quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Mikhail Bakhtin: Estética da criação verbal


“Chama-se mecânico ao todo se alguns de seus elementos estão unificados apenas no espaço e no tempo por uma relação externa e não os penetra a unidade interna do sentido. As partes desse todo, ainda que estejam lado a lado e se toquem, em si mesmas são estranhas umas às outras.

Os três campos da cultura humana – a ciência, a arte e a vida – só adquirem unidade no indivíduo que os incorpora à sua própria unidade. Mas essa relação pode tornar-se mecânica, externa” (p. XXXIII).


“O que garante o nexo interno entre os elementos do indivíduo? Só a unidade da responsabilidade” (p. XXXIII).


“O indivíduo deve tornar-se inteiramente responsável [...] na unidade da culpa e da responsabilidade” (p. XXXIV).


“Arte e vida não são a mesma coisa, mas devem tornar-se algo singular em mim, na unidade da minha responsabilidade . (p. XXXIV).

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Capítulo IO autor e a personagem na atividade estética (página 01-20)


Definições “traduzem a posição prático-vital que assumimos em relação” ao observado (p. 03).


“[...] na vida não nos interessa o todo do homem mas apenas alguns de seus atos com os quais operamos na prática e que nos interessam de uma forma ou de outra. [...] Já na obra de arte, a resposta do autor às definições isoladas da personagem se baseiam numa resposta única ao todo ao todo da personagem, cujas manifestações particulares são todas importantes para caracterizar esse todo como elemento da obra. É especificamente estética essa resposta ao todo da pessoa-personagem, e essa resposta reúne todas as definições e avaliações ético-cognitivas e lhes dá acabamento em um todo concreto-conceitual singular e único e também semântico. Essa resposta total a personagem tem um caráter criador, produtivo e de princípio. De um modo geral, toda relação de princípio é de natureza produtiva e criadora. O que na vida chamamos, na cognição e no ato chamamos de objeto definido só adquire determinidade na nossa relação com ele: é nossa relação que define o objeto e sua estrutura e não o contrário; só onde a relação se tornar aleatória de nossa parte, meio caprichosa [...] perdemos a nós mesmos e perdemos também a determinidade estável do mundo”

“O autor não encontra de imediato para a persnoangem uma visão não aleatória, sua resposta não se torna imediatamente produtiva e de princípio, e do tratamento axiológico único desenvolve-se o todo da personagem: esta exibirá muitos trejeitos, máscaras aleatórias, gestos falsos e atos inesperados em função das respostas volitivo-emocionais e dos caprichos de alma do autor; através do caos de tais respostas ele terá de inteirar-se, ela terá de inteirar-se amplamente da sua verdadeira diretriz axiológica, até que sua feição finalmente se constitua em um todo estável e necessário (p. 04).


“[...] a resposta total, que cria o todo do objeto, realiza-se de forma ativa, mas não é vivida como algo determinado, sua determinidade reside justamente no produto que ela cria, isto é, no objeto enformado; o autor reflete a posição volitivo-emocional da personagem e não o processo interno psicologicamente determinado. São igualmente assim todos os vivenciamentos criadores ativos: estes vivenciam o seu objeto e a si mesmos no objeto e não no processo de seu vivenciamento [...]” (p. 05).


O ATO DE CRIAR E O ATO DE REFLETIR SOBRE O CRIADO (p. 05, 06).

“[...] caráter criativamente produtivo do autor e sua resposta total à personagem; ele é a única energia ativa e formadora, dada não na consciência psicologicamente agregativa, mas em um produto cultura de significação estável, e sua reação ativa é dada na estrutura – que ela mesma condiciona – da visão ativa da personagem como um todo, na estrutura da sua imagem, no ritmos do seu aparecimento, na estrutura da entonação e na escolha dos elementos semânticos” (p. 06).


“Só depois de compreender essa resposta total e essencialmente criadora do autor à personagem, de compreender o próprio princípio da visão da personagem [...], pode-se  pôr uma ordem rigorosa na definição da forma-conteúdo das modalidades de personagem, dar um sentido unívoco e criar para elas uma definição sistemática não aleatória. Neste sentido, reina até hoje pleno caos na estética da criação verbal e particularmente na história da literatura. [...] a personagem e o autor acabam não sendo elementos do todo artístico da obra mas elementos de uma unidade prosaicamente concebida da vida psicológica e social” (p. 07).


VOLTAR-SE PARA O BIOGFRÁFICO E ESQUECER “a forma do tratamento do acontecimento, a forma do seu vivenciamento na totalidade da vida e do mundo. [...] ignora-se a refutação estética. É claro que às vezes o autor põe suas idéias diretamente nos lábios da personagem tendo em vista a significação teórica ou ética (polítca, social) dessas idéias, visando a convencer quanto à sua veracidade ou a propaga-la, mas aí já não estamos diante de um princípio esteticamente produtivo do tratamento da personagem” (p. 08).


“[...~] acontecimento ético e social da vida [...]” (p. 09).


“[...] a idéia da empatia (Einfühlung)) como princípio de conteúdo-forma que sedimenta a relação do autor-contemplador com o objeto em sentido geral e com a personagem [...] a idéia do amor estético [...]” (p. 10).


“[...] a estética da criação verbal ganharia muito caso se definisse por uma filosofia estética de âmbito geral em vez das generalizações genéticas pseudocientíficas da história da literatura [...]”


“Autor: é agente da unidade tensamente ativa do todo acabado, do todo da personagem e do todo da obra, e este é transgrediente a cada elemento particular desta” (p. 10).


“Não posso viver do meu próprio acabamento e do acabamento do acontecimento, nem agir; para viver preciso ser inacabado, aberto para mim – ao menos em todos os momentos essenciais –, preciso ainda me antepor axiologicamente a mim mesmo, não coincidir com a minha existência presente” (p. 11).


“A consciência da personagem, seu sentimento e seu desejo de mundo – diretriz volitivo-emocional concreta –, é abrangida de todos os lados, como em um círculo, pela consciência concludente do autor a respeito dele e do seu mundo; [...] o interesse vital (ético-cognitivo) pelo acontecimento da personagem é abarcado pelo interesse ético-artístico do autor. [...]; para a objetividade estética, o centro axiológico é o todo da personagem e o acontecimento a ela referente, ao qual devem estar subordinados todos os valores éticos e coginitivos” (p. 11).


TRANSGREDIÊNCIA E NÃO ACABAMENTO DOS VALORES ÉTICOS E COGNITIVOS (p. 12).


“[...] acontecimento ético aberto e singular da existência [...]” (p. 13).


“[...] tornar-se outro em relação a si mesmo, olhar para si mesmo com os olhos do outro; é verdade que até na vida procedemos assim a torto e a direito, avaliamos a nós mesmos do ponto de vista dos outros, através do outro procuramos compreender e levar em conta os momentos transgredientes à nossa própria consciência: desse modo, levamos em conta o valor da nossa imagem externa do ponto de vista da possível impressão que ela venha a causar [...]” (p. 13).


“[...] captamos os reflexos da nossa vida no plano da consciência dos outros [...]”


“[...] o todo da personagem deve permanecer o último todo para o autor-outro, deve separar o autor da personagem – em si mesma de modo total e absoluto [...] combinação estética da consciência da personagem com o fundo [...] a minha própria imagem estética, refletida através do outro, não é a imagem externa imediatamente artística da personagem” (p. 15).


Primeiro caso: a personagem assume o domínio sobre o autor. A diretriz volitivo-emocional e concreta e a posição ético-cognitiva da personagem no mundo têm tamanha autoridade para o autor que este não pode perceber o mundo concreto apenas pelos olhos da personagem nem deixar de vivenciar apenas de dentro os acontecimentos da vida dela, fora da personagem o autor não consegue encontrar um ponto de apoio axiológico convincente e sólido” (p. 15).


“[...] elementos de acabamento [...]” (p. 17).


Segundo caso: o autor se apossa da personagem, introduz-lhe no interior elementos concludentes [...]” (p. 17).


Terceiro caso: a personagem é autora de si mesma, apreende sua própria vida esteticamente, parece representar um papel; essa personagem, à diferença da personagem infinita do romantismo e da personagem não redimida de Dostoiévski, é auto-suficiente e acabada de forma segura” (p. 18).


HEROIFICAÇÃO: “diretriz volitvo-emocional concreta da personagem [...]” (p. 19).


“Cada elemento concludente, transgrediente à autoconsciência da personagem, pode ser empregado em todas essas tendências (satírica, heroica, humorística, etc)” (p. 19).


POSSIBILIDADE DE AUTOVIVENCIAMENTO E GRAU DE TRANSGREDIÊNCIA DA SÁTIRA E DA IRONIA (p. 19).


“[...] transgrediência axiológica de todos os elementos que asseguram a própria personagem o acabamento estético [...]” (p. 19).


DEPENDENDO DO TIPO E DA INTENSIDADE DO CONTATO ENTRE AUTOR E PERSONAGEM O ACONTECIMENTO PODE SER ESTÉTICO, ÉTICO, COGNITIVO OU RELIGIOSO (p. 20).

