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Estes fichamentos sobre a teoria bakhtiniana são parte de minha pesquisa de mestrado que executei na UECE sob orientação do Doutor João Batista Costa Gonçalves e da doutora Claudiana Nogueira de Alencar.
O ideal é que as fontes sejam checadas nos originais.
BAKHTIN, M (VOLOCHINOV). Marxismo e Filosofia da Linguagem. São Paulo, Hucitec-Annablume, 2002a, 9ª edição.
Capítulo 1 – Estudo das ideologias e filosofia da linguagem.
“...tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideologia.” (p. 31)
“Converte-se, assim, em signo o objeto físico, o qual, sem deixar de fazer parte da realidade material, passa a refletir e a refratar, numa certa medida, uma outra realidade.” (p. 31)
“... todo produto natural, tecnológico ou de consumo pode tornar-se signo e adquirir, assim, um sentido que ultrapasse suas próprias particularidades.” (p. 32)
“Tudo que é ideológico possui um valor semiótico.” (p. 32)
“A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e, conseqüentemente, somente no processo de interação social.” (p. 34)
“A palavra é o fenômeno ideológico por excelência.” (p. 36)
“Mas a palavra não é apenas o signo mais puro, mais indicativo; é também um signo neutro.(...) em relação à qualquer função ideológica específica. Pode preencher qualquer espécie de função ideológica: estética, científica, moral, religiosa”. É um “signo social” (p. 36-37)
“Todas as propriedades da palavra (...) – sua pureza semiótica, sua neutralidade ideológica, sua implicação na comunicação humana ordinária, sua possibilidade de interiorização e, finalmente, sua presença obrigatória, como fenômeno acompanhante, em todo ato consciente – todas essas propriedades fazem dela o objeto fundamental do estudo das ideologias. As leis da refração ideológica da existência em signos e em consciência, suas formas e seus mecanismos, devem ser estudados, antes de mais nada, a partir desse material que é a palavra.” (p. 38)
Capítulo 2 – A relação entre a infra-estrutura e as superestruturas
“As palavras são tecidas a partir de uma multidão de fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios. É portanto claro que a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam...” (p. 41)
“... cada época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso na comunicação sócio-ideológica.” (p. 43)
“Todo signo, como sabemos, resulta de um consenso entre indivíduos socialmente organizados no decorrer de um processo de interação. [Donde que há] uma mútua influência do signo e do ser” (p. 44)
“... todo signo ideológico, e portanto também o signo lingüístico, vê-se marcado pelo horizonte social de uma época e de um grupo social determinados.” (p. 44)
“Para que o objeto, pertencente a qualquer esfera da realidade, entre no horizonte social do grupo e desencadeie uma reação semiótico-ideológica, é indispensável que ele esteja ligado às condições sócio-econômicas essenciais do referido grupo. [...] é portanto indispensável que objeto adquira uma significação interindividual; [...] um valor social. (p. 45)
“[...] todos os índices de valor com características ideológicas, ainda que realizados pela voz dos indivíduos [...] constituem índices sociais de valor, com pretensões ao consenso social...” (p. 45)
“... a realidade que dá lugar à formação de um signo (é o) tema do signo. Cada signo constituído possui seu tema. Assim, cada manifestação verbal tem seu tema.” (p. 45)
“O tema ideológico possui sempre um índice de valor social. (...) O índice de valor é por natureza interindividual (...) recebe (..) formalização semiótica.” (p. 45)
“O tema e a forma do signo ideológico estão indissoluvelmente ligados.” (p. 45) social e semioticamente. (p. 46)
A palavra “reflete sutilmente as mais imperceptíveis alterações da existência social.” (p. 46)
Dentro do signo ideológico trava-se a “luta de classes” (p. 46)
“Mas aquilo mesmo que torna o signo ideológico vivo e dinâmico faz dele um instrumento de refração e de deformação do ser. A classe dominante tende a conferir ao signo ideológico um caráter intangível e acima das diferenças de classe, a fim de abafar ou de ocultar a luta dos índices sociais de valor que aí se trava, a fim de tornar o signo monovalente.” (p. 47)
“É no terreno da filosofia da linguagem que se torna mais fácil extirpar pela raiz a explicação pela causalidade mecanicista dos fenômenos ideológicos.” Fenômenos que trabalham em prol de “uma ideologia dominante estabelecida.” (p. 47)
Capítulo 3 – Filosofia da linguagem e psicologia objetiva
“A consciência constitui um fato sócio-ideológico...” (p. 48)
“A realidade do psiquismo interior é a do signo. Sem material semiótico não se pode falar em psiquismo.” (p. 49)
“O que faz de uma palavra uma palavra é sua significação.” (p. 49)
“O que faz da atividade psíquica uma atividade psíquica é, da mesma forma, sua significação.” (p. 49)
“... a atividade mental deve manifestar-se no terreno semiótico. Tanto isso é verdade que a significação só pode pertencer ao signo – sem o que ela se torna uma ficção. (...). A significação é a função do signo. O signo é uma unidade material discreta, mas a significação não é uma coisa e não pode se isolada do signo como se fosse uma realidade independente, tendo uma existência a parte do signo” (p. 51)
“... toda atividade mental é exprimível, isto é, constitui uma expressão potencial.” (p. 51)
“... tudo pode adquirir um valor semiótico, tudo pode tornar-se expressivo.” (p. 52)
“...o organismo humano não pertence a um meio natural abstrato, mas faz parte integrante de um meio social específico.” (p. 53)
“O signo ideológico é território comum, tanto do psiquismo quanto da ideologia; é um território concreto, sociológico e significante.” (p. 57)
“... todo signo ideológico exterior, qualquer que seja sua natureza, banha-se nos signos interiores, na consciência. Ele nasce deste oceano de signos interiores e aí continua a viver, pois a vida do signo exterior é constituída por um processo sempre renovado de compreensão, de emoção, de assimilação, isto é por uma integração reiterada no contexto interior.” (p. 57)
