VOZES SILENCIADAS: UM ESTUDO SOCIOLINGÜÍSTICO DOS CHIQUITANO DO BRASIL
EMA MARTA DUNCK CINTRA*
SIGNÓTICA, v. 18, n. 2, p. 269-282, jul./dez. 2006
RESUMO
Este artigo apresenta o resultado de um estudo sociolingüístico das comunidades Chiquitano de Acorizal e Fazendinha, localizadas no município de Porto Esperidião, em Mato Grosso. A análise dos dados mostrou que o conflito de identidade lingüística e territorial está bastante presente no povo. As respostas às entrevistas traduzem um sentimento de inferioridade, diante da rejeição ao serem chamados de bugres, índios, bolivianos, o que tem provocado uma atitude negativa em relação à língua Chiquitano. Conseqüentemente, a língua usada em todos os domínios é a portuguesa.
PALAVRAS-CHAVE: Línguas ameaçadas, dialogismo, diglossia, sociolingüística, subalternidade.
INTRODUÇÃO
Em nível mundial há um processo muito grande de perdas de línguas (ADELAAR, 2000). Nesse contexto de línguas ameaçadas, insere-se um estudo da situação sociolingüística do povo Chiquitano das comunidades Fazendinha e Acorizal, em solo brasileiro, cuja língua encontra-se num alto grau de perigo de extinção. Esse povo é falante de um língua isolada e até a presente data não se tem uma relação comprovada com outros idiomas (RIESTER, 2003; BAZAN, 2000) do Chaco ou da Bacia Amazônica.
Na pesquisa aqui apresentada, o paradigma metodológico é o interpretativista (MOITA LOPES, 1996), visto que se pretendia investigar os
* Professora do Centro Universitário de Várzea Grande (Univag) – Mato Grosso.
E-mail: dunck@terra.com.br
Recebido em 15 de março de 2006
Aceito em 20 de junho de 2006
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aspectos processuais que envolvem a questão pesquisada – por que um povo, no decorrer do tempo, deixa de falar sua língua e refugia sua cultura num silêncio de resistência ou de opressão?
Na investigação de natureza interpretativista, há necessidade de entender os fatos sociais a partir da análise dos discursos que a constroem ou a partir das pessoas que vivem as práticas discursivas estudadas. Por isso, toma-se como base as múltiplas perspectivas de compreender o mundo social, ao invés da pressuposição positivista de uma única realidade social (MOITA LOPES, 2003).
CONTEXTO HISTÓRICO
Com o evento da colonização na América do Sul, em 1542, os espanhóis chegaram à Grande Chiquitania, hoje Bolívia. Ali depararam com mais de cinqüenta grupos distintos de indígenas. Em menos de vinte anos já havia entre 40 a 60 mil índios escravizados em seu próprio território e obrigados a aprender uma cultura estranha à deles. Como a convivência não era pacífica, o governador da já formada cidade de Santa Cruz de la Sierra solicitou a ajuda dos jesuítas para “amansar os indígenas”. No entanto, em 1690, além dos jesuítas, que vieram com o intuito de evangelizar os índios, apareceram também os espanhóis colonizadores. Vale destacar que os religiosos criaram, no decorrer dos anos, onze missões, que contavam com 37 mil índios de etnias distintas.
O domínio dos jesuítas, que perdurou durante 75 anos, deixou uma influência muito maior em relação à unificação da cultura e, especialmente, das línguas do que os primeiros anos da colonização espanhola (KREKELER, 1995). O Chiquitano ou Besüro1 decorre do que foi estabelecido nas reduções jesuíticas como língua franca, pois os missionários a utilizaram para evangelizar tribos de origens distintas, que foram perdendo suas línguas maternas ao adotarem a língua Chiquitano, o que provocava alternância de línguas e criava, naquele contexto, uma situação heteroglóssica.
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Com a expulsão dos jesuítas da América, os Chiquitano inicialmente trabalharam nas fazendas e, algum tempo depois, foram recrutados para a guerra do Chaco (1932-1935). Com o fim da guerra, passaram a desenvolver tarefas em seringais, na construção da via férrea entre Santa Cruz e Corumbá e na recuperação do setor pecuário. Só em 1953 é que eles foram libertados da servidão na Bolívia. Hoje, habitam a região da Grande Chiquitania, naquele país, aproximadamente sessenta mil indígenas do grupo Chiquitano, o segundo em número depois do Guarani.