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Capítulo II – A forma espacial da personagem


1 – O excedente da visão estética

“Quando contemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque em qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e diante de mim, não pode ver: as partes de seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar. [...]. Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila dos nossos olhos” (p. 21).


Esse excedente da minha visão, do meu conhecimento, da minha posse [...] é condicionado pela singularidade e pela insubstitutibilidade do meu lugar no mundo [...]” (p. 21).


“[...] na vida, a relação eu outro [...]” (p. 22).


“VIVENCIMENTO: “[...] seja na categoria do eu-para-mim, seja na categoria do outro-para-mim [...]” (p. 22).


EXCEDENTE DE VISÃO E CONTEMPLAÇÃO-AÇÃO, AXIOLOGIA E TONS VOLITIVO-EMOCIONAIS (p. 23).


“O primeiro momento da atividade estética é a compenetração: eu devo vivenciar – ver e inteirar-me – o que ele vivencia, colocar-me no lugar dele, como que coincidir com ele [...]” (p. 23).


“Quando me compenetro dos sofrimentos do outro, eu os vivencio precisamente como sofrimentos dele, na categoria do outro, e minha reação a ele não é um grito de dor e sim uma palavra de consolo e um ato de ajuda. Relacionar ao outro o vivenciado é condição obrigatória de uma compenetração de uma compenetração eficaz e do conhecimento tanto ético quanto estético. A atividade estética começa propriamente quando retornamos a nós mesmos e ao nosso lugar fora da pessoa que sofre, quando enformamos e damos acabamento ao material da compenetração; tanto essa enformação quanto esse acabamento transcorrem pela via em que preenchemos o material da compenetração, isto é, o sofrimento de um dado indivíduo, através dos elementos transgredientes a todo o mundo material da sua consciência sofredora, elementos esses que agora têm uma nova função, não mais comunicativa e sim de acabamento [...]” (p. 24, 25).


VONTADE, SENTIMENTO E EXCEDENTE DE VISÃO.


“[....] valores plástico-picturais e espaciais que são transgredientes à consciência e ao mundo da personagem, à sua diretriz ético-cognitiva no mundo, e o concluem de fora, a partir da consciência do outro sobre ele, da consciência do autor-contemplador” (p. 25).


2. A imagem externa


“[... minha imagem externa não integra o horizonte real concreto de minha visão, salvo os casos raros em que eu, como Narciso, contemplo meu reflexo na água ou no espelho. Minha imagem externa, isto é, todos os elementos expressivos do meu corpo, sem exceção, é vivenciada de dentro por mim; é apenas sob a forma de extratos, de fragmentos dispersos, que se agitam nas cordas da auto-sensação interna [...]” (p. 26).


“A diversidade de planos das personagens no sonho é particularmente clara se o sonho é de natureza erótica [...]. Mas, quando começo a contar o meu sonho a outra pessoa, tenho de transferir a personagem central para um plano com outras personagens (mesmo quando a narração é feita na primeira pessoa), em todo caso devo levar em conta que todas as personagens da narração, inclusive eu, serão percebidas em um plano plástico-pictural pelo ouvinte, para quem todas elas são outros” (p. 27).


“Todas as minhas reações volitivo-emocionais, que apreendem e organizam a expressividade externa do outro [...] estão orientadas para o mundo adiante de mim [...]” (p. 28).


ELEMENTO VIVIFICADOR DA “arquitetônica do mundo do sonho” [é] “a possibilidade de afirmação volitivo-emocional da minha imagem a partir do outro e para o outro [...]” (p. 28, 29).


“[...] o pensamento desconhece as dificuldades éticas e estéticas da auto-objetivação” (p. 29).


PRIMADO DO ACONTECIMENTO E DA INTERAÇÃO.


“[...] tentamos vivificar e enformar a nós mesmos a partir do outro” (p. 30).


“[...] eu não estou só quando me contemplo no espelho, estou possuído por uma alma alheia” (p. 31).


“Porque a imagem externa deve englobar, conter e concluir o todo da alma – o todo da minha diretriz volitivo-emocional e ético-cognitiva no mundo; essa função, a imagem externa comporta para mim apenas no outro [...]” (p. 32).


“Na categoria do eu, minha imagem externa não pode ser vivenciada como um valor que me engloba e me acaba, ela só pode ser assim vivenciada na categoria do outro, e eu preciso me colocar a mim mesmo sob essa categoria para me ver como elemento de um mundo exterior plástico-pictural e único” (p. 33).


O OUTRO “é o único capaz de criar para [o eu] uma personalidade externamente acabada; tal personalidade não existe se o outro não a cria” (p. 33).


“[...] o homem tem uma necessidade estética absoluta do outro, do seu ativismo que vê, lembra-se, reúne e unifica, que é o único capaz de criar para ele uma personalidade externamente acabada [...]” (p. 33).

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3. O vivenciamento das fronteiras externas do homem


“Um elemento especial e sumamente importante na visão plástico-pictural do homem é o vivenciamento das fronteiras externas que o abarcam. [...]. Vivencia-se essa fronteira externa na autoconsciência, isto é, em relação a si mesmo, de modo essencialmente diverso do que se vivencia em relação a outro indivíduo. De fato, só no outro indivíduo me é dado experimentar de forma viva, estética e (e eticamente), convincente a finitude humana, a materialidade empírica limitada. O outro me é todo dado no mundo exteriror a mim como elemento deste, inteiramente limitado em termos espaciais; em cada momento dado eu vivencio nitidamente todos os limites dele [...]” (p. 34).


“O modo como vivencio o eu do outro difere inteiramente do modo como vivencio o meu próprio eu; isso entra na categoria do outro como elemento integrante [...]” (p. 35).


“O outro indivíduo está todo no objeto para mim, e está , e o seu eu é apenas objeto para mim” (p. 36).


“A imagem externa pode ser vivenciada como uma imagem que conclui e esgota o outro, mas eu não a vivencio como algo que me esgota e me conclui” (p. 37).


“O outro [il.] está intimamente vinculado ao mundo, eu, ao meu ativismo interior extramundo” (p. 38).


“Porque só o outro podemos abraçar, envolver de todos os lados, apalpar todos os seus limites: a frágil finitude, o acabamento do outro, sua existência-aqui-e-agora são apreendidos por mim e parecem enformar-se com um abraço; nesse ato o ser exterior do outro começa uma vida nova, adquire algum sentido novo, nasce em um novo plano da existência” (p. 38, 39).


4. A imagem externa da ação


AÇÃO E ESPAÇOS VIVENCIADOS NA AUTOCONSCIÊNCIA (p. 39).


“Devo vivenciar de dentro todo fragmento externamente dado do meu corpo, e só por esse meio ele pode ser incorporado a mim, à minha unidade singular [...]” (p. 40).


“A consciência está voltada para um fim, as vias de realização e todos os meios de atingi-lo são vivenciados de dentro” (p. 40).


“O presente, o dado, o definido na imagem visual do objeto situado no raio da ação é separado e decomposto, durante a realização da ação, pela minha ação iminente, futura, ainda a ser realizada em relação a dado objeto: eu vejo o objeto da ótica do futuro vivenciamento interior, e essa é a ótica mais injusta para com o acabamento exterior do objeto” [...] (p. 41).


“A fixação da minha imagem externa no empreendimento de uma ação pode vir a ser até uma força fatal que destrói essa ação” (p. 41).


“[...] concepção puramente plástico-pictural de ação” (p. 42).


O HORIZONTE DO AGENTE E O HORIZONTE DO CONTEMPLADOR DISTANCIADO (p. 42).


ATIVIVISMO E COMPLEMENTARIDADE DE HORIZONTES (p. 43).

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5. O corpo como valor: o corpo interior


“[...] originalidade do vivenciamento da imagem externa na autoconsciência e em relação a outra pessoa [...]” (p. 44).


“Meu corpo, em seu fundamento, é um corpo interior; o corpo do outro, em seu fundamento, é um corpo exterior” (p. 44).


“[...] todos os tons volitivo-emocionais diretos, que em mim estão ligados ao corpo, dizem respeito ao seu estado interior e às suas possibilidades como sofrimentos, gozos, paixões, satisfações, etc. [...] não posso amar a mim mesmo como se amasse o outro, de forma imediata” (p. 44).


“Não posso amar o próximo como amo a mim mesmo, ou melhor, não posso amar a mim mesmo como amo o próximo, posso apenas transferir para ele todo o conjunto de ações que costumo realizar para mim mesmo. [...]. A autopreservação é uma diretriz volitivo emocional fria, totalmente desprovida de quaisquer elementos de amor-carinho e estética” (p. 45).


“[...] (porque uma coisa é defender de fato a própria vida contra um ataque real – até os animais fazem assim – e outra coisa inteiramente distinta é vivenciar seu próprio direito à vida e à segurança e a obrigação de que os outros respeitem esse direito) [...]” (p. 45).


“Os diversos atos de atenção, amor e reconhecimento do meu valor a mim dispensados por outras pessoas e disseminados em minha vida como que esculpiram para mim o valor plástico do meu corpo exterior” (p. 46).