“...no contexto de minha consciência, [o] pensamento pouco a pouco toma forma, apoiando-se no sistema ideológico, pois ele mesmo foi engendrado pelos signos ideológicos que assimilei anteriormente.” (p. 58)
“... o conteúdo do psiquismo ‘individual’ é, por natureza tão social quanto a ideologia e, por sua vez, a própria etapa em que o indivíduo se conscientiza de sua individualidade e dos direitos que lhe pertencem é ideológica, histórica e internamente condicionada por fatores sociológicos.” (p. 58)
“Todo produto da ideologia leva consigo o selo da individualidade do seu ou dos seus criadores, mas este selo é tão social quanto todas as outras particularidades e signos distintivos das manifestações ideológicas”. (p. 59)
“...todo pensamento de caráter cognitivo materializa-se em minha consciência, em meu psiquismo, apoiando-se no sistema ideológico de conhecimento que lhe for apropriado.” (p. 59)
Se alguém “abstrai o conteúdo semântico (do) pensamento, ele não lidará mais com um pensamento, com signos, mas com um simples processo fisiológico de realização de um certo pensamento, de um certo signo, no organismo.” (p. 60)
“... o signo interno, isto é, a atividade mental, é acessível apenas à introspecção. (...) a própria introspecção é dotada de um caráter expressivo.” (p. 61)
“A introspecção constitui um ato de compreensão e, por isso, efetua-se, inevitavelmente, com uma certa tendência ideológica.” (p. 61)
“... o signo e a situação social em que se insere estão indissoluvelmente ligados. O signo não pode ser separado da situação social sem ver alterada sua natureza semiótica.” (p. 62)
“O problema do signo interior constitui um dos problemas essenciais da filosofia da linguagem, pois o signo interior por excelência é a palavra, o discurso interior.” (p. 62)
“O signo ideológico tem vida na medida em que ele se realiza no psiquismo e, reciprocamente, a realização psíquica vive do suporte ideológico.” (p. 64)
“Em suma, em toda enunciação, por mais insignificante que seja, renova-se sem cessar essa síntese dialética viva entre o psíquico e o ideológico, entre a vida interior e a vida exterior. Em todo ato de fala, a atividade mental subjetiva se dissolve no fato objetivo da enunciação realizada, enquanto que a palavra enunciada se subjetiva no ato de descodificação que deve, cedo ou tarde, provocar uma codificação em forma de réplica. Sabemos que cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. A palavra revela-se, no momento de sua expressão, como o produto da interação viva das forças sociais.” (p. 66)
“Portanto, a unicidade do meio social e a do contexto social imediato são condições absolutamente indispensáveis para que o complexo físico-psíquico-fisiológico (da palavra) que definimos possa ser vinculado à língua, à fala, possa tornar-se um fato de linguagem.” (p. 70-71)
Capítulo 4 – Das orientações do pensamento filosófico-lingüístico
Quando o interesse recai apenas sobre “a lógica interna do próprio sistema de signos; este é considerado, assim como na lógica, independentemente por completo das significações ideológicas que a ele se ligam.” (p. 83)
Capítulo 5 – Língua, Fala e Enunciação
“Assim o elemento que torna a forma lingüística um signo não é sua identidade como sinal, mas sua mobilidade específica; da mesma forma que aquilo que constitui a descodificação da forma lingüística não é o reconhecimento do sinal, mas a compreensão da palavra no seu sentido particular, isto é, a apreensão da orientação que é conferida à palavra por um contexto e uma situação precisos, uma orientação no sentido da evolução e não do imobilismo.” (p. 94)
“A assimilação ideal de uma língua dá-se quando o sinal é completamente absorvido pelo signo e o reconhecimento pela compreensão.” (p. 94)
“Assim, na prática viva da língua, a consciência lingüística do locutor e do receptor nada tem a ver com um sistema abstrato de formas normativas, mas apenas com a linguagem no sentido de conjunto dos contextos possíveis de uso de cada forma particular.” (p. 95)
“A significação normativa da forma lingüística só se deixa perceber nos momentos de conflito...” (p. 95)
“A palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou concernentes à vida.” (p. 95)
“ De fato, há tantas significações possíveis quantos contextos possíveis.” (p. 106)
“...é a pluralidade de acentos que dá vida à palavra. O problema da pluriacentuação deve ser estreitamente relacionado com o da polissemia.” (p. 107)
“Na realidade, o ato de fala ou, mais exatamente , seu produto, a enunciação, não pode de forma alguma ser considerado como individual no sentido estrito do termo; não pode ser explicado a partir das condições psicofisiológicas do sujeito falante. A enunciação é de natureza social.” (p. 109)
Capítulo 6 – A interação verbal
A expressão é “tudo aquilo que, tendo se formado e determinado de alguma maneira no psiquismo do indivíduo, exterioriza-se objetivamente para outrem com a ajuda de algum código de signos exteriores.” (p. 111)
“...o idealismo, que deu origem a todas as teorias da expressão, engendrou igualmente teorias que rejeitam completamente a expressão, considerada como deformação da pureza do pensamento interior.” (p. 111)
“Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas, ao contrário, é a expressão que organiza a atividade mental, que a modela e determina sua orientação.” (p. 112)
“ A situação e os participantes mais imediatos determinam a forma e o estilo ocasionais da enunciação. Os estratos mais profundos da sua estrutura são determinados pelas pressões sociais mais substanciais e duráveis a que está submetido o locutor.” (p. 114)
(...) sem uma orientação social de caráter apreciativo não há atividade mental.” (p. 114)
“...a diferenciação ideológica, o crescimento do grau de consciência são diretamente proporcionais à firmeza e à estabilidade da orientação social.” (p. 115)
“A elaboração estilística da enunciação é de natureza sociológica e a própria cadeia verbal, à qual se reduz em última análise a realidade da língua, é social”. (p. 122)
“A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.” (p. 123)
Capítulo 7 – Tema e significação na língua.
