segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Teatro americano de O'neill

Foi em um quarto de hotel da Broadway, famosa avenida das casas de espetáculo de Nova York, nos Estados Unidos, que Eugene Gladstone O'Neill nasceu, no dia 16 de outubro de 1888, filho de Mary Ellen Quinlan O'Neill e de James O'Neill, consagrado ator da época.

Caçula de uma família rica e culta, passou a infância e a adolescência sob intempéries típicas da biografia de um herói de romance. Da solidão em colégios internos - pois os pais nem sequer o visitavam no Natal e em aniversários - à relação conflituosa com a família - a mãe, por exemplo, mal lhe dirigia a palavra depois que foi flagrada por ele usando morfina. Isso sem contar os graves problemas na escola. Para ter uma idéia, foi expulso da Universidade de Princeton logo na primeira temporada, por ter atirado uma garrafa na janela do reitor. Aos 20 anos, para fugir de uma paternidade indesejada, O'Neill vive a primeira de uma série de viagens, fundamentais na sua produção como dramaturgo. "James O'Neill teve uma idéia um tanto maluca para afastar Eugene de uma namorada que ele julgava interessada apenas em esposar um herdeiro", explica o professor do Instituto de Estudos da Linguagem, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Adriano de Paula Rabelo, no texto Eugene O'Neill e a Tragédia Moderna: "Enviar o filho numa expedição de busca de ouro nas selvas de Honduras, realizada por uma companhia da qual o ator possuía algumas ações".

Segundo Rabelo, o jovem "exultou com a solução encontrada", afinal seria a chance de seguir livre, e solteiro, numa grande aventura. Mas as coisas não saíram como esperado. "O que [O'Neill] encontrou foi o inferno, na forma de insetos de todo tipo, péssima comida, ignorância e superstição", segue o pesquisador. "Cinco meses depois, acometido por malária, teve de abandonar a expedição e retornar aos Estados Unidos sem ter visto nem sinal de ouro."

Após outras tentativas de trabalhar com o pai, ou de ter um ofício regular de qualquer tipo, o futuro autor de Longa Viagem de Volta pra Casa (1941), considerada uma obra-prima da dramaturgia norte-americana, faria a opção que ditaria o próprio destino. "Eugene não hesitou em se apresentar para uma vaga como membro da tripulação do navio Charles Racine, que estava de partida de Boston para Buenos Aires", conta. "A viagem de dois meses ao lado de marinheiros, em sua maioria noruegueses e suecos, teria enorme repercussão em sua vida e em sua obra, colocando-o em contato com um mundo e com uma atmosfera para os quais ele havia sentido um chamado interior." De porto em porto, O'Neill tomou contato com uma coleção de tipos que protagonizariam suas peças. "Uma gente diferente, desgarrada das convenções sociais da vida urbana, cheia de histórias aventurosas, canções e relatos de amores distantes e lugares exóticos", descreve.

Uma vida excitante, mas não demorou para que o resultado dos excessos lhe batesse à porta, materializado em doença: a tuberculose, na época uma espécie de sentença de morte, diagnosticada aos 23 anos, quando passava uma temporada na casa de verão da família. No Natal de 1912, Eugene é internado no sanatório Gaylord Farm, no estado norte-americano de Connecticut. Por sorte, o caso não era grave. E significou um marco em sua vida: a saída de cena do aventureiro e a chegada do dramaturgo. Por indicação do pai, o jovem passou a assinar uma coluna em um pequeno jornal da cidade onde se recuperava e ganhou destaque na redação.