TONS VOLITIVO-EMOCIONAIS DE ACABAMENTO E ENFORMAÇÃO (p. 46).


“Eu experimento uma necessidade absoluta do amor, que só o outro pode realizar interiormente a partir de seu lugar singular fora de mim; é verdade que essa necessidade fragmenta de dentro a minha autonomia, mas ainda não me enforma afirmativamente de fora. Sou profundamente frio comigo mesmo, inclusive na autopreservação” (p. 47).



“O corpo do outro é um corpo exterior, cujo valor eu realizo de modo intuitivo-manifesto e que me é dado imediatamente. O corpo exterior está e enformado por categorias cognitivas, éticas e estéticas, por um conjunto de elementos visuais externos e táteis que nele são valores plásticos e picturais. Minhas reações volitivo-emocionais ao corpo exterior do outro são imediatas, e só em relação ao outro eu vivencio imediatamente a beleza do corpo humano, ou seja, esse corpo começa a viver para mim em um plano axiológico inteiramente diverso e inacessível à auto-sensação interior e à visão exterior fragmentária. Só o outro está personificado para mim em termos ético-axiológicos. Neste sentido, o corpo não é algo que se baste a si mesmo [...]” (p. 47).



“No enfoque sexual meu corpo e o corpo do outro se fundem numa só carne, mas essa carne única só pode ser interior. É verdade que essa fusão numa carne interior única é o limite a que aspira a minha relação sexual em sua pureza; na realidade, ela é sempre complexificada quer por elementos estéticos de deleite com o corpo exterior, quer, consequentemente, por energias formadoras, criadoras; no entanto, o valor artístico que elas criam é aqui apenas um meio e não atinge autonomia e plenitude” (p. 48).


“Em todas as concepções ético-religioso-estéticas do corpo historicamente significativas, desenvolvidas e acabadas, ele costuma ser generalizado e não diferenciado [...], ora na base da experiência viva, de onde brota a idéia de homem, está o autovivencimento, ora no vivenciamento do outro [...]” (p. 48).


“Assim era o homem na Antiguidade na época do seu florescimento. Todo o corpóreo era consagrado pela categoria de outro, vivenciado como valor imediato, e a autodeterminação significativa, internamente axiológica, subordinava-se à determinação externa através do outro e para o outro, o eu-para-mim dissolvia-se no eu-para-o-outro” (p. 49).


ESTOICISMO, EPICURISMO, NEOPLATONISMO E CRISTIANISMO: FORMAS DE PERCEBER A RELAÇÃO EU-OUTRO A PARTIR DE UMA REFLEXÃO SOBRE O CORPO PARA A CONSCIÊNCIA E IDENTIDADE DO HOMEM: MUNDANIDADE E SACRALIZAÇÃO (p. 50, 51).


CRISTIANISMO: “[...] Deus se fazendo homem (Zielinski) e o homem se fazendo Deus (Harnack) [...]” (p. 51, 52).


Daí que em todas as normas de Cristo contrapõem-se o eu ao outro: o sacrifício absoluto para mim e o perdão para o outro. No entanto o eu-para-mim é o outro para Deus” (p. 52).


“O homem mesmo pode apenas arrepender-se, só o outro pode perdoar” (p. 53).


“O ego individualista na idéia de homem no Renascimento. Só a alma pode isolar-se, o corpo, não. A idéia de glória é uma apropriação parasitária do outro carente de autoridade” (p. 53).


“Só na vida assim percebida, na categoria de outro, meu corpo pode tornar-se esteticamente significativo, não, porém, no contexto de minha vida para mim mesmo, não no contexto de minha autoconsciência” (p. 54).


“Na falta dessa posição de autoridade para a visão axiológica concreta – a percepção de mim mesmo como outro – minha imagem externa – meu ser para os outros – procura vincular-se à minha autoconsciência, dá-se um retorno a mim mesmo com vistas a usar proveito próprio meu ser para os outros. Neste caso, meu reflexo no outro, aquilo que sou para o outro, torna-se meu duplo, que irrompe em minha autoconsciência, turva-lhe a pureza e desvia da atitude axiológica direta para comigo. O medo do duplo” (p. 55).


“No vivenciamento do corpo a partir de si mesmo, o corpo interior da personagem é abarcado por seu corpo exterior para o outro, para o autor, em cuja resposta axiológica, ganha encorpamento estético. Cada elemento desse corpo exterior, que abarca o interior, tem, como manifestação estética, uma dupla função – uma impressiva e outra expressiva –, à qual corresponde uma dupla diretriz ativa do autor e do contemplador” (p. 56).


6. O corpo exterior


VIVENCIAMENTO EMPÁTICO É UMA APREENSÃO ESTÉTICA DE UM OBJETO CONTEMPLADO (p. 56).


“O vivenciamento empático exprime maior clareza o sentido real do vivencimento (fenomenologia do vivenciamento (fenomenologia do vivenciamento), ao passo que a empatia procura explicar a gênese psicológica desse vivenciamento” (p. 57).


A ATIVIDADE ESTÉTICA NÃO DEFINE, VIVENCIA (p. 57).


“Para a estética expressiva, o objeto estético é o homem e tudo o mais se personifica, humaniza-se [...]” (p. 58).


“[...] contraposição axiológica do eu (contemplador) ao outro (contemplado) e a imiscibilidade de princípio dos dois” (p. 59).


“[...] (As categorias de estrutura do objeto estético – o belo, o sublime, o trágico – se tornam formas possíveis de autovivenciamento [...])” (p. 59).


“1. A estética expressiva é incapaz de explicar o todo de uma obra” (p. 59).


“[...] cada participante ocupa sua posição única na totalidade do acontecimento, e essa totalidade não pode ser compreendida mediante o vivenciamento empático com os participantes mas pressupõe um ponto de distância em relação a cada um e a todos juntos. Em casos desse tipo recorre-se ao auxílio do autor: ao vivenciar empaticamente com ele, dominamos o todo da obra. Cada personagem expressa a si mesma, o todo da obra é uma expressão do autor. Desse modo, porém, colocamos o autor ao lado de suas personagens [...]” (p. 60).


“[...] valores transgredientes ao seu possível autovivenciamento [...] acessível ao vivenciamento empático [...]. O todo estético não se co-vivencia mas é criado de maneira ativa [...]” (p. 61).


ACABAMENTO É UM ELEMENTO ESTÉTICO (p. 62).


“2. A estética expressiva não pode fundamentar a forma. [...] A forma é mímica e e fisiognomônica, expressa unicamente o sujeito [...]. A forma não baixa sobre o objeto mas emana do objeto como sua expressão, como sua extrema autodeterminação. A forma deve nos levar a um ponto: ao vivenciamento interior do objeto [...]” (p. 62).


“[...] a unidade na diversidade é apenas um apêndice da significação manifesta da expressão. Essa função secundária da forma assume inevitavelmente um colorido hedonístico [...] fruição do próprio processo de vivenciamento empático formalmente interpretado e independentemente do seu conteúdo [...]. O conteúdo, enquanto vida interior, cria para si mesmo a forma como sua expressão” (p. 63).


“[...] contexto semântico-axiológico dessa vida; sua diretriz volitivo-emocional em cada, em cada momento dado, encontra sua expressão no ato (ato-ação e ato-palavra) [...]; só na medida em que eu saia do âmbito da alma que vivencia a vida, que ocupe uma posição firme fora dela, revista-a de carne exteriormente significatica, cerque-a de valores transgredientes à sua tendência concreta (o fundo, o ambiente como meio e não como campo de ação – horizonte), a vida dessa alma me aparecerá numa luz trágica, assumirá uma expressão cômica, tornar-se-á bela e sublime” (p. 64).


“E é precisamente nesse mundo do próprio Édipo que deve realizar-se seu valor estético [...] a contemplação estética deve levar-me a recriar o mundo da vida, do sonho comigo mesmo ou do sonho na forma como eu mesmo o vivencio, e nos quais eu, seu herói, não estou exteriormente expresso [...] construído somente por categorias estético-cognitivas [...]” (p. 65).


“[...] a atividade estética do autor-espectador será um vivenciamento empático com a personagem, que visa ao limite da coincidência entre eles [...]” (p. 66).


AMBIENTE PURO VERSUS HORIZONTE (p. 67).


“[...] vidas vivenciadas empaticamente não poderão ser encaixadas num acontecimento total único se não houver aí uma posição de princípio e não aleatória fora de cada uma delas, mas isso é excluído pela teoria expressiva” (p. 68,69).


“O garoto que brinca de chefe de bandidos vivencia de dentro sua vida de bandido, pelos olhos do bandido [...] seu horizonte é o horizonte do bandido representado [...] a interpretação é semelhante ao sonho consigo mesmo e à leitura não artística de um romance, quando nos compenetramos da personagem central para vivenciar na categoria do eu o seu ser e sua vida interessante” (p. 68).


“Assim, não existe elemento estético imanente à própria interpretação, ele pode ser aí inserido por um espectador por um espectador que observa com ativismo [...]” (p. 69).