“Vamos chamar o sentido da enunciação completa o seu tema. (...) O tema da enunciação é na verdade, assim como a própria enunciação, individual e não reiterável. (...) A enunciação (...) depende da situação histórica concreta (...) em que é pronunciada e da qual constitui na verdade um elemento.
Conclui-se que o tema da enunciação é determinado não só pelas formas lingüísticas (...), mas igualmente pelos elementos não verbais da situação.” (p. 128-129)
A significação são “elementos da enunciação que são reiteráveis e idênticos cada vez que são repetidos” passível de “ser analisada em um conjunto de significações ligadas aos elementos lingüísticos que a compõe.” (p. 129)
“O tema é um sistema de signos dinâmico e complexo, que procura adaptar-se adequadamente às condições de um dado momento da evolução. O tema é uma reação da consciência em devir ao ser em devir. A significação é um aparato técnico para a realização do tema. (...) Não há tema sem significação, e vice-versa. (...) o tema deve apoiar-se sobre uma certa estabilidade da significação; caso contrário, ele perderia (...) o seu sentido. (p. 129)
“A multiplicidade das significações é o índice que faz de uma palavra uma palavra.” (p. 130)
“... não se pode traçar uma fronteira clara entre o tema e a significação.” (p. 131)
“... o tema constitui o estágio superior da capacidade lingüística de significar. De fato, apenas o tema significa de maneira determinada. A significação é o estágio inferior da capacidade de significar. A significação não quer dizer nada em si mesma, ela é apenas um potencial, uma possibilidade de significar no interior de um tema concreto. A investigação da significação de um ou outro elemento lingüístico pode (...) orientar-se para (...) o estágio superior, o tema; nesse caso tratar-se-ia da investigação da significação contextual... (ou) para o estágio inferior, o da significação: nesse caso, será a investigação da palavra no sistema da língua, (...) da palavra dicionarizada.” (p. 131)
“Só a compreensão ativa nos permite apreender o tema...” (p. 131)
“Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra. (...) a significação (...) é o efeito da interação do locutor e do receptor...” (p. 132)
“Toda palavra usada na fala real possui não apenas tema e significação no sentido objetivo, de conteúdo, desses termos, mas também um acento de valor ou apreciativo, isto é, quando um conteúdo objetivo é expresso (dito ou escrito) pela fala viva, ele é sempre acompanhado por um acento de valor ou apreciativo determinado. Sem acento apreciativo, não há palavra. (p. 132)
“Não se pode construir uma enunciação sem modalidade apreciativa. Toda enunciação compreende antes de mais nada uma orientação apreciativa. É por isso que, na enunciação viva, cada elemento contém ao mesmo tempo um sentido e uma apreciação.” (p. 135)
“Isolar a significação da apreciação inevitavelmente destitui a primeira de seu lugar na evolução social viva (onde ela está sempre entrelaçada com a apreciação) e torna-a um objeto ontológico, transforma-a num ser ideal, divorciado da evolução histórica.” (p. 135)
“...a significação, elemento abstrato igual a si mesmo, é absorvida pelo tema, e dilacerada por suas contradições vivas, para retornar enfim sob a forma de uma nova significação com uma estabilidade e uma identidade igualmente provisórias.” (p. 136)
Capítulo 8 – Teoria da enunciação e problemas sintáticos
“...definições lingüísticas não podem ser completamente divorciadas das definições ideológicas (...) não podem ser usadas para substituir uma à outra.” (p. 141)
Capítulo 9 – O discurso de outrem
“A língua existe não por si mesma, mas somente em conjunção com a estrutura individual de uma enunciação concreta. É apenas através da enunciação que a língua toma contato com a comunicação, imbui-se do seu poder vital e torna-se uma realidade. As condições da comunicação verbal, suas formas e seus métodos de diferenciação são determinados pelas condições sociais e econômicas de época.” (p. 154)
Capítulo 10 - Discurso indireto, discurso direto e suas variantes
“...elementos emocionais e afetivos (...) expressos (...) nas formas de enunciação.” (p. 159)
Capítulo 11 – Discurso indireto livre em francês, alemão e russo
“A palavra é a expressão da comunicação social, da interação social de personalidades definidas, de produtores.” (p. 188)
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BACCEGA, Maria A. Palavra e discurso. São Paulo. Ática, 1995. Série Princípios.
“As palavras têm vida. (...) O salão é o discurso...” (p. 06)
“... prática social, única manifestação concreta do conhecimento.” (p. 12)
“... os limites do nosso conhecimento são os limites da objetividade possível.” (p. 14)
“Por ser o processo de conhecimento não finito, ele nada mais é que um acúmulo de verdades parciais que vão se estabelecendo não só em diferentes épocas históricas, mas também, numa mesma época histórica, através de percursos diferentes de aproximação ao objeto.” (p. 15)
“... a palavra só assume seu significado no contexto, no discurso...” (p. 16)
“... a subjetividade nada mais é que o resultado da polifonia, das muitas vozes sociais que cada indivíduo ‘recebe’ e tem a condição de ‘reproduzir’ (paciente) e/ou de reelaborar (agente).” (p. 22)
“E é na distância que medeia a coisa representada e a representação presente na palavra, no signo, que se configura o intervalo onde se materializa a ideologia.” (p. 26)
“A interdiscursividade implica o diálogo com os outros discursos, ao mesmo tempo que revela a especificidade do discurso construído nesse processo.” (p. 27)
“...a produção de sentidos está na sociedade, está na história.” (p. 27)
“Ninguém é capaz de conhecer a realidade inteira, tudo o que existe em todos os lugares do mundo” (BACCEGA, 1995. p. 28).
