"[...] uma virtude hipertrofiada - e o sentido histórico de nossa época me parece ser uma delas - pode acarretar a queda de um povo bem como um vício hipertrofiado" [...] (p. 10).
"É possível, portanto, viver sem quase se lembrar, viver até mesmo feliz, como o animal, mas é absolutamente impossível viver sem esquecer" (p. 13).
Portanto, quando a consideração monumental do passado domina as outras maneiras de considerar as coisas, quero dizer, as maneiras antiquadas e críticas, o próprio passado padece com isso. Períodos inteiros são esquecidos, são desprezados, são deixados se escoar como uma grande onda cinzenta da qual só emergem alguns fatos semelhantes a ilhotas enfeitadas” (p. 25) [itálicos do original].
“Quando o homem que quiser criar algo de grande necessitar pedir conselho ao passado, apodera-se deste por meio por meio da história monumental; quando, ao contrário, quiser se ligar ao que foi convencionado, ao que a rotina admirou desde sempre, ocupa-se do passado como historiador antiquado. Somente aquele que uma angústia do presente o tortura e que, a qualquer custo, quer se desembaraçar de seu fardo, somente esse sente necessidade de uma história crítica, isto é, de uma história que julga e que condena (p. 27).
“O sentido antiquado de um homem, de uma cidade, de um povo inteiro é sempre limitado a um horizonte muito restrito” (p. 31). [itálicos do original].
“Tudo que é antigo, tudo o que pertence ao passado e que o horizonte pode abranger, acaba por ser considerado como igualmente venerável; em contrapartida, tudo o que não reconhece o caráter venerável de todas essas coisas de outrora, portanto, tudo o que é novo, tudo o que está em seu devir, é rejeitado e combatido” (p. 31).
“De fato, a partir do momento que somos os rebentos de gerações anteriores, somos também os resultados dos erros dessas gerações, de suas paixões, de seus desvios e mesmo de seus crimes” (p. 33).
“O conhecimento do passado, em todos os tempos, só é desejável quando está a serviço do passado e do presente e não quando enfraquece o presente, quando erradica os germes vivos do futuro” (p. 35).
“É somente acumulando excessivamente em nós épocas estrangeiras, costumes, artes, filosofias, religiões, conhecimentos que não são nossos, que nos tornamos algo que mereça a atenção, isto é, enciclopédias ambulantes, pois, desse modo é que nos apostrofaria talvez um velho grego que tivesse revivido em nosso tempo” (p. 37).
“[…] a história não pode ser suportada senão pelas fortes personalidades, para as personalidades fracas, acaba por apagá-las” (p. 47) [itálicos do original].
“Na verdade, ninguém tem no mais alto grau direito à nossa veneração senão aquele que possui o instinto e a força para fazer justiça. De fato, na justiça se unem e se abrigam as virtudes mais elevadas [...]” (p. 49).
“Há poucos que servem a verdade, na verdade, porque há poucos que são animados pela pura vontade de ser justos e, entre esses, somente o menor número deles possui bastante força para poder ser justo” (p. 50).
“[…] quando se trata de religiões, nada mais se pode dizer” (p. 52).
“A objetividade e o espírito de justiça nada tem em comum” (p. 53).
“Ora, com muita frequência, a objetividade não passa de uma bela palavra” (p. 55).
“[…] a vaidade no homem está na razão inversa de sua razão” (p. 55).
“A palavra do passado é sempre palavra de oráculo. Não a compreenderão se não forem os construtores do futuro e os intérpretes do presente” (p. 57).
“O sentido histórico, quando pode reinar sem entraves e tira todas as consequências de seu domínio, erradica o futuro, porque destrói as ilusões e tira das coisas existentes a atmosfera que as cerca e das quais elas têm necessidade para viver. […]. Toda verificação histórica traz à luz tantas coisas falsas, grosseiras, desumanas, absurdas, violentas que, forçosamente, se dissipa a atmosfera de ilusão piedosa em que tudo o que tem o desejo de viver pode somente prosperar” (p. 59).
“Tudo o que vive tem necessidade de se cercar de uma atmosfera, de uma auréola misteriosa. Se lhe for tirado esse envoltório, se uma religião, uma arte, um gênio forem condenados a gravitar como um astro sem envoltório nebuloso, não há porque se surpreender ao ver esse organismo, secar, endurecer, esterilizar-se a breve prazo” (p. 61).
“[…] quando quisermos que os homens trabalhem e se tornem úteis na oficina da ciência, antes de terem atingindo a maturidade, arruinamos a ciência no mais breve prazo, assim como arruinamos os escravos empregados muito cedo nessa oficina” (p. 63).
“[…] quanto mais quiserem acelerar o progresso da ciência, mais rapidamente vão aniquilar a ciência, do mesmo modo que uma galinha morre ao ser obrigada artificialmente a botar rápido demais seus ovos. […] a ciência fez progressos surpreendentemente rápidos. Maravilha! Mas olhem, pois, os sábios: galinhas esgotadas. Verdadeiramente, esses não são naturezas ‘harmoniosas’! Sabem somente cacarejar bem mais que outrora, porque põem mais ovos: é verdade que esses ovos são sempre menores, mesmo que os livros que os sábios escrevem sejam sempre mais espessos” (p. 64).
"O que outrora se dava à Igreja, hoje ainda lhe é dado, embora com mais parcimônia, à ciência" (p. 70).
“O sucesso histórico do cristianismo, seu poder, sua persistência, sua duração histórica, tudo isso não demonstra felizmente nada, com relação à grandeza de seu fundador e seria, em suma, antes feito para ser invocado contra ele. […]. A grandeza não deve depender do sucesso [...]” (p. 83).
“[…] os homens parecem prestes a descobrir que o egoísmo dos indivíduos, dos grupos e das massas foi desde sempre a alavanca dos movimentos históricos” (p. 83).
“Seguindo de perto os perigos da história, ficamos incessantemente expostos a receber os golpes dela” (p. 87).
“A cultura não pode nascer, crescer e se expandir senão na vida” (p. 88).
“[…] a vida é o poder superior e dominante, pois, o conhecimento, ao destruir a vida, se teria destruído ao mesmo tempo a si próprio” (p. 92).
NIETZSCHE, Friedrich W. Da utilidade e do incoveniente da história para a vida. São Paulo. Lafonte. 2019. [Vom Nutzen und Nachtheil der Historie für das Laben]. Trad. Antônio Carlos Braga e Ciro Mioranza.
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