“[...] o todo da peça já não é percebido de dentro da personagem – como acontecimento  de sua vida – nem como seu horizonte vital, mas do ponto de vista do autor contemplador ativo esteticamente distanciado, como ambiência deste, e aqui se inserem elementos transgredientes à consciência da personagem” (p. 70, 71).


“[...] ativismo estético visa a enformar a enformar a pessoa-personagem e sua vida. [...] elementos artisticamente significativos na consciência do contemplador [...]. O ator tanto imagina a vida quanto a representa em sua interpretação” (p. 71).


“[...] plano vital ético-cognitivo [...] plano da vida concebida como acontecimento ético aberto e único [...]” (p. 72).


“O prazer estético é um sentimento real, ao passo que o vivenciamento empático dos sentimentos da personagem é apenas um sentimento ideal. [...]. A arte me dá a possibilidade de vivenciar, em vez de uma, várias vidas, e assim enriquecer a experiência de minha vida real [...]” (p. 73).


“A empatia simpática [...] já não é a empatia pura ou a empatia de si mesmo com o objeto, com a personagem” (p. 74).


“A simpatia pode efetivamente ser uma das condições da empatia, mas não única nem obrigatória; [...]. A vida objeto da empatia simpática não se enforma na categoria do eu mas na categoria de outro, como vida do outro, de outro eu, é a vida do outro vivenciada essencialmente de fora, tanto a vida exterior quanto a interior [...]” (p. 75).


“O homem integral é produto de um ponto de vista estético criador e só deste; a cognição é indiferente aos valores e nãos nos oferece um homem singular concreto; o sujeito ético, por princípio, não é único (o imperativo propriamente ético é vivenciado na categoria do eu), o homem integral pressupõe um sujeito esteticamente ativo e situado fora dele (abstraímos a vivência religiosa do homem). Desde o início, a empatia simpática introduz na vida objeto da empatia valores a ela transgredientes, desde o início transfere essa vida para um novo contexto de valores e de sentidos, desde o início pode dar-lhe um ritmo temporal e uma forma espacial (Bilden, Gestalten)”. A pura empatia com a vida é isenta de quaisquer outros pontos de vista além daqueles que só são possíveis do interior da própria vida objeto da empatia, e entre eles não há pontos de vista esteticamente produtivos. Não é de dentro da vida que se constrói e se justifica a forma estética como sua expressão adequada voltada para o limite de sua pura auto-enunciação (a enunciação da relação imanente da consciência isolada consigo mesma); ela é criada de fora pela simpatia que lhe vai ao encontro, pelo amor esteticamente produtivo [...]” (p. 76).


“Essa necessidade interior imanente da vida concretamente orientada da personagem deve ser compreendida e vivenciada por nós em toda a sua força coatora e sua significação, no que tem razão a teoria expressiva, mas numa imagem – transgrediente a essa vida – de forma esteticamente significativa, que está para essa vida não como expressão mas como acabamento” (p. 77).


“O ativismo estético opera o tempo todo nas fronteiras (a forma é uma fronteira) da vida vivenciada do interior, ali onde essa vida está voltada para fora, ali onde ela termina (o fim do sentido, do espaço e do tempo) e começa outra, na qual se encontra, inacessível a ela mesma, a esfera de ativismo do outro. O autovivenciamento e autoconsciência da vida e, consequentemente, sua auto-expressão (expressão expressiva) como algo unificado, possuem fronteiras inabaláveis: antes de mais nada, essas fronteiras se estendem diante do meu corpo exterior: este, enquanto valor esteticamente notório, que pode combinar-se harmoniosamente com o propósito interior de vida, situa-se além das fronteiras de um autovivenciamento único; no meu vivenciamento da vida, meu corpo exterior não pode ocupar o lugar que ele ocupa para mim na empatia simpática com a vida do outro, no conjunto da sua vida para mim [...]. Eu mesmo estou dentro de minha vida, e, se de algum modo vejo pessoalmente a imagem externa de minha vida, no mesmo instante essa imagem se torna um elemento dessa vida {vivenciada} de dentro, enriquece-a de modo imanente, isto é, deixa de ser efetivamente uma imagem exterior que de fora conclui minha vida, deixa de ser a fronteira que pode ser submetida à elaboração estética, que me conclui de fora” (p. 78).


“[...] o ativismo propriamente estético manifesta-se no momento do amor criativo pelo conteúdo empaticamente vivenciado, do amor que cria  a forma estética da vida empaticamente vivenciada, forma transgrediente a essa vida. [...] o acontecimento estético não pode ter apenas um participante que vivencia a vida e externa seu vivenciamento em forma artisticamente significativa, o sujeito da vida e o sujeito do ativismo estético, que enforma essa vida, por princípio não podem coincidir. Há acontecimentos que, em essência não podem não podem desenvolver-se no plano de uma só e única consciência mas pressupõem duas consciências imiscíveis, acontecimentos que têm como componente essa relação de uma consciência com outra consciência precisamente como outra – e assim são todos os acontecimentos criativamente produtivos, que veiculam o novo, são únicos e irreversíveis” (p. 79).


“A eficácia do acontecimento não está na fusão de todos em um todo mas na tensão da minha distância e da minha imiscibilidade, no uso do privilégio do meu lugar único fora dos outros indivíduos.

Essas teorias empobrecedoras, que tomam por base da criação cultural a rejeição ao lugar único que ocupo e à minha contraposição aos outros, a incorporação a uma consciência única, a solidariedade e até a fusão – todas essas teorias, e sobretudo a teoria expressiva em estética, encontram explicação no gnosiologismo de toda a cultura filosófica dos séculos XIX e XX; [...]” (p. 80).


“Entretanto, a consciência estética, consciência que ama e acredita em valor, é a consciência da consciência, a consciência do eu autor da consciência do herói-outro; no acontecimento estético há o encontro de duas consciências que, por princípio, não se fundem, verificando-se que a consciência do autor não encara a consciência da personagem do ponto de vista de sua composição concreta, da sua significação objetiva concreta, mas do ponto de vista da sua unidade subjetiva vital, e essa consciência da personagem se localiza concretamente (é claro que o grau de concretude varia), personifica-se e recebe acabamento amoroso. Já a consciência do próprio autor é inacabável como a consciência gnosiológica. {...}” (p. 81).


“a forma [estética] é fundamentada do interior do outro – do autor, como sua resposta criadora à personagem e sua vida, resposta que cria valores que por princípio são transgredientes à personagem e à sua vida mas mantém com elas uma relação essencial” (p. 82).


A forma é uma fronteira esteticamente elaborada [...]. É esse encontro de dois momentos que na superfície do homem que dá consistência às suas fronteiras axiológicas, que acende a centelha do valor estético” (p. 83).


“Para a teoria impressiva, existe tão-somente o autor sem personagem, cujo ativismo, voltado para o material, transforma-se em atividade meramente técnica” (p. 84).


7. O todo espacial da personagem e do seu mundo. Teoria do “horizonte” e do “ambiente”


“[...] o significado ambíguo da forma estética” (p. 84).

“[...] o objeto estético é multifacetado, concreto como a realidade ético-cognitiva (o mundo vivenciável) que nele se justifica e se conclui artisticamente [...] o próprio objeto estético, representado pela palavra, evidentemente não se constitui só de palavras, embora haja nele muito de puramente verbal, e esse objeto da visão estética possui uma forma espacial interna artisticamente significativa [...]” (p. 85).


“[...] deve-se reconhecer e compreender o elemento plástico-pictural da criação artística verbal” (p. 86).


“A obra de criação é criada de fora para cada personagem, e, quando a lemos, é de fora e não de dentro que devemos seguir as personagens. [...] a linguagem como material não é suficientemente neutra em face da esfera ético-cognitiva, onde é empregada como auto-expressão e comunicação, ou seja, como recurso expressivo, e nós transferimos essas habilidades expressivas da linguagem (de traduzir a si mesmo e designar o objeto) para a percepção das obras de arte verbal” (p. 87).


“[...] tons volitivo-emocionais criadores do autor-contemplador podem ser facilmente absorvidos pelos tons puramente vitais da personagem. [...] fronteiras de duas consciências; [...] o homem integral como valor único” (p. 88).


“Só (permanecendo dentro de mim mesmo) nas categorias cognitivas, éticas e prático-técnicas (de bem, verdade e clareza de fins práticos) consigo orientar-me nesse mundo nesse mundo como acontecimento, pôr-lhe ordem na composição material, condicionando-se desse modo a imagem de cada objeto para mim, sua tonalidade volitivo-emocional, seu valor, seu significado. De dentro da minha consciência participante da existência, o mundo é o objeto do ato [...] seu centro de gravidade situa-se no futuro [...] Minha relação com os objetos do meu horizonte nunca é concluída mas sugerida, pois o acontecimento da existência é aberto em seu todo; [...]. A contraposição espacial e temporal do objeto – eis o princípio do meu horizonte; [...] mas a mim se contrapõem como objetos do meu propósito de vida ético-cognitivo no acontecimento aberto e ainda arriscado da existência, cujos sentido, valor e unidade não são dados mas sugeridos” (p. 89).