“... cada um desses discursos vai refratar a realidade a partir de suas normas, visto que cada um deles tem uma função social específica na totalidade da sociedade.” (p. 31)
“A linguagem supõe sempre a existência de indivíduos socialmente organizados.” (p. 31)
Três dimensões da palavra: “procede de alguém (...), dirige-se para alguém (...) e procura persuadir...” (p. 32)
“... é no cotidiano que se pode perceber o processo de mudança social, portanto de surgimento de novos sentidos, ainda que lentos.” (p. 33)
“A ideologia só existe na prática social.” (p. 34)
“É na ideologia do cotidiano, portanto, que primeiro se pode perceber o estabelecimento do sentido.” (p. 35)
“... o novo está contido nas possibilidades do velho. Esse é um fato inscrito na linguagem.” (p. 35)
“A práxis, totalidade que inclui a linguagem, é formadora do homem ao mesmo tempo que é formada por ele. Não é a prática em oposição à teoria, como às vezes se diz. A práxis é a própria elaboração da realidade como criação humana.” (p. 36)
“... é o nível de desenvolvimento da sociedade, a sua totalidade, portanto que permite a existência dos vários campos semiológicos tal como eles se configuram num dado momento histórico.” (p. 37)
“As ‘coisas’ existem independentes de nós – são os objetos. Quando nos inteiramos com elas, através da práxis, o que era objeto passa a produto. (...) ao ser apropriado e se tornar produto, o objeto tem sua existência regulada pelas relações que estabelece com os demais objetos. Essas relações, concretizadas na existência social dos homens, estão subordinadas à ideologia. Desse modo, o produto se torna forma e passa a ser mercadoria.” (p. 39)
“... a realidade só existe enquanto atividade humana sensível e é apreendida necessariamente de modo subjetivo.” (Tálamo) (p. 40)
Os significados são “contratos’ estabelecidos entre sujeitos organizados socialmente.” (p. 40)
“...as falas emitem, na verdade, predominantemente, discursos de máscara impostos pela sociedade. (...) ditadas pela ideologia. (p. 40)
“A língua é, portanto, ela própria dialética...” (p. 43)
“... toda luta ideológica leva a uma modificação da linguagem.” (Tálamo) (p. 43)
A “constituição de uma nova palavra (é) resultado de determinadas circunstâncias histórico-sociais.” (p. 45)
“Na palavra está a manifestação do sistema de valores, da ideologia, constituída e em constituição.
Numa sociedade de classes, as práticas lingüísticas estão plenas das relações de classe.” (p. 49)
Os “processos discursivos estão instituídos nas formações discursivas, que são a manifestação das formações ideológicas.” (p. 51)
“A enunciação é, portanto, o lugar onde ‘nasce’ o discurso, o lugar de onde ‘brota’ o discurso. O enunciado é a manifestação desse discurso, quer seja na modalidade escrita da língua, quer seja na modalidade oral.
A enunciação se relaciona com a formação ideológica. A formação ideológica relaciona-se com a dinâmica das classes sociais, as quais têm interesses opostos e conflitantes. (...) há uma ideologia dominante que perpassa todas as formações ideológicas e, portanto, todas as formações discursivas.” (p. 53)
“Cada formação discursiva se apresenta como uma totalidade ela própria, desvinculada, impedindo a articulação entre as demais formações discursivas. Essa articulação significaria o percurso mais rápido para o conhecimento científico da realidade e sua mudança/transformação.” (p. 55)
“... sujeito e sentido resultam das formações discursivas e a elas retornam, modificando-as e modificando-se.” (p. 57)
A “comunicação só se efetiva quando ela é apropriada e se torna fonte de outro discurso...” (p. 58)
A palavra “só assume seu significado no jogo das realidades discursivas.” (p. 64)
A história é “signo” e “prova da realidade”, o “discurso histórico” e a “práxis”, (p. 65) oficial ou não. (p. 66)
O estudo da história envolve a seleção por parte do “sujeito-historiador” de qual acontecimento é fato histórico. (p. 68)
“... o indivíduo/sujeito está preso a determinada formação ideológica/formação discursiva (...) que o encaminha para determinadas articulações dos fatos históricos...” (p. 71)
Estético significa “‘sensível’, ‘sensitivo’” (p. 72)
“O reflexo/refração (dos) objetos e ações na consciência do homem constitui a consciência estética, que está inter-relacionada não só à sociedade como um todo mas também à classe social ou grupo social.” (p. 72)
“O mesmo objeto do conhecimento, a mesma realidade poderá apresentar-se de modos diversos, para indivíduos/sujeitos diferentes de acordo com os condicionamentos sociais de cada um, de acordo com seus sistemas de referência.” (p. 73)
“O indivíduo não é independente na medida em que é ponto de chegada dos condicionamentos sociais; ele é autônomo na medida em que, a partir disso, é capaz de novas elaborações.” (p. 73)
A “apreensão estética é o nível mais elevado de abstração do real.” (p. 74)
“... as palavras, ao formarem novos enunciados, adquirirão aí, uma nova ‘avaliação’, que pode, inclusive, se chocar com a precedente.” (p. 75)
“As palavras tomam posição umas diante das outras de maneira dialógica...” (p. 75)
“A ciência dá-nos um conhecimento conceptual de uma situação; a arte dá-nos a experiência dessa situação, o que é equivalente à ideologia.”. (EAGLETON) (P. 80)
“O discurso, manifestação textual das formações ideológicas/formações discursivas [...] tem de supor sempre o conjunto das relações sociais que o constituem e que estão inscritas na palavra, matéria-prima de que ele se utiliza.” (p. 81)
“... toda palavra precisa de alguém que a assuma, de outro que a ouça e tem por finalidade persuadir.(...)
