sábado, 24 de setembro de 2011

Remédios: Vício perigoso


Se considerarmos droga como qualquer elemento que interfira no equilíbrio químico de um organismo, tudo que é consumido é uma droga.
Por isso, cuidado com o excesso no uso de toda e qualquer substância.
Leiam os textos a seguir:
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É de se desconfiar quando um remédio necessariamente controlado, de tarja preta, se torna o segundo medicamento mais vendido no país. De acordo com o Instituto IMS Heath, no ano passado os brasileiros consumiram 14 milhões de caixas, ficando atrás apenas do anticoncepcional Microvlar. Será que realmente há tanta gente que precisa ser medicada?


Para que serve
Além de ser ansiolítico (agir contra a ansiedade), o remédio é anticonvulsante, poderoso relaxante muscular (e por isso é usado muitas vezes para tratamento de insônia) e é usado até para casos de overdose de anfetamina.


Apesar de possuir tantas propriedades, a categoria dos tranquilizantes não acompanha o sucesso do Rivotril. “Essa categoria é apenas a sétima que mais vende no Brasil. Fica atrás de analgésicos, anticoncepcionais e mais uma lista de medicamentos”, conta a psiquiatra Andrea Mercantes.


Amigo Rivs
A professora do Ensino Médio Carolina Carpezim, 36 anos, faz parte dos adeptos do Rivotril há seis anos. Na sua bolsa, além do celular, batom e da chave de casa, há sempre uma caixinha do remédio.


“O primeiro comprimido ganhei de uma amiga, quando terminei meu relacionamento de cinco anos. De lá pra cá, não parei mais. Sempre que me dá uma baixa emocional já tomo um comprimido. O Rivs (apelidinho dado por quem consome) é a grande invenção da humanidade”, conta ela.


Efeito bem-estar
Esse uso descontrolado em qualquer sinal de alteração dos ânimos é um dos grandes fatores para as vendas do remédio estarem sempre em alta. “O problema não é apenas o vício e a dependência que o consumidor de Rivotril cria. Há aí um problema sério no atendimento médico ao paciente também. Basta dizer que não está bem e o médico logo receita o ansiolítico. Cria a sensação de bem-estar, mas não resolve o real problema”, explica Andrea.


Beatriz M. *, 23 anos, começou a se automedicar quando entrou na faculdade de Engenharia dos Alimentos, há cinco anos. Na sua turma de amigas, não tem uma que não toma o “milagroso remedinho”. “Todo mundo na faculdade toma. É tipo fumar maconha, tomar cerveja. E ele ainda melhora o seu dia rapidinho”, explica Bia.


Plínio Montagna, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, nota uma glamorização no ato de medicar-se. Os remédios psiquiátricos foram desmistificados e, hoje, são indicados até por quem não atua na área da Psiquiatria. “Emoções normais e importantes para a mente, como tristeza ou ansiedade em situação de perigo, são eliminadas porque incomodam”, diz ele.


Acompanhamento é essencial
O remédio, quando usado corretamente e com acompanhamento médico, tem sim propriedades importantes e que podem ajudar alguns tratamentos. “Ele pode ajudar muito no tratamento de ansiedade. Mas, para obter um resultado positivo, precisa de outros fatores – como terapia, exercício físico ou até antidepressivo. O ansiolítico serve como uma muleta, um apoio até todos os fatores juntos fazerem efeito”, explica a psiquiatra Annie Almond.


Cilada
Mesmo com acompanhamento, é preciso cautela. Rivotril causa dependência e não deve ser usado por muito tempo. O ideal é que ele seja usado apenas nas crises intensas e por no máximo seis semanas. Para quem é vítima do vício, podem aparecer crises de abstinência aguda.


A professora Carolina notou uma necessidade compulsiva logo após 40 dias que tomava o remédio. “Eu parei de tomar e passei a ter insônia, ficar irritada. Não teve jeito. Voltei a tomar o remédio imediatamente. Acho que vou ter que usá-lo para o resto da vida”, conta ela.


A facilidade de manter o uso indiscriminado do remédio tem um motivo preocupante: o acesso simples a um medicamento que é controlado. Apesar de ser vendido apenas com receita médica, não é tão difícil consegui-lo de outras formas.


“Uma amiga minha foi ao psiquiatra e aí aproveitei e pedi pra ela pegar uma receita pra mim. Foi tranquilo, não teve problema. Toda vez que preciso, ela me arruma. E se eu não tiver receita, sempre tem alguém que tem algum comprimido sobrando e quebra esse galho”, explica Beatriz. Pela internet também é possível comprar o medicamento sem apresentar qualquer prescrição médica.