“Se examinamos o mundo material de uma obra de arte, [...] o próprio princípio de sua estruturação e de seu ordenamento é transgrediente à consciência real e possível da própria personagem” (p. 89).


“É claro que esse princípio puramente plástico-pictural de ordenamento e informação do mundo material externo é inteiramente transgrediente à consciência viva da personagem [...] onde o objeto está voltado para fora de si mesmo, onde ele existe axiologicamente apenas no outro e para o outro, é partícipe desse mundo em que ele não existe dentro de si mesmo. {...}” (p. 90).


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Capítulo III – O todo temporal da personagem (A questão do homem interior – da alma)


1. A personagem e sua integridade na obra de arte


“[...] a alma como um todo interior em processo de formação no tempo, como um dado, um todo presente, constrói-se à base de categorias estéticas; é o espírito em sua aparência por fora, no outro” (p. 91).


“[...] (a metafísica só pode ser religiosa). [...]; a alma desce sobre mim como a graça ao pecador, como uma dádiva imerecida e não esperada. No espírito eu apenas posso e devo perder minha alma, esta só pode ser protegida por forças que não são minhas” (p. 92).


2. A relação volitivo-emocional com a determinidade interior do homem. O problema da morte (da morte por dentro e da morte por fora)


“Todos os vivenciamentos interiores do outro indivíduo [...] são por mim encontrados fora de meu próprio mundo interior [...] fora de meu eu-para-mim; eles são para mim na existência, são momentos da existência axiológica do outro” (p. 93).


“[...] a refração do sentido na existência e a condensação do sentido [...]” (p. 93).


“Costuma-se denominar compreensão simpática esse meu ativismo que vem de fora e visa ao mundo interior do outro. Cumpre salientar o caráter absolutamente proveitoso, excedente, produtivo e enriquecedor da compreensão simpática. [...] a compreensão simpática recria todo o homem interior em categorias esteticamente afagantes para uma nova existência em um novo plano do mundo” (p. 94).


“[...] é necessário estabelecer o caráter da relação volitivo-emocional com minha própria determinidade e com a determinidade interior do outro indivíduo e, acima de tudo, com a própria existência dessas determinidades, isto é, no que tange ao lado da alma, é necessário fazer a mesma descrição fenomenológica da empatia e do vivenciamento do outro, já verificada em relação ao corpo como valor” (p. 94).


“A alma é algo essencialmente enformado” (p. 95).


“[...] enfoque axiológico ativo [...] o nascimento e a morte em seu significado axiológico concludente (de enredo, lírico, caracterológico, etc.)” (p. 95).


“O peso emocional de minha vida em seu conjunto não existe para mim mesmo” (p. 96).


“[...] minha vida é a existência que abarca no tempo as existências dos outros” (p. 96).


“Eu mesmo sou a condição de possibilidade de minha vida, mas não sou seu herói no plano dos valores” (p. 97).


“A memória é um enfoque construído do ponto de vista do acabamento axiológico; em certo sentido ela é inviável, mas por outro lado só ela é capaz de julgar a vida finda e toda presente, independentemente do objetivo e do sentido” (p. 98)


“Quando as fronteiras estão dadas, a vida pode ser disposta e enformada nelas de modo inteiramente distinto, da mesma forma que a exposição do fluxo do nosso pensamento pode ser construída de maneira diferente quando a conclusão já foi encontrada e dada (foi dado o dogma) e quando e quando ainda está sendo procurada” (p. 99).


“O sentido não nasce nem morre; [...]. Todo acabamento é um deus ex machina para a série vital orientada de dentro para a significação do sentido” (p. 99).


“[...] (em linhas gerais, o homem é uma equação do eu e do outro, um desvio em face das significações axiológicas), [...]” (p. 99).


“Eu não estou para mim mesmo inteiramente no tempo, mas ‘minha maior parte’ é vivenciada intuitivamente por minha própria pessoa fora do tempo, eu disponho de um apoio imediatamente dado no sentido. [...]. Como sujeito do ato que pressupõe o tempo, estou fora do tempo. O outro sempre se contrapõe a mim como objeto, sua imagem externa está no espaço, sua vida interior, no tempo. Como sujeito, jamais coincido comigo mesmo [...]” (p. 100).


“A alma é o espírito que não se realizou, refletido na consciência amorosa do outro (do homem, de Deus); é aquilo com que eu mesmo nada tenho a fazer, em que sou passivo, receptivo (dentro de si mesma, a alma pode apenas envergonhar-se de si mesma, de fora pode ser bela e ingênua)” (p. 100).


“É preciso sentir-se em casa no mundo dos outros para passar da confissão para a contemplação estética objetiva, das questões atinentes ao sentido e à busca do sentido para o dado maravilhoso do mundo. [...]. Só no mundo dos outros é possível o movimento estético, movimento do enredo, dotado de valor próprio [...]” (p. 102).


3. O ritmo


“[...] devo sair dos limites do contexto axiológico em que transcorreu a minha vivência para fazer da própria vivencialidade, da carne de minha alma o meu objeto, devo ocupar outra posição em outro horizonte axiológico, cabendo observar que a reconstrução dos valores é de natureza essencialíssima. Devo tornar-me outro em face de mim mesmo, que vivo essa minha vida nesse mundo de valores [...]” (p. 103).


“Preciso de um ponto de apoio semântico fora do contexto da minha vida, um ponto de apoio vivo e criador – logo, de direito – para tirar o vivenciamento do acontecimento singular e único da minha vida e, consequentemente, da existência como acontecimento único, pois este só me é dado do meu interior [...]” (p. 104).


“[...] peso axiológico do eu e do outro [...]” (p. 104)


“O sentido se submete ao valor da existência individual, à carne mortal da vivência” (p. 105).


“Para conseguir densidade estética, definir-se positivamente, a vivência deve ser purificada de todas as impurezas indissolúveis dos sentidos, de todo o transcendentalmente significativo, de tudo o que ela assimila  não no contexto axiológico de um indivíduo objetivo e da vida concluída mas no contexto objetivo e sempre antedado do mundo e da cultura: todos esses elementos devem tornar-se imanentes ao vivenciamento, reunidos numa alma essencialmente final e concluída, ajustados e fechados nesta, em sua unidade individual e internamente manifesta; [...]” (p. 105).


“O vivenciamento deve afastar-se para o passado absoluto dos sentidos [...]. Só sob essa condição o vivenciamento da aspiração pode atingir certa extensão, [...]; só sob essa condição a via interior da ação pode ser fixada, determinada, amorosamente condensada e mensurada pelo ritmo, e isso só pode ser realizado pelo ativismo de outra alma, em seu contexto semântico-axiológico abrangente. Para mim mesmo, nenhum vivenciamento ou aspiração minha pode afastar-se para o passado absoluto [...]” (p. 106).


“O ritmo é um ordenamento axiológico do dado interior, da presença. Não é expressivo no sentido exato do termo, não exprime o viveciamento, não é fundamentado de dentro dele, não é uma relação voltivo-emocional ao objeto e ao sentido mas uma reação a essa reação. O ritmo é vago no sentido de que não opera imediatamente com um objeto mas com o vivenciamento do objeto, é uma reação a ele, por isso rebaixa a significação concreta dos elementos da série” (p. 107).


“[...] o ato criador (o vivenciamento, a aspiração, a ação), que enriquece o acontecimento da existência [...] e cria o novo, é essencialmente extra-rítmico (em sua realização, evidentemente [...])” (p. 108).


“O livre-arbítrio e o ativismo são incompatíveis com o ritmo. [...]. Posso apenas ser possuído pelo ritmo, no ritmo, como sob anestesia, não tomo consciência de mim” (p. 109).


“Na existência interior do outro vivenciada por mim (vivenciada ativamente na categoria de alteridade), a existência e o imperativo não estão rompidos nem são hostis mas estão organicamente vinculados, situados no mesmo plano axiológico; o outro cresce organicamente no sentido” (p. 109, 110).


“Onde há ritmo, há duas almas (mais exatamente, alma e espírito), há dois ativismos; a vida que vivencia e a que se tornou passiva para a outra, que a enforma e celebra ativamente” (p. 110)


“[...] no coro eu não canto para mim, sou ativo apenas em relação ao outro e passivo na relação do outro para comigo [...]” (p. 110).


“O dado imediato das significações semânticas, fora das quais não posso criar nada ativamente como meu, inviabiliza o acabamento axiológico positivo da temporalidade. Na empatia viva, o sentido extratemporal ideal não e indiferente ao tempo mas se contrapõe a ele como futuro semântico, como algo que deve ser, em contraposição ao que já é. Toda a temporalidade, toda a durabilidade se contrapõe ao sentido como uma ainda-inexequebilidade, como algo ainda não definitivo, como um ainda-não-é-tudo: só assim é possível vivenciar a temporalidade, o dado da existência em si em face do sentido” (p. 110, 111).