Para que a persuasão tenha condições mínimas de estabelecer-se, os discursos terão de se verossímeis, entendo-se aqui a palavra verossímil como a possibilidade da existência desse discurso já virtualmente prevista naquele domínio (...) e assim reconhecida socialmente (...)
(...) tanto o discurso da história quanto o da ficção são conotativos no sentido que (...) estabelecido o signo como significado e significante, esse signo passará a ser o significante de um outro signo, manifestando, portanto, outro significado.” (p. 82)
“... o útil é o verdadeiro em razão do critério de eficácia; o critério de validez é o da funcionalidade (...)” (MOTTER) (p. 83-84)
A “verdadeira substância (da palavra) é o fenômeno social da interação verbal.” (p. 88)
“... os sentidos das palavras se vinculam às ações humanas. Logo, toda relação que o indivíduo/sujeito terá com a linguagem passará forçosamente pelo discurso.” (p. 90)
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FIORIN, José L. Linguagem e Ideologia. São Paulo, Contexto. 2001.
“A lingüística estrutural foi chamada lingüística burguesa.” (p. 06)
A linguagem “é uma instituição social, o veículo das ideologia, o instrumento de mediação entre os homens e a natureza, os homens e os outros homens.” (p. 06)
“A linguagem é um fenômeno complexo, que pode ser estudado de múltiplos pontos de vista, pois pertence a diferentes domínios. É ao mesmo tempo, individual e social, física, fisiológica e psíquica. Por isso, dizer que a linguagem sofre determinações sociais e também goza de uma certa autonomia em relação às formações sociais não é uma contradição. (p. 08-09)
São distintos o “sistema virtual (a língua) e sua realização concreta. O sistema é social no sistema de que ele é comum a todos os falantes de uma dada comunidade lingüística.” (p. 10)
“O sistema é um conjunto de elementos com uma organização interna, ou seja, com uma estrutura.” (p. 11)
“Na realização concreta do sistema é necessário distinguir o discurso da fala.” (p. 11)
“O discurso são as combinações de elementos lingüísticos (...) usados pelos falantes com o propósito de (...) agir sobre o mundo. A fala é a exteriorização psico-físico-fisiológica do discurso. Ela é rigorosamente individual, pois é sempre um eu quem toma a palavra e realiza o ato de exteriorizar o discurso.” (p. 11)
“A fala (é) ato concreto, momentâneo e individual de manifestação da linguagem.” (p. 12)
“A história do sistema passa a ser uma história relativamente autônoma em relação às formações sociais em que ele está presente.” (p. 15)
“A sintaxe discursiva compreende os processos de estruturação do discurso (para gerar) um efeito de sentido.” (p. 17)
“A semântica discursiva abarca os conteúdos que são investidos nos moldes sintáticos abstratos.” (p. 18)
“A sintaxe discursiva goza de certa autonomia em relação às formações sociais, enquanto a semântica depende mais diretamente de fatores sociais.” (p. 18)
“A sintaxe discursiva é o campo da manipulação consciente. [...] para criar efeitos de sentido de verdade ou de realidade com vistas a convencer seu interlocutor [por meio de] certos procedimentos argumentativos e não outros.” (p. 18)
“A semântica discursiva é o campo da determinação ideológica propriamente dita. Embora esta seja inconsciente, também pode ser consciente.” (p. 19)
“É preciso estabelecer uma diferença entre um nível profundo e um nível de superfície. (...) Os elementos semânticos que aparecem na superfície (...) são variações que concretizam um elemento semântico invariante, mais abstrato e mais profundo...” (p 20)
“É no nível superficial, isto é, na concretização dos elementos semânticos da estrutura profunda, que se revelam, com plenitude, as determinações ideológicas.” (p. 21)
“... o falante pode dar valores distintos aos elementos semânticos que utiliza.” (p. 21)
“Temas e figuras são dois níveis de concretização dos elementos semânticos da estrutura profunda.” (p. 24)
“Tema é um elemento semântico que designa um elemento não-presente no mundo natural, mas que exerce o papel de categoria organizadora dos fatos observáveis. (...). Figura é o elemento semântico que remete a um elemento do mundo natural. (...). A distinção entre ambos é, pois, de maior ou menor grau de concretude. (onde) concreto e abstrato são dois pólos de uma escala que comporta toda espécie de gradação.” (p. 24)
“Não existem textos exclusivamente figurativos ou temáticos.” (p. 24)
“Nos textos não-figurativos, a ideologia manifesta-se, com toda a clareza, no nível dos temas.” (p. 25)
A “relação temas-figuras revela um universo ideológico...” (p. 25)
“Numa formação social, temos dois níveis de realidade: um de essência e um de aparência, ou seja, um profundo e um superficial, um não-visível e um fenomênico.” (p. 26)
“... no nível fenomênico, a realidade põe-se invertida.” (p. 27)
“... nível de aparência é a inversão do nível de essência.” (p. 28)