O território tradicional dos Chiquitano ocupava uma grande área localizada em terras bolivianas e brasileiras. Em virtude da disputa entre as coroas portuguesa e espanhola, o povo foi separado, ficando uma parcela menor no extremo sudoeste do Estado de Mato Grosso, nas proximidades da fronteira com a Bolívia, nos municípios de Cáceres, Porto Esperidião, Pontes e Lacerda e Vila Bela.
No Brasil, a Coroa portuguesa incentivou o povoamento da fronteira, razão pela qual muitos Chiquitano foram trabalhar nas recém-criadas fazendas Nacional e Casalvasco. Considerados mansos, por terem sidos moldados pelos jesuítas, eles ficaram por longas décadas longe das políticas públicas brasileiras, só retornando à cena em virtude do estudo de impacto ambiental causado pela construção do gasoduto Brasil–Bolívia. Naquele contexto, a comissão encarregada desse estudo só encontrou um Chiquitano que assumisse a sua etnicidade, depois de muitos contatos. Nesse “silêncio-despertar” é que se estabeleceu comunicação com as comunidades de Acorizal e Fazendinha, que vivem permissionadas nas terras do Destacamento da Fortuna,2 que fica na divisa entre o Brasil e o Bolívia.
Para que se entendesse a situação sociolingüística das comunidades, este artigo optou por analisar as relações externas de interferência sobre as comunidades, em que a interculturalidade se dá de forma assimétrica, reportando-se, para isso, às tipologias de Edwards (1992), complementadas com a de Grenoble e Whaley (1998).
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Em um contexto macro e mais antigo, pode-se elencar a morte de milhares de indígenas, a ocupação e usurpação do seu território, a escravidão pelos colonizadores espanhóis, bem como a homogeneização da língua (conflito lingüístico), a cristianização e o massacre cultural. Já em um contexto micro – mais imediato e próximo às comunidades deste estudo –, os fatores de interferência são os seguintes:
1. Os fazendeiros. Os Chiquitano brasileiros trabalharam nas fazendas Nacional e Casalvasco, localizadas em uma região em que havia poucos habitantes não-índios. Com o tempo, além dos militares, também os fazendeiros apossaram-se das terras próximas, para agricultura e pecuária. Em 1974, muitos tiveram as terras legalizadas e os indígenas foram considerados posseiros ou sem-terra, o que causou o êxodo rural de muitas famílias (Costa, 2000). Para Hinton e Hale (2001), a perda de línguas está claramente ligada à usurpação das terras indígenas, à destruição de seu hábitat e à assimilação involuntária da cultura da sociedade dominante. O que restou aos Chiquitano foi o trabalho como assalariados nas fazendas e isso condicionou sua língua, pois naquele contexto falava-se o português, o que causava uma diglossia cronotópica (Bakhtin, 1988), pois, ao retornarem para suas casas, os homens levavam a língua dominante, gerando uma diglossia familiar: “Aqui não tinha fazenda, era longe, mas os home vão trabalhar lá longe né. Vai conversando né, a gente não sabe como que é pra lá, né. Daí eles vinham com a fala” (Mikaela Surubi).
2. A doença (varíola). A morte causada por essa doença contagiosa provocou uma drástica diminuição do grupo. “Já tinha conversado mais um pouco, depois que chegou o quartel, depois foi acabando, bateu uma doença, o povo foi morrendo com a doença” (Rosália Lopes). A redução no grupo foi crucial para a perda da língua, pois grupos pequenos têm menos força para lutar contra a sociedade dominante.