“Nenhum momento da já presença pode tornar-se auto-suficiente, já justificado para mim; minha justificação está sempre no futuro, e essa justificação, sempre à minha frente, revoga o meu passado e o meu presente para mim em sua pretensão à já-presença contícnua, ao repouso no dado, à auto-suficiência, à realidade verdadeira da existência em sua pretensão a seu eu essencialmente em tudo, a me definir completamente na existência [...]. O que no outro é aperfeiçoamento (categoria estética), em mim é novo nascimento” (p. 111).


“Assim que tento definir-me para mim mesmo (não para o outro e a partir do outro), encontro a mim mesmo apenas nele, nesse mundo do antedado, fora da minha já-presença temporal, encontro a mim mesmo como algo ainda vindouro em seu sentido e valor; já no tempo (se abstraio totalmente do antedado), encontro apenas um propósito disperso, um desejo e uma aspiração irrealizados – os membra disjecta de minha integridade possível; [...]” (p. 112).


“E, se o ser interior se separa do sentido contraposto e vindouro – com o qual só ele criou absolutamente tudo e o assimilou em todos os seus momentos –, contrapõe-se a ele como valor autônomo e torna-se auto-suficiente diante do sentido; desse modo ele cai numa contradição profunda consigo mesmo, na autonegação, nega com a existência da sua presença o conteúdo do seu ser, torna-se mentira: existência da mentira ou mentira da existência” (p. 113).


“[...] eu sou em mim mesmo uma mentira para mim” (p. 114).


“[...] unidade do meu ainda-não-ser” (p. 115).


“[...] eu me determino em termos de futuro” (p. 115).


“[...] só no futuro está o centro real de gravidade da minha determinação de mim mesmo” (p. 115).


“A vida temporalmente concluída é inviável do ponto de vista é inviável do ponto de vista do sentido que a move. Por dentro de si mesma ela é inviável, só de fora pode lhe chegar a justificação absolvente, salvo o sentido não atingido. [...] o dado se finda na carência [...]” (p. 116).


“[...] eu e o outro nos encontramos mutuamente na contradição absoluta do acontecimento: onde o outro nega a si mesmo dentro de si e ao seu dado-existência, de meu lugar único no acontecimento da existência eu afirmo e consolido axiologicamente a presença dele que ele mesmo nega, e para mim essa mesma negação é apenas um momento dessa sua presença. [...] Ninguém pode ocupar uma posição neutra em relação a mim e ao outro; o ponto de vista abstrato-cognitivo carece de um enfoque axiológico, a diretriz axiológica necessita de que ocupemos uma posição singular no acontecimento único da existência, de que nos encarnemos. Todo juízo de valor é sempre uma tomada de posição individual na existência; até Deus precisou encarnar-se para amar, sofrer e perdoar; teve, por assim dizer, de abandonar o ponto de vista abstrato sobre a justiça” (p. 117, 118).


“No acontecimento singular e único da existência, é impossível ser neutro” (p. 118).


“A antecipação da morte tem essencial importância para o acabamento estético da pessoa” (p. 119).


“A memória começa a agir com força aglutinante e conclusiva desde o primeiro momento de surgimento da personagem [...]” (p. 119).


“O ritmo abrange a vida vivenciada [...]” (p. 120).


4. A alma


“É esse o todo esteticamente significativo da vida interior do homem, a sua alma; esta é ativamente criada e só se enforma positivamente e se conclui na categoria de outro” (p. 120, 121).


“O momento da já-presença em todo o ser, a face do ser – o ser-aí (étost) da existência –, que já se definiu conteudisticamente, necessita de justificação fora do sentido, pois ele é apenas factual (teimosamente presente) em relação à plenitude antedada do sentido do acontecimento” (p. 121).


CONCRETUDE DA PALAVRA ENUNCIADA. “A palavra já dita soa no impasse de sua já-proferição; a palavra proferida é a carne mortal do sentido. A existência, já presente no passado e na atualidade, é mera carne mortal do sentido vindouro do acontecimento da existência – do futuro absoluto; ela é inviável (fora de uma realização futura)” (p. 122).


Para “a alma e todas as formas de encarnação estética da vida interior (ritmo) e as formas do mundo dado [...] transgrediência cria para elas a força e a significação [...]” (p. 123).


ATIVISMO, ACABAMENTO, PRODUTIVIDADE E EXISTÊNCIA (p. 123).


“Mas para que a existência se revele perante mim em sua passividade feminil, devo colocar-me inteiramente fora dela e ser totalmente ativo” (p. 124).


“A alegria é estranha a uma atitude ativa em face da existência; devo tornar-me ingênuo para me alegrar. Só a existência é ingênua e alegre, não o ativismo; este é desoladamente sério. A alegria é o estado da existência mais passivo, porém desamparadamente deplorável. Até o sorriso mais sábio é deplorável e feminil (ou é impostor ou auto-suficiente). A alegria só é possível para mim em Deus e no mundo, isto é, só onde me familiarizo de forma justificada com a existência através do outro e para o outro, onde sou passivo e aceito a dádiva. Minha alteridade se alegra para mim, mas não o eu para mim” (p. 124).


“O ativismo passivo nada transforma em termos formais” (p. 125).


“Pode haver conflito entre alma o espírito e o corpo interior, mas não pode haver conflito entre alma e corpo, uma vez que estes são construídos à base das mesmas categorias, traduzem uma relação única e criativamente ativa com o dado do homem” (p. 126).


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Capítulo IV – O todo semântico da personagem

“[...]; a forma não é só espacial e temporal, mas também do sentido” (p. 127).


1. O ato e o auto-informe-confissão


MUNDOS E VALORES QUE DETERMINAM OS ATOS (p. 128).


A respeito da “liberdade ética do ato: este é determinado pelo ainda-não-ser, pelo antedado dos objetos, pelo antedado dos objetos, dos fins; suas fontes estão no porvir e não no passado, não estão no que existe mas no que ainda não existe” (p. 129).


“[...] o enfoque estético e a justificação do outro podem penetrar em minha relação axiológica comigo mesmo e turvar-lhe a pureza [...]” (p. 130).


“O auto-informe-confissão por princípio não pode ser concluído por não haver para ele elementos transgredientes que lhe dêem acabamento; [...]” (p. 131).


“O auto-informe-confissão não se isola [do] acontecimento único, daí ser potencialmente infinito [...]” (p. 132).


“É impossível o auto-informe puro, isto é, o apelo axiológico só para si mesmo na solidão absoluta; esse é um limite contrabalançado por outro limite – pela confissão, ou seja, por um apelo súplice para fora de si, para Deus. Com os tons de arrependimento se entrelaçam os tons de súplica-oração” (p. 132).


“Não se pode viver e ter consciência de si nem na garantia, nem na garantia nem, nem no vazio (garantia e vazio axiológicos), mas tão-somente na fé. A vida (e a consciência) de dentro de si mesma não é senão a a realização da fé (ou seja), da necessidade e da esperança, da não auto-satisfação e da possibilidade). É ingênua a vida que ignora o ar que respira. Assim se implantam nos tons de arrependimento e súplica do auto-informe-confissão os novos tons da fé e da esperança que tornam possível a disposição da prece” (p. 133).


“[...] o ritmo que acaricia e sublima a imagem, [...]” (p. 134).


“No auto-informe-confissão não há personagem nem autor por não haver uma posição para realizar a inter-relação dos dois, uma posição de distância axiológica; personagem e autor estão fundidos em um todo único [...]” (p. 135).


“[...] posição axiológica de distância [...] a perfeição e a profundidade da estetização [...]” (p. 136).


“[...] o futuro em perspectiva do acontecimento [...] nosso ato responsivo não deve isolá-lo” (p. 137).


2. A autobiografia e a biografia


“Nem na biografia, nem na autobiografia o eu-par-si (a relação consigo mesmo) é elemento organizador constitutivo da forma” (p. 138).


O valor biográfico pode organizar não só a narração sobre a vida do outro, mas também o vivenciamento da própria vida e a narração sobre a minha própria vida, pode ser forma de conscientização, visão e enunciação da minha própria vida” (p. 139).


“Os valores biográficos são valores comuns na vida e na arte, isto é, podem determinar os atos práticos como objetivos das duas; são as formas e os valores da estética da vida” (p. 140).


“[...] posição axiológica do outro [...]” (p. 141).


“A aspiração à glória organiza a vida do herói ingênuo; a glória organiza também a narração da sua vida: sua glorificação” (p. 143).


“[...] aquilo que eu gostaria de ser na consciência amorosa do outro, por minha imagem antecipável, que deve ser criada de modo axiológico nessa consciência [...]” (p. 144).


“No amor, o homem procura como que superar a si mesmo em determinado sentido axiológico na tensa possessão emocional pela consciência amorosa do outro [...]” (p. 145).


“[...] existência axiológica da alteridade em mim [...]” (p. 146).


“[...] força organizadora da vida; [...] concepção histórica de sociedade humana [...]” (p. 147).


“[...] contexto axiológico da biografia social [...] função de ordenamento e de informação dos detalhes e minúcias situadas fora do sentido da vida, no plano da consciência axiológica do outro (porque no plano da autoconsciência não podem ser assimilados nem ordenados)” (p. 148).