“A partir do nível fenomênico da realidade, constroem-se as idéias dominantes numa dada formação social. Essas idéias são racionalizações que explicam e justificam a realidade.” (p. 28)
“A esse conjunto de idéias, a essas representações que servem para justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com os outros homens é o que comumente se chama ideologia. Como ela é elaborada a partir das formas fenomênicas da realidade, que ocultam a essência da ordem social, a ideologia é ‘falsa consciência’”. (p.28)
“A inversão da realidade é ideologia.” (p. 29)
“Todo conhecimento está comprometido com os interesses sociais.” (p. 29)
Não há “separação entre ciência e ideologia, pois esta, mesmo tomada no sentido de ‘falsa consciência’, constrói-se a partir da realidade, só que de suas formas fenomênicas.” (p. 29)
“A ideologia é constituída pela realidade e constituinte da realidade.” (p. 30) não existe determinação direta e mecânica da economia, mas uma determinação complexa. (p. 31)
“No modo de produção capitalista, a ideologia dominante é a ideologia burguesa.” (p. 31)
A formação ideológica é a “visão de mundo de uma determinada classe social” e a formação discursiva é “o conjunto de temas e de figuras que materializa uma dada visão de mundo”. (p. 32)
“A realidade exprime-se pelo discurso.” (p. 33)
“... se dissermos que o que caracteriza o pensamento humano é seu caráter conceptual, o pensamento não existe fora da linguagem.” (p. 33)
“...as formações ideológicas só ganham existência nas formações discursivas. (p. 34)
“O discurso não é, pois, a expressão da consciência, mas a consciência é formada pelo conjunto dos discursos interiorizados pelo indivíduo ao longo de sua vida.” (p. 35)
“... o homem não é apenas uma individualidade que reside no espírito. É também e principalmente produto de relações sociais ativas e inteligentes.” (p. 36)
“Não há possibilidade de existir um homem livre de todas as coerções sociais.” (p. 36)
“Ora, se a consciência é constituída a partir dos discursos assimilados por cada membro de um grupo social e se o homem é limitado por relações sociais, não há uma individualidade de espírito nem uma individualidade discursiva absoluta.” (p. 36)
“O signo lingüístico é formado por dois componentes: um conceito e um suporte do conceito, que serve para expressá-lo, manifesta-lo, veicula-lo. Ao conceito chama-se significado ou conteúdo; ao suporte denomina-se significante ou expressão. O significado é a parte inteligível do signo, enquanto a expressão é a parte dizível ou sensível. (p. 37)
“O discurso pertence ao plano do conteúdo. Ele é manifestado por um plano de expressão.” (p. 37)
“... o texto faz parte do nível da manifestação.” (p. 38)
“Se o mesmo conteúdo pode manifestar-se por diferentes planos de expressão, a distinção entre imanência e manifestação, entre discurso e texto, deve ser feita.” (p. 38)
“... no nível da manifestação, significados novos agregam-se ao discurso e outros conteúdos deixam de se veiculados, devido às coerções do material e aos efeitos estilísticos da expressão.
(que) estabelecem uma homologia entre expressão e conteúdo, procurando manifestar o conteúdo na expressão e não apenas pela expressão.” (p. 38)
“A coerção do material é responsável pelo fato de determinados aspectos do sentido serem mais bem expressos por um tipo de manifestação do que por outros.” (p. 39)
“... o mesmo discurso pode ser manifestado por diferentes meios de expressão. Nessa manifestação, atuarão as coerções do material e agregar-se-ão os conteúdos engendrados pelos efeitos estilísticos da expressão.” (p. 40)
“O texto é, pois, individual, enquanto o discurso é social. Há um nível grande de liberdade no âmbito da textualização, enquanto, no nível discursivo, o homem está preso aos temas e às figuras das formações discursivas existentes na formação social em que está inserido.” (p. 41)
“Na medida em que é determinado pelas formações ideológicas, o discurso cita outros discursos. Os mesmos percursos temáticos e figurativos se repetem. (...). Porque o discurso tem essa função citativa, a liberdade discursiva é muito pequena, quando não é nula.” (p. 41)
“O enunciador é o suporte da ideologia. (...). Seu dizer é a reprodução inconsciente do dizer de seu grupo social.” (p. 42)
“[...] falante, suporte das formações discursivas, ao construir seu discurso, investe nas estruturas sintáticas abstratas temas e figuras, que materializam valores, carências, desejos, explicações, justificativas e racionalizações existentes em sua formação social” (FIIORIN, 2001. p. 43)
O falante “(p)or ser produto de relações sociais, assimila uma ou várias formações discursivas, que existem em sua formação social, e as reproduz em seu discurso.” (p. 43)
“Na medida em que as formações discursivas materializam as formações ideológicas e estas estão relacionadas às classes sociais, os agentes discursivos são as classes e as frações de classe. (...) a formação discursiva dominante é a da classe dominante.