3. A escola. Esse locus teve um papel preponderante para o deslocamento da língua, pois o currículo, os materiais didáticos, o calendário, as imagens/mensagens veiculadas pela escola, as atitudes
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negativas em relação aos índios, os professores não-índios etc., tudo isso era desenvolvido em uma visão não-indígena. Naquele contexto, a língua Chiquitano não podia ser falada. “Aí quando comecei na escola, já aprendi a falar o português. Proibiram. Não, não vai falar na língua. Aí foi largando, largando. Professor proibiu. Apanhava com um negócio que tinha um buraquinho, batia na mão, na cabeça” (Lourenço Rupê). Esse dado vem reforçar o que pregava a Constituição de 1967 (título 4, parágrafo 3°), em que “o ensino primário somente [seria] ministrado na língua nacional”.
4. A entrada de produtos através da sociedade envolvente.
O contato entre povos diferentes pode resultar em uma troca de produtos, que, muitas vezes, proporciona enriquecimento cultural. No entanto, também pode ocorrer que um produto desloque ou substitua um outro, promovendo, assim, uma perda cultural. A língua, nesse caso, pode sofrer interferência. Com base nos depoimentos, percebe-se que a entrada de alguns produtos pode ter ajudado na perda da função da língua Chiquitano: “Antes, algum velho né, que sabe cantá na língua, cantava, porque agora depois quando já chegaram, vem essa gente branco, já por aí, nas fazenda, daí que eles panharam já essas música, toca-fita, qualquer música, violão, assim violão não tinha de primeiro. Era só a flauta e o tambor. E as música cantada na língua, por aqui já acabou esse, já se foi” (Mikaela Surubi). Com o tempo, cantos tradicionais foram esquecidos, e termos próprios também podem ter-se perdido. A propósito, Pimentel (2001a, 2001b) lembra que a não-realização de atividades culturais especializadas pode causar o empobrecimento das línguas indígenas.
5. A convivência com os militares do destacamento. Aparentemente, os militares ouviam a voz do Chiquitano, porque os protegiam contra os baderneiros e davam-lhes medicamentos. Havia, enfim, um pseudocuidar. Só que aos poucos, surgiu um conflito declarado de poder, o qual fez também com que os Chiquitano se silenciassem e perdessem espaço, tanto físico como social: “Primeiramente [em relação ao quartel] quando bem começou era bom. Nós trabalhava, voltava em casa, dava
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as coisas para a gente. Quando era domingo, chamava a gente para almoçar lá. Depois veio outro e já foi diminuindo, foi, foi, e agora já é assim” (Lourenço Rupê). E o domínio se dava, também, através do mutirão: “Era assim, né. Eles cobravam de nós para morar aqui. Eu cheguei trabalhar quatorze dias. Obrigavam a gente assim. Que nós era obrigado a trabalhar para eles” (José Ramos). “O quartel queria exagerar aqui, fazia de nós escravo. Mutirão. Eles diziam que era obrigação o povo, porque nós não pagava nada para morar aqui” (Luís Costa Leite Mendes). Além disso, os militares não permitiam que os Chiquitano que se casassem se fixassem ali. Era proibido construir ou mesmo reformar casas. Diante disso, muitos foram embora: “A lei aqui era assim: filho que casasse tinha que ir embora, não podia morar aqui” (Maria Antônia Surubi).
Além do quartel, os Chiquitano se sentiam menosprezados ao serem tratados como bugres. Essa palavra, conforme se constatou nas entrevistas, representava todas as vozes opressoras com as quais eles mantiveram contato e que tanto os incomodavam. “Chamavam de bugre, não gostava de jeito nenhum, aqui a gente nunca se fala bugre, só índio ou brasileiro” (Lucina Parava Ramos). Do mesmo modo, a denominação Chiquitano servia para considerá-los índios da Bolívia, nesse caso, estrangeiros em seu próprio território. E, ainda mais, eram marcados pelo estigma que os bolivianos sofrem da sociedade brasileira. Se eram
denominados índios, recebiam o preconceito da sociedade não-indígena. “As pessoas tratava nós de Chiquitano, bugre, boliviano”. Indagados sobre o que sentiam quando recebiam tais denominações, responderam: “Falava nada, porque trata gente assim, o que nós era. Assim bugre. Às vezes falava: negócio de índio. Qualquer um fala né. Nós falava o quê?”(Maria Luzia Mendes de Arruda).