“[...] traços transgredientes [...] posição de distância [...] autoridade da posição axiológica do outro. [...] tipicidade extra-semântica, o colorido. [...] contexto axiológico da atualidade do passado ao futuro” (p. 149).


“[...]; o autor não é artista puro, assim como a personagem não é sujeito ético puro. [...] A biografia é produto orgânico de épocas orgânicas” (p. 150).


“A criação do autor não é um ato mas uma existência, e por isso ela mesma é carente de recursos e necessitada. O ato de biografia é um ato unilateral: aí há duas consciências e não duas posições valorativas, há dois indivíduos mas não um eu e um outro e sim dois outros. A natureza essencial da alteridade da personagem não está expressa: a tarefa de salvação extra-semântica do passado não foi levantada com toda a sua clareza forçada.” (p. 151).


ATIVIVISMO, ALTERIDADE, DISTÂNCIA AXIOLÓGICA E VALOR BIOGRÁFICO (p. 152).


EXCEDENTE, EMPATIA, HORIZONTE (p. 153).


“[...]; o momento de empatia tem a máxima importância. Assim é a biografia” (p. 153).


3. A personagem lírica e o autor


A objetivação lírica do homem interior pode tornar-se auto-objetivação” (p. 153).


POSIÇÃO AXIOLÓGICA E AUTORIDADE (p. 154).


“[...] acontecimento em perspectiva” (p. 155).


“Para fazer meu vivenciamento ecoar liricamente, preciso sentir nele não a minha responsabilidade solitária mas a minha natureza axiológica, o outro em mim, minha passividade no coro possível dos outros, no coro que me envolveu de todos os lados e como que bloqueou o antedado imediato e antedado imediato e indiferente do acontecimento único e singular da existência” (p. 156, 157).


“[...] determinadade dos elementos estilísticos e das peculiaridades técnico-formais; [...]” (p. 157).


“[...] onde a personagem encontra subitamente a si mesma no acontecimento único e singular da existência à luz do sentido antedado, aí os extremos do círculo lírico deixam de confluir, a personagem começa a não mais coincidir consigo mesma, começa a perceber a sua nudez [...]” (p. 158).


“[...] a diferença entre lírica declamatória e lírica melódica; a diferença não é de princípio mas de graus de independência da personagem em relação ao sentido e aos objetos” (p. 158).


4. O caráter como interação personagem-autor


“[...]; a personagem é importante como portadora de uma vida determinada, rica e plena, historicamente significativa; é essa vida que ocupa o centro axiológico da visão e não o todo da personagem, cuja vida pessoal apenas a caracteriza em sua determinidade” (p. 159).


“Denominamos caráter uma forma de correlação entre o autor e a personagem, que realiza o desígnio de criar o todo da personagem como indivíduo determinado, [...]” (p. 159).


CONTEXTO E DIRETRIZ AXIOLÓGICOS (p. 160).


“O destino é a transcrição artística do vestígio que deixou na existência a vida regulada de seu interior por seus objetivos, é a expressão artística do sedimento deixado na existência pela vida assimilada inteiramente de seu interior. Esse sedimento na existência também deve ter sua lógica; [...]” (p. 160, 161).


“Não compreendemos a lógica da providência divina, apenas cremos nela, ao passo que compreendemos perfeitamente a lógica do destino de uma personagem e de modo algum aceitamos como fé [...]” (p. 161).


“O destino não é o eu-para-mim da personagem mas o seu ser, aquilo que lhe é dado, aquilo que ela veio a ser; não é a forma do seu antedado, mas a forma do seu dado. [...]. O destino é a forma de ordenamento do passado do sentido; [...]” (p. 162)


As “forças axiológico-naturais do ser da alteridade [não são como] grandezas físicas nem psicológicas” (p. 163).


Eu não começo a vida, eu não sou o seu iniciador axiologicamente responsável [...]; eu posso agir e emitir juízo de valor com base na vida já dada e valorada; a série de meus atos não parte de mim, eu apenas lhe dou continuidade (como a dou também aos atos-pensamentos, aos atos-sentimentos e aos atos-feitos); [...]” (p. 163, 164).


“Um eu-para-si moral é agenealógico [...]” (p. 164).


“A distância do autor em relação à personagem romântica é, sem dúvida, menos estável do que se verificava na personagem clássica” (p. 165).


“No sentimentalismo, a posição de distância é usada tanto em termos artísticos quanto morais (em detrimento do artístico, é claro)” (p. 166).


“[...] o caráter como forma da relação recíproca entre autor e personagem” (p. 167).


5. O tipo como forma de interação personagem-autor


“Se em todas as suas variedades o caráter é plástico – é particularmente plástico o caráter clássico, evidentemente –, o tipo, por sua vez, é pictural. [...]. O caráter está no passado, o tipo, no presente; o ambiente do caráter é um tanto simbolizado, o mundo material em volta do tipo tem foros de inventário. O tipo é a posição passiva de um indivíduo coletivo” (p. 167).


“[...] uso do excedente cognitivo [...]” (p. 169).


“Além d o elemento de generalização, ainda há o elemento de dependência funcional considerada intuitivamente. O tipo tanto está profundamente entrelaçado com o mundo que o rodeia (com o ambiente dos objetos) quanto é representado como condicionado por esse mundo em todos os seus momentos; ele é o elemento necessário de um dado ambiente (não é um todo mas somente parte de um todo). Aqui o elemento cognitivo da distância pode atingir grande força, [...]” (p. 169).


6. A hagiografia


“A hagiografia se realiza diretamente no mundo do divino” (p. 169, 170).


“[...] a forma hagiográfica é tradicionalmente convencional, cimentada por uma autoridade indiscutível, [...] a hagiografia evita a transgrediência restritiva e excessivamente concretizante, pois esses elementos sempre reduzem a autoridade; deve excluir tudo o que é típico de uma dada época, de uma dada nacionalidade (por exemplo, a tipicidade nacional de Cristo na pintura de ícones) [...], as indicações precias do tempo e do espaço da ação – tudo o que reforça a determinidade no ser de um dado indivíduo (o típico, o característico e até a concretude biográfica) e assim lhe diminui a autoridade ( a vida do santo como que transcorre desde o início na eternidade). Cabe observar que a tradicionalidade e o convencionalismo dos elementos transgredientes do acabamento contribuem ao máximo para reduzir seu significado restritivo” (p. 170).



“[...] todo semântico da personagem [...] plenitude do acabamento da obra [...]” (p. 171).


Capítulo V – O problema do autor


1. O problema da personagem


“Essa orientação axiológica e essa condensação do mundo  em torno do homem criam para ele uma realidade estética diferente da realidade cognitiva e ética (da realidade do ato, da realidade ética do acontecimento único e singular do existir), mas, evidentemente, não é uma realidade indiferente a elas” (p. 173).


“[...] só o outro como tal pode ser o centro axiológico da visão artística e, consequentemente, também o herói de uma obra, que só ele pode ser essencialmente enformado e concluído, pois todos os elementos do acabamento axiológico – do espaço, do tempo, do sentido – são axiologicamente transgredientes à autoconsciência ativa, estão fora da linha de uma relação axiológica consigo mesmos: [...]. A relação axiológica comigo mesmo é absolutamente improdutiva em termos estéticos, eu para mim sou esteticamente irreal. Posso ser apenas portador da tarefa da informação e do acabamento artísticos mas nunca o seu objeto – a personagem” (p. 174).


“O autor se torna próximo da personagem apenas onde não há pureza da autoconsciência axiológica, onde, sob o poder da consciência do outro, ele toma consciência de si no outro [...]” (p. 175).


“[…] posição do autor, portador do ato da visão artística e da criação no acontecimento do existir, único ponto em que, em linhas gerais, qualquer criação pode ser ponderável em termos sérios, significativos e responsáveis. O autor ocupa uma posição responsável no acontecimento do existir, opera com elementos desse acontecimento e por isso a sua obra é também um momento desse acontecimento” (p. 175, 176).


“A relação esteticamente criadora com a personagem e o seu mundo é uma relação com quem tem de morrer (moriturus), é sua contraposição à tensão semântica do acabamento salvador; [...]” (p. 176).


“A atividade estética reúne no sentido o mundo difuso e ocondensa em uma imagem acabada e auto-suficiente, encontra para o transitório no mundo (para o seu aí presente, o passado e a sua existência presente) o equivalente emocional que o vivifica e protege, encontra a posição axiológica a partir da qual esse transitório ganha peso axiológico de acontecimento, significação e determinidade estável. O ato estético dá à luz o existir em um novo plano axiológico do mundo, nascem um novo homem e um novo contexto axiológico – o plano do pensamento sobre o mundo humanizado.

O autor deve estar situado na fronteira do mundo que ele cria como seu criador ativo, pois se invadir esse mundo ele lhe destrói a estabilidade estética” (p. 177).