O ‘árbitro’ da discursivização não é o indivíduo, mas as classes sociais.” (p. 43)
O “discurso crítico não surge do nada, do vazio, mas se constitui a partir dos conflitos e das contradições existentes na realidade.” (p. 44)
“Na medida em que o homem é suporte de formações discursivas, não fala, mas é falado por um discurso.” (p. 44)
O discurso “é um lugar de trocas enunciativas, em que a história pode inscrever-se, uma vez que é um espaço conflitual e heterogêneo ou um espaço de reprodução.” (p. 45)
“Quando um discurso cita outro discurso, os textos que os veiculam não precisam necessariamente remeter um ao outro, mas quando um texto cita outro texto, os discursos veiculados por eles também se citam.” (p. 47)
“Só se pode, pois, falar em contrato e polêmica entre textos e discursos, porque expressam conflitos e acordos existentes na realidade social.” (p. 48)
“O sujeito inscrito no discurso é um ‘efeito de sentido’ produzido pelo próprio discurso, isto é, seus temas e suas figuras é que configuram a ‘visão de mundo’ do sujeito. Se, do ponto de vista genético, as formações ideológicas materializadas nas formações discursivas é que determinam o discurso, do ponto de vista da análise, é o discurso é que vai revelar quem é o sujeito, qual é sua visão de mundo.” (p. 49)
“A análise, em síntese, não se interessa pela ‘verdadeira’ posição ideológica do enunciador real, mas pelas visões de mundo dos enunciadores (um ou vários) inscritos no discurso.” (p 51)
“A linguagem formou-se, no decorrer da evolução filogenética, constituindo um produto e um elemento da atividade prática do homem. Á medida que os sistemas lingüísticos se vão constituindo, vão ganhando certa autonomia em relação às formações ideológicas. Entretanto, o componente semântico do discurso continua sendo determinado por fatores sociais. É esse componente que contém a visão de mundo veiculada pela linguagem. Por isso, essa visão de mundo não é arbitrária, mas resulta de fatores sociais, não podendo, por conseguinte, ser alterada em razão de uma escolha arbitrária.” (p. 53)
“... o discurso não reflete uma representação sensível do mundo, mas uma categorização do mundo, ou seja, uma abstração efetuada pela prática social. (...). A forma de apreensão depende do sujeito cognoscente, isto é, do gênero de prática, acumulada na filogênese e na ontogênese, de que dispõe. É por isso que uma mesma realidade pode ser apreendida diversamente por homens distintos.” (p. 54)
Os “estereótipos só estão na linguagem porque representam a condensação de uma prática social.” (p. 55)
“... o discurso é, ao mesmo tempo, prática social cristalizada e modelador de uma visão de mundo.” (p. 56)
“No caso dos textos não-figurativos, as coerções ideológicas manifestam-se, com toda nitidez, no nível dos temas.” (p. 57)
“... os temas (...) constroem-se a partir de formas aparentes de realidade.” (p. 59)
“O nível temático (é) uma dada visão de mundo determinada, em última instância, pela infra-estrutura econômica.” (p. 60)
“O texto (revela) temas e figuras de uma dada formação discursiva...” (p. 61)
“A língua em si não é um fenômeno que tenha um caráter de classe (...) No entanto, as classes usam a linguagem para transmitir suas representações ideológicas. Ela também não é um fenômeno da superestrutura, mas o veículo das representações ideológicas. Por isso, a uma alteração das relações sociais de produção pode acabar por corresponder uma mudança nas formações ideológicas e, por conseguinte, nas formações discursivas.” (p. 72)
“Quando um enunciador comunica alguma coisa, tem em vista agir no mundo.” (p. 73)
“... a linguagem pode ser instrumento de libertação ou de opressão, de mudança ou de conservação.” (p. 74)
“a) as formações discursivas, constituídas por um conjunto de temas e de figuras, materializam as formações ideológicas.
b) essas formações discursivas são fenômenos de superestrutura, embora a linguagem em geral e a língua em particular sejam apenas o instrumento de materialização das representações ideológicas.
c) o uso de um determinado discurso é, de certa forma, uma ação no mundo.” (p. 75)
“A concepção do discurso como fenômeno, ao mesmo tempo, autônomo e determinado obriga a análise a voltar-se para dentro e para fora, para o texto e para o contexto, para os mecanismos internos de agenciamento de sentido e para a formação discursiva que governa o texto.” (p. 77)
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Bakhtin, Mikhail M. Problemas da poética de Dostoievski. Rio de Janeiro. Forense Universitária, 2002. 3ª edição
Capítulo: O discurso em Dostoievski (p. 181-275)
“...o discurso ou seja, a língua em sua integridade concreta e viva e não a língua como objeto específico da lingüística, obtido por meio de uma abstração absolutamente legítima e necessária de alguns aspectos da vida do discurso. (...) as pesquisas metalingüísticas, evidentemente, não podem ignorar a lingüística e devem aplicar os seus resultados. A lingüística e a metalingüística estudam um mesmo fenômeno, concreto, muito complexo e multifacético – o discurso, mas estudam sob diferentes aspectos e diferentes ângulos de visão. (p. 181)
“O problema não está na existência de certos estilos de linguagem, dialetos sociais, etc., essa estabelecida por meio de critérios meramente lingüísticos; o problema está em saber sob que ângulo dialógico eles confrontam ou se opõem na obra” Bakhtin (2002b. p. 182).
“As relações dialógicas (inclusive as relações dialógicas do falante com sua própria fala) são objetos da metalingüística.” (p.182)
“Assim, as relações dialógicas são extralingüísticas. [...] Toda a vida da linguagem, seja qual for o seu campo de emprego (a linguagem cotidiana, a prática, a científica, a artística, etc.) está impregnada de relações dialógicas.” (p. 183)
“As relações dialógicas são absolutamente impossíveis sem relações lógicas e concreto-semânticas mas são irredutíveis a estas e têm especificidade própria.