Assim, vários aspectos interferiram na não-manutenção da língua e cultura Chiquitano. O fato de habitarem numa região fronteiriça fez com que se movimentassem entre o Brasil e a Bolívia, o que os levou a entrar em contato com cultura e língua diferentes. Isso os tornou bilíngües
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– de duas línguas de uso dominante: “Primeiro Chiquitano, depois castilha e depois português, tava tudo meio misturado” (Inácio Surubi).
Todos esse fatores provocaram um conflito lingüístico que levou os Chiquitano a se posicionarem negativamente em relação à língua: “Nós não gostava, porque muitos reparava, né na gente, hã hã. Falavam que se nós conversava assim, era feio, bugre, chamam de bugre, e daí foi deixando, foi deixando, nem as crianças, nem os velho conversa” (Mikaela Surubi). “Porque entrô muita gente de fora, né. Entrô muita gente de fora e aí foi ficando envergonhado... e foi largando mão, né, de falar essa linguagem, porque achava feio né, de falar essa língua, né” (Mariano Cesário Lopes). “Porque tem vergonha de ensiná, porque não
queria mais fala” (Rosália Lopes). O resultado, então, foi a não-transmissão dos ensinamentos geralmente repassados através da língua materna. Com isso, os Chiquitano desconhecem parte da cultura do seu povo e reconhecem como sua cultura aquela que lhes é imposta pela sociedade envolvente. Pimentel da Silva (2001b, p. 29) afirma que “a assimilação e manutenção de uma ou mais línguas estão intimamente relacionadas com os aspectos sociais e atitudinais, aspectos estes muitas vezes ambivalentes, que podem contribuir tanto para a manutenção quanto para o abandono de língua”.
SITUAÇÃO SOCIOLINGÜÍSTICA DOS CHIQUITANO
O contexto histórico de discriminação provocou nos indígenas uma desterritorialização que afetou não só a sua ocupação de espaço físico, mas também a ocupação do próprio espaço sociocultural. Esse fato pode ser comprovado pela atual situação sociolingüística das comunidades Fazendinha e Acorizal, onde há, silenciamento da língua e da cultura.
Pela análise dos resultados das entrevistas feitas para a pesquisa aqui apresentada fica claro que a língua Chiquitano, nessas comunidades, deixou de ser transmitida aos filhos há mais de cinqüenta anos. Na faixa etária entre os 12 e 27 e 30 e 47 anos, a totalidade deles não fala e nem
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entende o Chiquitano. Menos da metade das pessoas acima de 60 anos (41,2%) sabe essa língua.
Quando questionados se gostariam de que a língua Chiquitano fosse ensinada na escola, 100% dos mais idosos se posicionaram favoravelmente; 80% dos entrevistados na faixa etária entre 30 e 47 anos se mostraram interessados desde que pudessem contar com livro, material escrito, professor. Entre os mais jovens verificou-se uma aceitação progressiva. A língua Chiquitano é algo novo para eles, de modo que torna-se difícil estabelecer uma relação de afinidade, principalmente se se levar em conta o desprestígio conferido às línguas indígenas pela sociedade majoritária.
Orlandi (1995) explica que, diante da sua dimensão política, o silêncio pode ser considerado tanto parte da retórica da dominação (a da opressão) quando de sua contrapartida, a retórica do oprimido (a da resistência). Esse fato ficou visível na análise dos processos discursivos pelos quais passaram os Chiquitano de Acorizal e Fazendinha, que se abstiveram de falar, para serem aceitos pela sociedade envolvente. Ao serem indagados se eram Chiquitano, as respostas permitiram identificar os seguintes agrupamentos: 25% daqueles entre 12 e 27 anos afirmaram ser Chiquitano; 67% deles falaram que souberam há pouco que eram indígenas, pois não sabiam ou não se consideravam como tal; já entre os de 30 e 47 anos, uma parcela deles (20%) não sabia que eram indígenas. Entre os mais idosos, 88,8% se consideram Chiquitano.