Preço de bananas
O preço é outro fator essencial para o sucesso de vendas do remédio. É possível comprar uma caixinha com 30 comprimidos por apenas 9 reais. “O sucesso do Rivotril é decorrência do aumento dos casos de transtornos psiquiátricos e do perfil único do nosso produto: ele é seguro, eficaz e muito barato. O preço protege o nosso produto”, explica Carlos Simões, gerente da área de produtos de neurociência e dermatologia da Roche.


Aguentar a onda é preciso
A designer gráfica Patrícia D*, 31 anos, carrega sempre um Rivotril na bolsa quando resolve se jogar na balada. Para ela, é impossível curtir a noite toda e não fechar com a ingestão de um comprimido. “A galera toda toma ecstasy e depois tem que aguentar aquela “bad” que sempre bate. Pra evitar essa baixa emocional, a gente toma um Rivotril e fica novinha em folha”, conta a designer.


A ideia de que todo mundo deve estar o tempo todo feliz provoca essa busca incessante por qualquer coisa que mascare uma tristeza, uma dor, um mal estar emocional.
“Ninguém mais quer enfrentar a infelicidade e, por isso, há uma enorme busca por qualquer coisa rápida que esconda esse momento. É um problema sério de saúde pública. A população e especialistas no assunto precisam entender que algumas sensações e vivências são importantes para suportar a vida e encarar o mundo. Nem tudo pode ser medicalizado”, conclui Annie.

http://delas.ig.com.br/saude/tarja+preta+por+que+o+rivotril+e+tao+consumido/n1237504871179.html

24/09/2011, 16:03

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Michel* é um nome fictício dado a uma pessoa real, com uma história de vida comum a de muita gente. Ele usa remédios controlados - tarja preta - há mais de cinco anos e diz que sempre teve o aval de um médico para comprar os medicamentos. Apesar de seguir uma receita, o promissor advogado tornou-se dependente químico de tranquilizantes, antidepressivos e moderadores de apetite. Com o vício, ele passou a usar as substâncias lícitas associadas a mais perversa das drogas, o crack. Nesta reportagem, todos os entrevistados adictos permanecerão em anonimato.


Ouça esta reportagem na rádio CBN 93,5 FM


O uso abusivo de remédios prescritos cresce rapidamente no mundo, e o número de viciados em medicamentos já supera o de usuários de cocaína, heroína e ecstasy combinados. O alerta foi feito pela Junta Internacional de Fiscalização a Entorpecentes (Jife), da ONU, que divulgou neste ano um relatório sobre drogas em Viena (Áustria). No Brasil, o ansiolítico Rivotril - no mercado há 35 anos - está em segundo lugar no ranking dos remédios mais vendidos, de acordo com o Instituto IMS Health, que audita a indústria farmacêutica.

O mestre em psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ufrj) e especialista em transtornos psiquiátricos Aílton Vicente Rocha explica que este consumo exagerado de remédios controlados se dá pela preocupação das pessoas em se manterem mentalmente sãs neste mundo cada vez mais acelerado e aquecido, além da falta de controle dos pacientes que desrespeitam as prescrições médicas e o despreparo de alguns profissionais de saúde que, por vezes, não dão a atenção necessária aos pacientes.

"Em grande parte a culpa é dos médicos. O mundo está acelerado, as pessoas cada vez mais ansiosas e este quadro impacta, também, no trabalho dos profissionais de saúde. Sem tempo para escutar o que os pacientes têm a dizer, acabam prescrevendo certos remédios com a intenção de tentar tranquilizar a ele mesmo, na angustia de resolver logo o problema do enfermo. Isso, indiretamente, contribui para mau diagnóstico da doença", relata o psiquiatra, que ainda diz que nem sempre é recomendado o uso de remédios, como os benzodiazepínicos - calmantes.

O ex-dependente químico Humberto* comenta que é muito fácil conseguir uma receita médica azul - destinada a medicamentos psicotrópicos. Ele diz que já criou diversas situações dentro de um consultório para ludibriar o médico. "Eles acreditam no paciente, que inventa várias histórias para ter o medicamento. Eu fazia tudo para conseguir. No entanto, na época em que usava estes remédios para me drogar o acesso era menos rigoroso", alerta. O doutor Aílton argumenta que umas das características do dependente é não querer se livrar do problema para continuar usando o remédio controlado.

Drama com as drogas

Humberto comenta que já consumiu remédio controlado da mesma forma que usava cocaína. "Descobri um medicamento que tinha efeito parecido ao da cocaína. Amaçava o remédio e cheirava, em carreira, como se fosse o pó. Chegou um tempo em que não suportava mais os efeitos colaterais da substância. Atingia o estomago e sempre enjoava. Com esse moderador de apetite, passei seis dias de carnaval sem dormir. Mas o remédio era diferente da cocaína. Mesmo drogado, eu conseguia me alimentar e praticava esportes", relembra o adicto.