2. O conteúdo, a forma, o material

“O autor visa ao conteúdo (tensão vital, ou seja, ético-cognitiva da personagem), enforma-o e o conclui usando para isso um determinado material, no nosso caso verbalizado, subordinando esse material ao seu desígnio artístico, isto é, à tarefa de concluir uma dada tensão ético-cognitiva” (p. 177).


“[...] (o dado linguístico das palavras), [...]” (p. 179).


“Contudo, precisamos compreender não o dispositivo técnico mas a lógica imanente da criação, e antes de tudo precisamos compreender a estrutura dos valores e do sentido em que a criação transcorre e toma consciência de si mesma por via axiológica, compreender o contexto em que se assimila o ato criador” (p. 179).


“Portanto, a consciência criadora do autor não é uma consciência linguística no mais amplo sentido desse termo, é apenas um elemento passivo da criação – um material a ser superado por via imanente” (p. 180).


3. A substituição do contexto axiológico do autor pelo contexto literário do material


A PALAVRA COMO RELAÇÃO: “expressão do mundo dos outros e expressão da relação do autor com esse mundo” (p. 180).


O ESTILO ARTÍSTICO “pode ser definido como um conjunto de procedimentos de informação e acabamento do homem e do seu mundo, e determina a relação também como o objeto enquanto momento do acontecimento do mundo – e isso determina posteriormente (aqui, é claro, não se trata de ordem cronológica mas de hierarquia de valores) a sua relação como significado concreto da palavra [...]” (p. 180).


“A substituição do conteúdo pelo material (ou apenas a tendência para tal substituição) destrói o desígnio artístico ao reduzi-lo a um momento secundário e totalmente condicionado – à relação como a palavra [...]” (p. 181).


“[...]; a arquitetônica do mundo artístico determina a composição da obra (a ordem, a disposição e o acabamento, o encadeamento das massas verbais) e não o contrário” (p. 182).


“Duas leis guiam uma obra de arte: a lei da personagem e a lei do autor, uma lei do conteúdo e uma lei da forma. [...]. O autor não pode inventar uma personagem desprovida de qualquer independência em relação ao ato criador do autor, ato esse que a afirma e enforma” (p. 183).


“[...] sentido da ponderabilidade axiológica, [...] verossimilhança artística [...]” (p. 184).


“No acontecimento artístico há dois participantes: um passivo-real, outro ativo (autor-contemplador) a saída de um desses participantes destrói o acontecimento artístico , restando-nos apenas uma ilusão precária do acontecimento artístico – o falseamento (o embuste artístico de si mesmo); o acontecimento artístico é irreal, não se realizou de verdade” (p. 185).


“[...] tensão ético-cognitiva [...]” (p. 185).


“[...] a realidade do acontecimento [...]” (p. 186).


4. A tradição e o estilo


“Chamamos estilo à unidade de procedimento de informação e acabamento da personagem e do seu mundo e dos procedimentos, por estes determinados, de elaboração e adaptação (superação imanente) do material” (p. 186).


“A unidade segura do estilo (grande e vigoroso) só é possível onde existe unidade da tensão ético-cognitiva da vida, indiscutibilidade do antedado guiado por ela: esta é a primeira condição. A segunda são a indiscutibilidade e a convicção da posição de distância [...]” (p. 186).


“[...] interpretar significa compenetrar-se do objeto, olhar para ele com os próprios olhos dele, renunciar à essencialidade da nossa própria distância em relação a ele; [...]” (p. 187).


“O emprego negativo dos elementos transgredientes (o excedente de visão, de conhecimento e juízo de valor), que se verifica na sátira e no cômico (não no humor, evidentemente), é determinado consideravelmente pela excepcional ponderabilidade da vida (moral, social, etc.) axiologicamente vivenciada de dentro e pela redução do peso (ou até por sua plena desvalorização) da distância axiológica, pela perda de tudo que fundamentava e consolidava a posição de distanciamento e, consequentemente, da imagem externa extra-semântica da vida; [...]” (p. 188).


“Não há uma posição de distância segura, tranquila, inabalável e rica” (p. 189).


“Não podemos mostrar o nosso álibi no acontecimento do existir. Onde esse álibi se torna premissa de criação e enunciado não pode haver nada responsável, sério nem significativo” (p. 190).


“O autor deve ser entendido, antes de tudo, a partir do acontecimento da obra como participante dela, como orientador autorizado do leitor. Compreender o autor no universo histórico de sua época, no seu lugar no grupo social, a sua posição de classe” (p. 191).


“[...] o autor é para o leitor o conjunto dos princípios criativos que devem ser realizados, a unidade dos elementos transgredientes da visão, que podem ser ativamente vinculados à personagem e ao seu mundo. Sua individuação como homem já é um ato criador secundário do leitor, do crítico, do historiador, independentemente do autor como princípio ativo da visão – um ato que o torna pessoalmente passivo” (p. 192).

  

BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. (Estétika sloviésnovo tvórtchestva) Introdução e tradução do russo Paulo Bezerra: prefácio à edição francesa Tzvetan Todorov. 4ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Coleção biblioteca universal.

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Introdução por Paulo Bezerra. Página IX a XII.


“A terminologia, o acervo de categoria de uma obra é a medula do pensamento aí exposto. [...] Se um conceito ou categoria aparece empregado de forma diferente, perde-se o sentido de unidade e organicidade do pensamento, e a obra se torna ininteligível” (p. X).


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Prefácio à edição Francesa por Tzvetan Todorov – tradução de Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão. Página XIII a XXXII.


Para os formalistas (russos) “o essencial não está na relação da obra com outras entidades – o mundo, ou o ator, ou os leitores –, mas na relação de seus próprios elementos constituivos entre si” (p. XVI).


FORMALISTAS E POSITIVISTAS NÃO RELFETREM “sobre fundamentos teóricos e filosóficos da sua própria doutrina” (p. XVI).


O FORMALISTAS NÃO CONSIDERAM DEVIDAMENTE A ARQUITETÕNICA (p. XVI).


“A estética romântica valoriza a imanência, não a transcendência” (p. XVIII).


EXTERIORIDADE E SUPERIORIDADE, TRANSGREDIÊNCIA E EXOTOPIA (p. XIX).


“[...] uma vida encontra um sentido [...] se é vista do exterior [...] completamente englobada no horizonte de alguma  outra pessoa [...]” (p. XIX).


“O autor não tem nenhuma vantagem sobre o herói, não há nenhum excedente semântico que o distinga dele, e as duas consciências têm direitos perfeitamente iguais” (p. XX).


O DIALOGISMO ACIMA DO BEM E DO MAL, DO VERDADEIRO E DO FALSO (p. XX).


MULTIPLICIDADE E RELATIVISMO SEM PRIVILÉGIOS OU HIERARQUIAS (p. XXI).


A ESCUTA DO OUTRO NÃO TRAZ O JUÍZO ABSOLUTO, MAS O COMPLEMENTAR (p. XXI).


VERDADE DIVERGE DE HONESTIDADE (FIDELIDADE ÀS CONVICÇÕES (p. XXIII).


“[...]: a multiplicidade dos homens é a verdade do próprio ser do homem” (p. XXIV).


TENTATIVA DE BAKHTIN EM REALIZAR A SÍNTESE ENTRE OS CAMPOS OU PERÍODOS “fenomenológico; sociológico; linguístico; histórico-literário” (p. XXVI).


NO PERÍODO FENOMENOLÓGICO “o acabamento só pode vir do exterior, através do olhar do outro [...]” (p. XXVI).


NO PERÍODO SOCIOLÓGICO “a linguagem e o pensamento, constitutivos do homem, são necessariamente inter-subjetivos” (p. XXVII). BAKHTIN CRITICOU “a lingüística estrutural e a poética formalista, que reduzem a linguagem a um código e esquecem que o discurso é acima de tudo uma ponte lançada entre duas pessoas, elas próprias socialmente determinadas [...]” (p. XXVII).


O PERÍODO HISTÓRICO-LITERÁRIO SOBRE O CRONÓTOPO E A “diversidade do discurso” (p. XXVIII e XXIX).


“[...] saber que o outro pode ver-me determina radicalmente a minha condição. A sociabilidade do homem funda-lhe a moral: não na piedade, nem na abstração da universalidade, mas no reconhecimento do caráter constitutivo do inter-humano. Não só o indivíduo não é redutível ao conceito, mas também o social é irredutível aos indivíduos, ainda que numerosos” (p. XXVIII).


POSIÇÕES DE BAKHTIN, CRISTÃO ORTODOXO: DEUS FORA DE MIM E CRISTO SUBLIMADO, O ABSOLUTO NÃO COMO ESSÊNCIA, MAS COMO POSIÇÃO (p. XXIX).


PREFERÊNCIA DE BAKHTIN POR GÊNEROS PRIMÁRIOS, CONVERSAÇÃO (p. XXX).


PERIGO DO RELATIVISMO E DO DOGMATISMO (p. XXXI).


“[...] a interpretação como diálogo, a única que permite recobrar a liberdade humana” (p. XXXII).


“O sentido é liberdade e a interpretação é o seu exercício: este parece ser o último preceito de Bakhtin” (p. XXXII).


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