Outro fator que se deve destacar é que, durante a pesquisa, não se observou, em nenhum momento, qualquer interação na língua Chiquitano. Desse modo, nas comunidades, há um tipo de bilingüismo de memória,3 que incide entre alguns dos mais idosos. Diante do exposto, percebe-se que a língua Chiquitano encontra-se num alto grau de risco de extinção, pois está apenas guardada na memória de alguns dos mais velhos. Albó (1999) explica que, nesse estágio, uma língua encontra-se atrofiada e, caso não seja tomada uma atitude drástica para reverter a situação, estará condenada ao desaparecimento. E foi o que ocorreu
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com os Chiquitano, que guardaram na memória sua língua para garantir o seu espaço, o seu lugar de pertencimento (BAKHTIN, 1988).
Se antes os Chiquitano tiveram de omitir suas características para serem aceitos pela sociedade dominante, agora devem romper o silêncio mantido há anos para fortalecer a possibilidade de apropriarem de seu espaço, de marcarem sua territorialidade. Convém registrar aqui que os Chiquitano estiveram prestes a ser expulsos, pois haviam sido intimados
a assinar um documento que lhes dava tão-somente um mês de prazo para sair daquele lugar. Segundo os militares, eles não eram índios e estavam nas terras pertencentes ao Exército (União), razão pela qual eram considerados posseiros. “Porque o capitão passou por aqui apurando nós para, no prazo de trinta dias, sair daqui. Nós ficamo tudo apavorado, aonde nós vai?” (José Ramos).
Em face desse conflito, uma das políticas estabelecidas para revitalizar as comunidades foi a de ensinar a língua Chiquitano na escola por eles improvisada. Havia “aulas na língua Chiquitano” ministradas por Isabel, filha de Lourenço, conhecedor da língua. Ela a descrevia da maneira como ouvia, pois pouco sabia da língua Chiquitano. Entretanto, com o auxílio do pai e de outros dois membros da comunidade que conheciam a língua, Isabel se propôs a aprendê-la da maneira que lhe era possível. Esse aprendizado começou com a atividade de passar palavras e nomes dos membros das comunidades pelo filtro da língua,4 utilizando-se, para tal, da memória dos mais idosos.
PALAVRAS DESCRITAS POR ISABEL5 ------ ALGUNS DOS PARTICIPANTES DAS AULAS
1. vurrous = burro ------------------------------------1. Tereza = Teresa, Teresars
2. vurrurs= mãe ---------------------------------------2. Lourenço = Rorenço, Rorençors
3. narrantiars = mula, jumento---------------------3. Cirilo = Ciriro, Cirirors
4. marriquiars = preguiça --------------------------4. Laura = Raura, Raurars
5. sínonamo = bastante ----------------------------5. Mª . Auxiliadora = Mariars Auxiliadorars
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Esse aprender, explicam, deve-se ao fato de que “os fazendeiros falam, até agora, que nós não somos Chiquitano, porque não sabemos a língua, até agora não param de falar que nós não somos Chiquitano, que pra ser Chiquitano tem que ser na Bolívia, aqui não” (Luís Surubi). “Eles [os que sabiam a língua] tinham que começar a falar para ajudar o nosso povo aqui” (Roseane Caetano). Os fazendeiros usavam esse argumento para que as terras não fossem devolvidas a quem era de direito: os Chiquitano.
Percebe-se, assim, que através do discurso eles vêm reforçando sua identidade. Ao se reunirem para o estudo da língua, os Chiquitano se interagem, falam de sua cultura, lembram-se do passado, enfim, reconhecem-se como índios. Isso lhes permitiu fortalecer seu lugar de pertencimento, porque fizeram circular o sentido de ser índio, marcando a partir daí a sua territorialidade.
Essa atitude resultou em outras: na primeira visita (outubro de 2003), havia um professor que ensinava o nome de alguns animais na língua Chiquitano, fazendo uso de cartazes com desenhos. Quase em seguida, os indígenas expulsaram alguns “ditos” herdeiros de fazendeiros, que se diziam proprietários daquelas terras. Isso permitiu uma união e, provavelmente, os fez perceber que é possível lutar por seus direitos. Também há o trabalho de estabelecimento de uma infraestrutura que a Funai está implementando. Além disso, os mais idosos passaram a usar a língua com as crianças. Para consolidar ainda mais esse processo, uma professora Chiquitano que trabalhava em Porto Esperidião pôde voltar para a sua comunidade e assumir a tarefa de ensinar. Convém registrar também que, no vestibular de 2004, na Universidade Indígena de Barra dos Bugres, dois professores Chiquitano foram aprovados.