Mesmo acordado durante seis dias, o ex-dependente químico 'lembra' que 'apagou' por alguns segundos e isso quase custou a sua vida. "Em um dia desse carnaval, entrei no meio de uma briga e não lembrava de nada. Podia ter apanhado muito e até morrido neste dia. A vida de um dependente químico é assim... ou você se recupera, ou acaba sendo preso ou até morto", conta Humberto que depois de viciar-se em remédios controlados, firmou-se na cocaína - droga com que teve contato por mais tempo.

Para conseguir a droga, Humberto disse que passou a traficar e cometer pequenos furtos. Esta fase foi vivida intensamente por outro ex-dependente químico, o autônomo Paulo*. Ele contou à reportagem que foi ao fundo do poço e chegou a se prostituir para conseguir dinheiro para comprar drogas. "Eu me colocava em situações como um mendigo. Pedia dinheiro e as pessoas não davam. Vivia um completo desespero. Já fui detido pela polícia por portar droga e fui humilhado", relata Paulo.

O autônomo está em recuperação há 16 anos e já usou diversos tipos de drogas. Entre as lícitas, ele foi viciado em moderadores de apetite. Paulo conta que sempre burlava as farmácias para comprar os medicamentos controlados e conseguia receitas falsas com amigos. "Usei remédios controlados por muito tempo com o intuito de me drogar. Sentia uma excitação, desinibição... era um estimulante", descreve Paulo.

Virada de jogo

No dia 20 de maio de 1994, Paulo resolveu virar o jogo e abandonar o vício. "Já não aguentava mais sofrer e decidi parar de me drogar. Situações desagradáveis como a falta de convivência com a minha família e amigos me levaram a pedir ajuda. Nunca tinha encarado o problema de frente e nesta hora disse: chega! Hoje a minha vida está resolvida. Os fatos ruins que aconteceram ficaram para traz", ressalta Paulo.

O advogado Michel, que usava remédios de tarja preta combinados com crack, também está recuperado. No entanto, ele continua sendo medicado para poder viver com mais tranquilidade. "Estou usando medicamentos controlados, mas sem a droga ilícita. Esses anos de vício me prejudicaram bastante e, para completar, acabei perdendo minha esposa. Faz quatro meses que ela me deixou e, infelizmente, vivo uma fase meio depressiva. Por isso estou usando um novo remédio", diz Michel.

Pilula Mágica

Os brasileiros adoram tomar analgésicos e anti-inflamatórios e estão entre os campeões de consumo de ansiolíticos, os conhecidos tranquilizantes, adquiridos indiscriminadamente para acabar com insônia, inquietação ou o simples mau humor de um dia ruim. A dependência de sedativos é um hábito que os jovens aprendem rápido com os pais, mas, neste caso, são as as mulheres que mais consomem remédios controlados. Elas respondem por 75% do consumo de tranquilizantes no país, talvez pelo fato de apresentarem o dobro dos casos de nervosismo e outros distúrbios psicológicos dos homens, como diz um estudo da Escola Paulista de Medicina.

Depois de superar o vício pelo crack, o ex-dependente químico Michel faz parte da parcela da população que usa remédios controlados para manter-se equilibrado dentro deste mundo agitado. O limiar entre o que separa a ansiedade que merece tratamento e a normal é bem estreito. O especialista Aílton Vicente Rocha comenta que, por muitas vezes, as pessoas veem no tratamento a solução para todos os problemas.

Michel, mesmo ainda sob o controle de medicamentos receitados pelo médico, frequenta reuniões periódicas de um grupo do Narcóticos Anônimos no Espírito Santo. No caso do advogado, o tratamento medicamentoso é fundamental para o seu equilíbrio. No entanto, o estudo da Junta Internacional de Fiscalização a Entorpecentes alerta que boa parte do consumo de remédios controlados no mundo é alimentado por farmácias ilegais na Internet que vendem remédios roubados por todo o mundo.

Nestes tempos estressantes, muitas pessoas encontram nos medicamentos uma forma de fuga da realidade. Para isso, elas encontram certas facilidades em adquirir as tais pílulas 'mágicas' por meio de receitas provenientes de médicos despreparados, das mãos de balconistas desinformados e no mercado negro da Internet. Só no Brasil, de acordo com a pesquisa, apenas um terço das 400 milhões de caixas de remédios controlados vendidas vêm de prescrições médicas.

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Obs.: Os nomes seguidos por asteriscos são fictícios

http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2010/03/613549-remedios+vicio+camuflado+nos+consultorios+e+farmacias.html
24/09/2011, 16:10

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