Marcel Franco, Belém (PA) · 7/5/2009 · 159 votos · 13 |
literaturainfantil
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE POR MEIO DA LITERATURA INFANTIL¹
Marcel Franco da Silva (Letras – UEPA)
Ler é caminhar num bosque exuberante captando uma nova impressão em cada folhagem. No processo de leitura entra em atividade os sentidos do corpo para a criação do imagético, a movimentação das ideias. Mas, por que lemos? Muitos fatores respondem a essa pergunta, entretanto devemos focalizar com demasiada importância a necessidade de conhecer e construir a nossa própria identidade para responder esse questionamento.
É na infância que o homem entra em contato e participa do undiscovery country, do mundo da ficção, tendo em vista a “descoberta da própria identidade, o que é fundamental para o crescimento.” (ABRAMOVICH, 1989:134). A busca do próprio reflexo perdido, como é o caso do “patinho feio”, do conto de Hans Christian Andersen, e do eu lírico do poema Retrato, de Cecília Meireles (“Em que espelho ficou perdida a minha face?”), é um ideal que a criança conquista por meio da sua autodescoberta na leitura dos contos maravilhosos (os de fadas). Diante disso, a leitura dos clássicos infantis emerge como forma de superação de nossos medos e adversidades.
A literatura infantil ajuda-nos a compreender a questão da perda, “de abandonos, de esquecimentos, de quem um dia foi significativo, marcante, mas que, por várias razões, até mesmo a morte, já não toca ou comove” (ABRAMOVICH, 1989: 135). O conto maravilhoso vai além de sua dimensão estética e permite que a criança encare “as realidades dolorosas e domina medos instintivos”. (KLEIN apud ABERASTURY, 1982: 48). Quando o heroi morre, consequentemente, ele é consagrado pelos seus atos de bravura e fica para sempre em nosso registro mnemônico.
A vida humana naturalmente apresenta perdas, mas o que é a perda senão uma busca, uma resignificação dos nossos valores e formas de entender o mundo social, que só é possível se buscarmos o diálogo com outros “eus” da narrativa, porque “na vida nós fazemos isso a cada passo: nós nos apreciamos do ponto de vista dos outros. [...] constantemente e intensamente nós observamos e apreendemos os reflexos de nossa vida no plano da consciência dos outros homens.” (BAKHTIN apud TODOROV, 1981:145).
Quando a criança lê uma obra, “um mundo diferente (o do leitor) se introduz no lugar do autor” (CERTEAU, 1994: 49) e, assim, ela é capaz de analisar a psique das personagens, de reconhecer as implicações sociais desses seres e de aprender a lidar com diversos problemas: traições , temores, infidelidades, rejeição, vingança, injustiça etc. (ABRAMOVICH, 1989: 137).
A literatura infantil, indubitavelmente, exerce a função de mediadora da vida do leitor, para que ele alcance sua identidade. O indivíduo busca no “conto de fadas” um significado para a sua existência e aplica essa significação no mundo real. Eis aí então um paralelo entre mundos (imagético x real), que possibilita a fuga do pragmatismo social pelo encantamento, pela magia, visando o ideal de felicidade (a maior busca do homem).
Então, para que o indivíduo possa formar a sua própria identidade ele precisa recriar a realidade e imaginá-la por meio da leitura do “conto de fadas” (ABRAMOVICH, 1989: 138), por que “a vida [realidade] só é possível reinventada” (MEIRELES, 2000: 48) e porque todos nós precisamos da mágica do sonho para viver.
REFERÊNCIAS
ABERASTURY, Arminda. Psicanálise da criança: teoria e técnica. Porto Alegre: Artmed, 1982.
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1989.
ANDERSEN, Hans Christian. Contos de Andersen. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1997.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994.
MEIRELES, Cecília. Os melhores poemas de Cecília Meireles. Seleção de Maria Fernanda. 12. ed. São Paulo: Global, 2000.
TODOROV, Tzvetan. Mikhail Bakhtine. Le principe dialogique. Suivi de Ecrits du sercle de Bakhtine. Paris: Seuil, 1981.
___________
¹ Artigo apresentado a disciplina de Literatura Infantil, como atividade complementar (sem caráter avaliativo), orientado pela Prof.ª Ms. Renilda do Rosário Moreira Rodrigues Bastos, do curso de Letras - Licenciatura em Língua Portuguesa, da Universidade do Estado do Pará.
tags: Belém PA literatura literatura-infantil marcel-franco
Marcel Franco da Silva (Letras – UEPA)
Ler é caminhar num bosque exuberante captando uma nova impressão em cada folhagem. No processo de leitura entra em atividade os sentidos do corpo para a criação do imagético, a movimentação das ideias. Mas, por que lemos? Muitos fatores respondem a essa pergunta, entretanto devemos focalizar com demasiada importância a necessidade de conhecer e construir a nossa própria identidade para responder esse questionamento.