Fica claro, portanto, que as comunidades já se fazem ouvir, após um longo estado de dormência. Portanto, sugere-se que o ponto principal e imediato para um acordar justo seja a promoção de meios para desenvolver no povo a auto-estima, o que começa com a regulamentação
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de suas terras, pois todo povo precisa de um território de onde possa tirar sua sustentabilidade, onde possa reproduzir-se e sobreviver. Com isso será possível reforçar as redes sociais dessa minoria etnolingüística. “Agora tá melhor, e vai melhorar mais, é tão bom ter mais terra segura, vai melhorar, vai dar para trabalhar. Agora já tem trabalho”(Rosa Pires).
Seria também oportuna a organização de núcleos de estudo para um resgate histórico-cultural. “Eu queria saber sobre meu povo, a história” (Laucino Costa Leite Mendes). Aos Chiquitano deve ser dada a possibilidade de cuidarem de si próprios, mediante a criação de estratégias que contemplem as necessidades das comunidades, para contrapor-se aos modelos da sociedade dominante. Ainda, deve-se incentivar a formação dos professores da própria comunidade para dar aula na língua Chiquitano, o que inclui, inclusive, um intercâmbio entre professores Chiquitano brasileiros e bolivianos.
Felizmente, o que se percebe, hoje, é uma atitude positiva desse povo em relação à língua. Se, no decorrer de todo o processo conflituoso, ela foi perdendo o seu valor e sendo deslocada, silenciada, considerada inferior – “feia” (Maria Antônia Surubi), “as pessoas reparavam” (Mikaela Surubi) –, agora vigoram atitudes positivas em relação ao resgate dessa língua: “é a nossa língua, a língua dos nossos antepassados” (José Ramos), “gostaria que meus netos aprendessem” (Rosália Lopes), “eu também gostaria de aprender” (Maria Arlene Justiniano). Portanto, é o momento de criar uma política educacional de vitalidade lingüística e cultural que atenda às necessidades de Acorizal e Fazendinha e que possa se estender às outras comunidades Chiquitano do Brasil.
CONCLUSÃO
Ao final deste estudo sociolingüístico, ficam claras as atitudes do povo envolvido na pesquisa, no que diz respeito ao modo como se encontra a língua Chiquitano que é falada nas comunidades, bem como as possibilidades de ações para o resgate dessa língua, o que pressupõe a
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sua compreensão como atividade social. Segundo esse entendimento, reportou-se à teoria dialógica de Bakhtin, dada a importância da diversidade cultural, do diálogo entre as línguas, do apagamento da palavra quando centrada na hegemonia de uma única voz, o que é reforçado por Orlandi (1995), especialmente quando essa autora enfoca o silêncio como forma de opressão ou resistência.
SILENCED VOICES: A SOCIOLINGUISTIC STUDY ON THE BRAZILIAN CHIQUITANO
ABSTRACT
This work presents the result of a sociolinguistics study of the Chiquitano
communities of Acorizal and Fazendinha, located in the district of Porto
Esperidião in the state of Mato Grosso. Data analysis shows that linguistic and
territorial identity conflicts are present among the people. The answers to the
interviews show feelings of inferiority and rejection as a result of being called
savages, Indians, Bolivians. This has brought a negative attitude in relation to
the language and as a consequence they use the Portuguese language in all
social domains.
KEY WORDS: Sociolinguistics, thereatened languages, disglossia, dialogism and
subordination.
NOTAS
1. Besüro é a denominação dada por Riester (2003) à língua Chiquitano.
2. Espaço em que militares guardam a fronteira.
3. Faz-se necessário esclarecer que, se assim não considerarmos, ignoramos que os mais idosos possuem uma segunda língua e, com isso, estaríamos eliminando o que resta da língua Chiquitano nas comunidades.
4. É comum, na língua Chiquitano, o uso de uma africada retroflexa no final dos substantivos.
5. Marcou-se a africada retroflexa conforme os escritos do caderno de Isabel (rs).
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