Temas atuais

O universo dos textos e peças de Eugene O'Neill compõe um misto de suas experiências pessoais e das leituras que o acompanharam. A convivência com marinheiros e a obra de autores do século 19, como o britânico Joseph Conrad (autor de Lord Jim) e o norte-americano Herman Melville (autor de Moby Dick), o inspirariam a fazer da vastidão do oceano ao mesmo tempo tema e cenário de suas histórias. Sobretudo as pertencentes ao chamado ciclo do mar, de 1917, algumas delas montadas recentemente pela Cia. Triptal de Teatro, do diretor André Garolli (veja boxe Histórias do homem). "Para O'Neill não tem muita solução: ou você é náufrago ou está encalhado", define Garolli. "O que há de comum nessas histórias é o fato de falarem de pessoas que tentam fugir de uma realidade, e a melhor maneira é fugir para o mar."

Já a árvore genealógica, carregada de antepassados infortunados (do avô suicida à mãe viciada), aliada à visão de mundo de pensadores como o grego Aristóteles, o francês Émile Zola e o alemão Friedrich Nietzsche contribuíram para o que os estudiosos chamam de elemento trágico de seus escritos. "O'Neill foi o primeiro dramaturgo moderno da história do teatro norte-americano a ter o projeto explícito de reconstruir a tragédia na modernidade", afirma Rabelo. "Os anteriores a ele eram muito influenciados por um teatro sem pretensões, do qual o pai dele era o grande representante [como ator]." Outros temas recorrentes em sua obra são o puritanismo ligado à religião, do qual trata a trilogia Electra Enlutada (1931); os problemas das relações entre as raças, vistos em All God's Chillun Got Wings (numa tradução livre, Todo filho de Deus tem asas); e a crítica ao "rebaixamento da dignidade do homem moderno", como define Rabelo - caso de O Macaco Peludo (1922). "Acho O Macaco Peludo, sob todos os pontos de vista, genial", sentencia a professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) Iná Camargo, autora do livro sobre o teatro político nos Estados Unidos Panorama do Rio Vermelho (Nankin, 2001).

"A peça conta a história de um operário que descobre como o trabalhador não é nada nesta sociedade. Entre outros momentos impressionantes, está aquele no qual ele se aproxima de uma das organizações políticas mais radicais da época, e não entende o que se passa ali. É uma organização anarco-sindicalista, pela qual O'Neill tinha total simpatia. Ou seja, de novo temos uma questão totalmente atual em O'Neill, já que essa organização fazia uma campanha pacifista em plena Primeira Guerra Mundial."




Simples e genial

Por colocar a classe trabalhadora no centro dos acontecimentos em sua dramaturgia, O'Neill pode ser visto como o primeiro "autor sério" do teatro norte-americano, de acordo com o diretor teatral Naum Alves de Souza. "O'Neill introduziu a classe trabalhadora e o negro no teatro. Foi o principal autor da Grande Depressão nos EUA, deflagrada em 1929, estilhaçando o sonho americano", afirmou ao jornal Folha de S.Paulo, em 2003, quando dirigiu os atores Cleyde Yáconis e Sérgio Britto em Longa Jornada de Um Dia Noite Adentro.

Nos anos 20, Eugene O'Neill aproximou-se do expressionismo, movimento de vanguarda que preconizava a interiorização da criação artística e conferia à obra de arte uma reflexão mais subjetiva. São dessa fase textos como O Imperador Jones (1920), O Macaco Peludo (1922) e All God's Chillun Got Wings (1923). "O expressionismo é muito forte na Europa logo depois do final da Primeira Guerra Mundial", explica Rabelo. "E O'Neill era fascinado pela forma de sondagem psicológica dos personagens feita pelo expressionismo."
Quatro vezes ganhador do Prêmio Pulitzer - concedido anualmente a jornalistas e escritores pela Universidade de Columbia, nos Estados Unidos - e Prêmio Nobel de Literatura em 1936, Eugene O'Neill morreu em 27 de novembro de 1953, aos 65 anos, e com cerca de 50 peças escritas, no quarto 401 do Hotel Shelton, em Boston. •
http://www.sescsp.org.br/sesc/revistas/revistas_link.cfm?Edicao_Id=300&Artigo_ID=4647&IDCategoria=5289&reftype=2
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