humana e não apenas aquele que faz um uso formal da escrita” (p. 50).

 

A escolarização enquanto uma prática sociocultural, não determina mas contribui para atividades de letramento.

 

“Implícito parece estar, então, que o grande desafio que se impõe ao ‘letramento escolar’ hoje é a formação de um aluno que esteja preparado para o enfrentamento da utilização de novas e incipientes práticas sociais da escrita impostas pelas complexas tecnologias das sociedades contemporâneas que demandam letramentos múltiplos (e multimodais)” (p. 52).

 

“[...] o letramento é um fenômeno situado e irremediavelmente inseparável das práticas sociais que lhe dão origem, cujos modos de funcionamento moldam as formas pelas quais os sujeitos que nelas se engajam constroem relações de identidade e de poder” (p. 53).

 

TERRA, Márcia Regina. Letramento & letramentos: uma perspectiva sócio- cultural dos usos da escrita. D.E.L.T.A., 29:1, 2013 (29-58).

Nenhum comentário:

Postar um comentário