É na infância que o homem entra em contato e participa do undiscovery country, do mundo da ficção, tendo em vista a “descoberta da própria identidade, o que é fundamental para o crescimento.” (ABRAMOVICH, 1989:134). A busca do próprio reflexo perdido, como é o caso do “patinho feio”, do conto de Hans Christian Andersen, e do eu lírico do poema Retrato, de Cecília Meireles (“Em que espelho ficou perdida a minha face?”), é um ideal que a criança conquista por meio da sua autodescoberta na leitura dos contos maravilhosos (os de fadas). Diante disso, a leitura dos clássicos infantis emerge como forma de superação de nossos medos e adversidades.
A literatura infantil ajuda-nos a compreender a questão da perda, “de abandonos, de esquecimentos, de quem um dia foi significativo, marcante, mas que, por várias razões, até mesmo a morte, já não toca ou comove” (ABRAMOVICH, 1989: 135). O conto maravilhoso vai além de sua dimensão estética e permite que a criança encare “as realidades dolorosas e domina medos instintivos”. (KLEIN apud ABERASTURY, 1982: 48). Quando o heroi morre, consequentemente, ele é consagrado pelos seus atos de bravura e fica para sempre em nosso registro mnemônico.
A vida humana naturalmente apresenta perdas, mas o que é a perda senão uma busca, uma resignificação dos nossos valores e formas de entender o mundo social, que só é possível se buscarmos o diálogo com outros “eus” da narrativa, porque “na vida nós fazemos isso a cada passo: nós nos apreciamos do ponto de vista dos outros. [...] constantemente e intensamente nós observamos e apreendemos os reflexos de nossa vida no plano da consciência dos outros homens.” (BAKHTIN apud TODOROV, 1981:145).
Quando a criança lê uma obra, “um mundo diferente (o do leitor) se introduz no lugar do autor” (CERTEAU, 1994: 49) e, assim, ela é capaz de analisar a psique das personagens, de reconhecer as implicações sociais desses seres e de aprender a lidar com diversos problemas: traições , temores, infidelidades, rejeição, vingança, injustiça etc. (ABRAMOVICH, 1989: 137).
A literatura infantil, indubitavelmente, exerce a função de mediadora da vida do leitor, para que ele alcance sua identidade. O indivíduo busca no “conto de fadas” um significado para a sua existência e aplica essa significação no mundo real. Eis aí então um paralelo entre mundos (imagético x real), que possibilita a fuga do pragmatismo social pelo encantamento, pela magia, visando o ideal de felicidade (a maior busca do homem).
Então, para que o indivíduo possa formar a sua própria identidade ele precisa recriar a realidade e imaginá-la por meio da leitura do “conto de fadas” (ABRAMOVICH, 1989: 138), por que “a vida [realidade] só é possível reinventada” (MEIRELES, 2000: 48) e porque todos nós precisamos da mágica do sonho para viver.
REFERÊNCIAS
ABERASTURY, Arminda. Psicanálise da criança: teoria e técnica. Porto Alegre: Artmed, 1982.
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1989.
ANDERSEN, Hans Christian. Contos de Andersen. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1997.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1994.
MEIRELES, Cecília. Os melhores poemas de Cecília Meireles. Seleção de Maria Fernanda. 12. ed. São Paulo: Global, 2000.
TODOROV, Tzvetan. Mikhail Bakhtine. Le principe dialogique. Suivi de Ecrits du sercle de Bakhtine. Paris: Seuil, 1981.
___________
¹ Artigo apresentado a disciplina de Literatura Infantil, como atividade complementar (sem caráter avaliativo), orientado pela Prof.ª Ms. Renilda do Rosário Moreira Rodrigues Bastos, do curso de Letras - Licenciatura em Língua Portuguesa, da Universidade do Estado do Pará.
tags: Belém PA literatura literatura-infantil marcel-franco
Marcel, é verdade, estou acompanhando meu netinho, agora com 8 anos, desde sempre lendo para ele, lendo com ele e posso te dizer que foi uma porta aberta para a leitura, pois ele adora livros, histórias e está sempre envolto com eles, pelo menos por enquanto. Eu continuo incentivando, junto com seus pais. vamos ver na adolescência como será. Gostei de seu texto. Obrigada.
Abraços
Lucy Nazaro · Palmas (PR) · 6/5/2009 11:05
Abraços
Lucy Nazaro · Palmas (PR) · 6/5/2009 11:05
Belo trabalho Professor Marcel,você deixou nas entrelinhas sua intenção de abrir uma janela para o leitor, como um convite que o leve a mergulhar na sua memória e resgatar os sentidos e percepções que o acometeram quando foi ouvinte e ao mesmo tempo sujeito dos contos de fadas que povoaram sua infância.De fato, essa construção literária tem um efeito surpreendente nas crianças.Os enredos dos Contos de Fadas se desalinham e se desenrolam com a sutileza necessária, capaz de, num passe de mágica, laçar a criança para a sua ambiência. As crianças se entregam e se deslocam para o seu universo, compreendendo que nele tudo é permitido, sentindo-se numa zona de conforto, elas sentem-se mais que observadores, sentem-se parte da trama. Essa é a mágica. Sem a Ficção, a vida seria insuportável, talvez, improvável.
