M. T. Piacentini
"Qual é o certo: medidas a serem/ser tomadas?"
"Qual o correto, já que a flexão do infinitivo tem uma regência especial: para ser contadas, para serem contadas. E os outros casos que envolvem preposição e infinitivo."
"Por que o verbo SER não acompanha o número (plural) do restante da frase: ...casos desse tipo levam até vinte anos para ser decididos."
"Qual o uso correto do verbo SER como auxiliar. Exemplo: Eles estão para ser exilados."
O uso do infinitivo flexionado é chamado de "idiotismo" por ser, entre as línguas neolatinas, peculiar e exclusivo do português. Se, por um lado, a flexão [-es, -mos, -em] serve para esclarecer a pessoa do sujeito sem ser necessário mencionar explicitamente os pronomes tu, nós, eles (por exemplo, pode-se dizer "convém irmos juntos" em vez de "convém nós irmos juntos"), tornando a redação mais bonita e interessante, por outro lado deixa os falantes em dúvida sobre o que é mais correto ou melhor.
Selecionei então algumas das muitas cartas em que leitores do Língua Brasil manifestam suas incertezas sobre o emprego da flexão do infinitivo na voz passiva. A flexão simples foi tratada em 2001 na coluna Não tropece na língua 49, ocasião em que mostrei as duas possibilidades de uso, concluindo que só existe uma obrigatoriedade de flexão: quando o sujeito [substantivo ou pronome] do infinitivo se encontra claramente ao lado do verbo, depois da preposição, isto é, na seguinte ordem: PREPOSIÇÃO / SUJEITO / INFINITIVO. Relembrando:
- Falou para as crianças saírem da sala.
- Discutiram uma forma de todos se protegerem.
- Para os problemas serem resolvidos, precisamos de mais ação.
- Dê um jeito de seus filhos estudarem juntos, falou.
- Ser autônomo é mais incômodo, a ponto de muitos de nós termos medo de ser livres.
A dúvida da maioria dos consulentes ocorre quando a frase apresenta uma ordem diferente: SUJEITO / PREPOSIÇÃO / INFINITIVO. Já neste caso é facultativa a flexão, embora haja algumas recomendações e preferências, sobretudo em razão da eufonia, do que soa ou fica melhor no contexto. Mas quero reiterar que existem alternativas: não se discute se é certo ou errado. Por exemplo, não se pode afirmar que há erro em "É preciso pensarmos no que fizemos ou deixamos de fazer para melhorarmos a vida do nosso irmão" [frase de um senador em 1999]. Todavia, a frase fica muito melhor dita assim: É preciso pensar / Precisamos pensar no que fizemos ou deixamos de fazer para melhorar a vida do nosso irmão".
Bem, a novidade é que vamos falar da flexão do infinitivo na voz passiva, o que implica a presença do verbo ser no infinitivo + um particípio. O esquema é este: SUJEITO / PREPOSIÇÃO / SER / PARTICÍPIO.
PRIMEIRO CASO
A flexão do infinitivo passivo é preferível e preferida quando o substantivo ou o pronome que é sujeito do infinitivo vier logo na frente da preposição:
- Relacione as medidas a serem tomadas, por favor.
- O editor guardou mil histórias para serem contadas.
- As casas a serem visitadas foram apontadas pelo delegado.
- Condenamos os escritores a não serem lidos.
- Definidas as propostas e a metodologia a serem utilizadas, a equipe de Paulo Freire iniciou o trabalho.
- Encaminho-lhe os seguintes documentos para serem analisados.
- É importante zelar pela qualidade das obras a serem publicadas.
- Levar o cão ao veterinário e cuidar da sua alimentação são apenas alguns dos itens a serem observados.
- Conheci os métodos a serem usados.
- Agradeceu antecipadamente as mensagens a serem transmitidas em seu nome.
- Vovó guardou os quitutes para serem provados na hora do lanche.
- Temos problemas a serem enfrentados.
- Preencha todos os campos a serem inseridos no modelo.
Falando em termos de análise sintática: essa preferência pela flexão se justifica quando o sujeito da primeira oração é diferente do sujeito da segunda (a do infinitivo). Ao analisar as frases acima constatamos que os sujeitos da primeira oração – a principal – são respectivamente: eu, ele ou ela, vovó, nós e você; portanto, distintos dos sujeitos do infinitivo.
SEGUNDO CASO
Prefere-se deixar o infinitivo sem flexão
1) quando o sujeito das duas orações é o mesmo e está no plural:
- Casos desse tipo levam até vinte anos para ser decididos.
- Eles estão para ser exilados.
- Saíram sem ser notados.
- "Regras são feitas para ser quebradas", disse o estilista Ricardo Almeida.
- Os documentos são gerados sem ser abertos no Word.
- As falas, se já eram complexas no papel, tornam-se de árdua apreensão ao ser mantidas quase intactas nos monólogos em "off" de André.
- Por vezes, grandes autores esperam décadas para ser reconhecidos.
- Os projetos levaram dez dias para ser aprovados.
- Transtornos no comportamento alimentar têm diferentes características e devem ser bem avaliados antes de ser tratados.
2) quando o infinitivo serve de complemento nominal a um adjetivo, ou seja, quando se tem um adjetivo antes da preposição:
- São obras dignas de ser imitadas.
- Os animais estavam mortos e prontos para ser vendidos.
- Elas pareciam tão perto e tão fáceis de ser apanhadas...
- Vendem muito porque são autores bons de ser lidos.
- As razões pessoais, mesmo sendo complexas e difíceis de ser apreendidas, baseiam-se nas afinidades individuais.
- Apresentamos exercícios simples de ser feitos.
- Podemos identificar obras capazes de ser enquadradas nesta corrente do humor pelo menos desde os gregos do século V a.C.
Volto a dizer que ninguém deve ser dogmático ou autoritário a ponto de tachar de errado o período que não siga estritamente as recomendações acima, pois o contrário nem sempre fica mal. Por exemplo, na frase "Os dois rapazes viram ruir seu sonho ao serem devolvidos ao Brasil como se fossem mercadoria", soa melhor "serem" do que "ser", embora ela se encaixe no segundo caso, item 1.
Mas de maneira geral é mais interessante não flexionar o infinitivo quando facultativo. Veja-se: "As mulheres celtas eram criadas tão livremente como os homens. A elas era dado o direito de escolherem seus parceiros. Eram ensinadas a trabalharem para seu próprio sustento". Pode-se notar maior leveza em "As mulheres celtas eram criadas tão livremente como os homens. A elas era dado o direito de escolher seus parceiros. Eram ensinadas a trabalhar para seu próprio sustento".
Sobre a autora:
Maria Tereza de Queiroz Piacentini é catarinense, professora de Inglês e Português, revisora de textos e redatora de correspondência oficial há mais de vinte anos. Em 1989 foi responsável pela revisão gramatical da Constituição do Estado de Santa Catarina e no ano seguinte publicou artigos sobre questões vernáculas em diversos jornais. Retoma agora a publicação de colunas semanais com temas atualizados, em vista da experiência adquirida e das inúmeras consultas que lhe têm feito pessoas de todo o País depois que lançou o livro Só Vírgula Método fácil em 20 lições (UFSCar, 1996, 164p.). Também teve publicados, em 1986, dez módulos da Instituição Técnica Programada ITP, Português para Redação, edição esgotada.
Hompege: www.linguabrasil.com.br
Matéria publicada em 01/06/2004 - Edição Número 58
http://www.kplus.com.br/materia.asp?co=147&rv=Gramatica
08/04/2011, 09:14
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