Wanda Monteiro · Niterói (RJ) · 7/5/2009 05:07
Wanda Monteiro · Niterói (RJ) · 7/5/2009 05:07
Caro Marcel, importante o trabalho referenciado pelo artigo. votamos, Pedro e eu. Abraços, Tânia.
Tânia Du Bois · Itapema (SC) · 8/5/2009 00:55
Tânia Du Bois · Itapema (SC) · 8/5/2009 00:55
Votado e lido meu grande escritor Marcel...
Um abraço.
Arimatéia.
www.arimateia.com
Arimatéia Macêdo · Gurupi (TO) · 8/5/2009 01:00
Um abraço.
Arimatéia.
www.arimateia.com
Arimatéia Macêdo · Gurupi (TO) · 8/5/2009 01:00
Meu colega de letras: Parabéns! Além de muito bem argumentado, lindos escritos você produziu.
bia35 · São Gonçalo (RJ) · 8/5/2009 08:31
bia35 · São Gonçalo (RJ) · 8/5/2009 08:31
Um grande texto meu amigo Marcel, argumentos perfeito é um texto para ser lido e relido.
Parabens e sucesso.
Está votado
osmar bispo · São Paulo (SP) · 8/5/2009 12:06
Parabens e sucesso.
Está votado
osmar bispo · São Paulo (SP) · 8/5/2009 12:06
Marcel, boa tarde meu novo amigo. CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE POR MEIO DA LITERATURA INFANTIL. Li com atenção. Uma construção perfeita diante de um argumento notável. Gostei e votei. Um braço forte e muitos sucessos para ti, ok? Frank Oliveira.
Frank Oliveira · Suzano (SP) · 8/5/2009 16:12
Frank Oliveira · Suzano (SP) · 8/5/2009 16:12
Belo trabalho, amigo Marcel! Apreciado e votado, claro! beijos
Tania Montandon · Belo Horizonte (MG) · 8/5/2009 18:27
Tania Montandon · Belo Horizonte (MG) · 8/5/2009 18:27
Gente, eu só tenho agradecer a todos vocês. Vocês nem imaginam a honra que de vós recebo em cada palavra. Fico extesivamente grato. Deus cuide da alegria de todos vocês. Luz e poesia! Marcel Franco (O Poeta Legal da Amazônia Legal)
Marcel Franco · Belém (PA) · 8/5/2009 23:56
Marcel Franco · Belém (PA) · 8/5/2009 23:56
Muito bom, Marcel! Parabéns pelo trabalho de qualidade.
Sucesso!
Votado.
sr · Rio de Janeiro (RJ) · 9/5/2009 03:44
Sucesso!
Votado.
sr · Rio de Janeiro (RJ) · 9/5/2009 03:44
Muito bom Marcel,
Contudo, é bom lembrar que, infelizmente, uma porcentagem muito grande das crianças brasileiras não sabem ler. Entendendo leitura como algo significativo e/ou como diz Frank Smith: "A leitura é fazer perguntas ao texto escrito e a leitura com compreensão se torna uma questão de obter respostas para as perguntas feitas".
Mesmo que seja uma leitura para simples deleite ou fruição estética, ainda é preciso dialogar com o texto.
Parabéns pelo texto. Sei que o que levantei aqui não foi objeto do seu trabalho, mas fica aí uma sugestão.
Votado.Abraços.
Sérgio Araújo · Salinas da Margarida (BA) · 9/5/2009 17:22
Contudo, é bom lembrar que, infelizmente, uma porcentagem muito grande das crianças brasileiras não sabem ler. Entendendo leitura como algo significativo e/ou como diz Frank Smith: "A leitura é fazer perguntas ao texto escrito e a leitura com compreensão se torna uma questão de obter respostas para as perguntas feitas".
Mesmo que seja uma leitura para simples deleite ou fruição estética, ainda é preciso dialogar com o texto.
Parabéns pelo texto. Sei que o que levantei aqui não foi objeto do seu trabalho, mas fica aí uma sugestão.
Votado.Abraços.
Sérgio Araújo · Salinas da Margarida (BA) · 9/5/2009 17:22
Realmente é através da leitura que se formam cidadãos.
Parabéns! Votado.
Núdios Clen
Núdios Clen · Belo Horizonte (MG) · 14/5/2009 13:49
Parabéns! Votado.
Núdios Clen
Núdios Clen · Belo Horizonte (MG) · 14/5/2009 13:49
http://portalliteral.terra.com.br/artigos/construcao-da-identidade-por-meio-da-literatura-infantil
27/01/2011, 20:15
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