Para se tornarem dialógicas, as relações lógicas e concreto-semânticas devem, como já dissemos, materializar-se, ou seja, devem passar a outro campo da existência, devem tornar-se discurso, ou seja, enunciado e ganhar autor, criador de dado enunciado cuja posição ela expressa.” (p.184)
“A reação dialógica personifica toda enunciação a qual ela reage.” (p. 184)
O discurso bivocal “surge inevitavelmente sob condições da comunicação dialógica, ou seja, nas condições da vida autêntica da palavra.” (p. 184-185)
“... a palavra tem duplo sentido, voltado para o objeto do discurso enquanto palavra comum e para um outro discurso, para o discurso de um outro (p. 185)”
“O enfoque comum toma o discurso nos limites de um discurso contexto monológico (...) em relação ao seu objeto (...) ou em relação a outras palavras do mesmo contexto...” (p. 185)
“Dois discursos iguais e diretamente orientados para o objeto não podem encontrar-se lado a lado nos limites de um contexto sem se cruzarem dialogicamente, não imposta que um confirme o outro ou se completem mutuamente ou, ao contrário, estejam em contradição ou em quaisquer outras relações dialógicas...” (p. 189)
Um “autor pode usar o discurso de um outro para os seus fins pelo mesmo caminho que imprime nova orientação semântica ao discurso que já tem sua própria orientação e a conserva” (BAKHTIN, 2002b. p. 189)
“O discurso convencional é sempre um discurso bivocal.” (p. 191)
A voz do outro é “voz socialmente determinada, portadora de uma série de pontos de vista e apreciações, precisamente as necessárias ao autor.” (192)
“... estilo pressupõe a existência de pontos de vista autorizados e apreciações ideológicas autorizadas e duradouras.” (192)
O caráter bivocal do discurso caracteriza-se “pela interseção nele verificada de duas vozes e dois acentos.” (p. 193)
“O discurso se converte em palco de luta entre duas vozes.” (p. 194)
“No discurso prático da vida é extremamente difundido esse emprego do discurso do outro, sobretudo no diálogo em que um interlocutor muito amiúde repete literalmente a afirmação de outro interlocutor, revestindo-a de novo acento e acentuando-a a seu modo...” (p. 195)
“As palavras do outro, introduzidas na nossa fala, são revestidas inevitavelmente de algo novo, da nossa compreensão e da nossa avaliação, isto é, tornam-se bivocais.” (p. 195)
“O nosso discurso da vida prática está cheio de palavras de outros.” (p. 195)
“... a palavra de outro não se reproduz sem nova interpretação mas age, influi e de um modo ou de outro determina a palavra do autor, permanecendo ela mesma fora desta. Assim é a palavra na polêmica velada, e na maioria dos casos, na réplica dialógica.” (p. 195-196)
“O colorido polêmico do discurso manifesta-se em outros traços puramente lingüísticos: na entonação e na construção sintática.” (p. 196)
“A maneira individual pela qual o homem constrói seu discurso é determinada consideravelmente pela sua capacidade inata de sentir a palavra do outro e os meios de reagir diante dela.” (p. 197)
“A consideração do contra-argumento (Gegenrede) produz mudanças específicas na estrutura do discurso dialógico...” (p. 197)
“... o fenômeno do dialogismo velado, (...) não coincide com o fenômeno da polêmica velada.” (p. 197)
“...as relações de reciprocidade com a palavra do outro no contexto vivo e concreto não têm caráter estático mas dinâmico.” (p. 199)”
“Só (os) fenômenos monovocais são acessíveis (à) estilística lingüística superficial.” (p. 199)
A metalingüística “estuda a palavra não no sistema da língua e nem num ‘texto’ tirado da comunicação dialógica, mas precisamente no campo propriamente dito da comunicação dialógica, ou seja, no campo da vida autêntica da palavra. A palavra não é um objeto, mas um meio constantemente ativo, constantemente mutável de comunicação dialógica.” (p. 203)
“O discurso culto é um discurso refratado através de um meio autorizado e sedimentado.” (p. 203)
“... todas as elucidações pleni-significativas do auto se incorporarão a um centro do discurso e a uma consciência, todos os acentos a uma voz.” (p. 205)
“A repetição das palavras se deve a empenho de reforçar-lhes a aceitabilidade ou dar-lhes um novo matiz tendo em vista a possível reação do interlocutor.” (p. 207)
“... profundo dialogismo e o caráter polêmico da consciência de si mesmo e das afirmações sobre si mesmo.” (p. 208)
“... reestruturação acentual e sintática do discurso.” (p. 209)
“... a consciência do outro e a palavra do outro suscitam fenômenos específicos, que determinam a evolução temática da consciência de si mesmo...” (p. 210)
As palavras “conservam o mesmo conteúdo mas mudam o tom e o seu último sentido” na transferência entre bocas.” (p. 218)
O “autor pode colocar aspas em qualquer lugar” (p. 220) pela “fusão dissonante de duas réplicas (...) a construção bivocal dissonante” com seus acentos (p. 221).
A “interferência de vozes” se dá pelas análises contrapontísticas (p. 222) de vozes e tonalidades diferentes (223) onde a palavra do outro penetra de modo paulatino e insinuante na consciência e no discurso do (outro) (p. 224) “orientadas para fins diversos”. (p. 225).
Os pontos de vista, a responsabilidade do autor (p. 226) revelam-se “pelo choque e a dissonância de diferentes acentos nos limites de um todo sintático” o que prova que os “autênticos fatores formadores do estilo ficam fora do campo de visão da estilística lingüística” (p. 227) só sendo acessíveis pela metalingüística.
A perspectiva e o uso da voz refratada integram o estilo dialógico da réplica, marcam a “quebra do acento” e a “gradação do tom (...) sob a reação antecipável do outro” (p. 228-231)
A antecipação da resposta do outro é a busca pela última palavra. (p. 232)
Uma “réplica gera outra (...) em movimento perpétuo.” (p. 233)
A “orientação interiormente polemizada dirigida ao interlocutor” oriunda da influência da “imagem do outro” constrói um jogo discursivo de evasivas que permite a contestação ou a concordância do outro quanto ao “último sentido” do enunciado (p. 234-237)
A dissonância de vozes dos interlocutores opõe-se à univocidade em virtude do choque de “apreciações, pontos de vista” que se origina quando o discurso entra em contato “dialogicamente com outro discurso”, com palavras compartilhadas socialmente e revestidas “diretamente de um novo acento”. (p.238-241)
O “material semântico” e a “escolha dos meios de significação” marcados por “um deslocamento de acentos”, ou seja, “a reorientação desses acentos” que “determina todo o estilo e o tom do todo” torna o discurso ideológico e acarreta uma “idéia acerca do mundo” (p. 242-245)
A “orientação recíproca do discurso” com sua “diretriz dialógica interior voltada para o outro” se traduz “pelos traços externos do estilo com seus acentos e particularidades sintáticas” possibilitadoras de “réplicas antecipáveis” e constituintes de uma “dual posição ideológica” com estilo e tom particulares (p. 246- 253)
O “discurso só é possível no diálogo real com um outro.” (p. 254)
Sem dissonância não há “variedade de tons e estilos” ou perspectiva. (p. 255)
“Somente na comunicação, na interação do homem com o homem revela-se o ‘homem no homem’ para outros ou para si mesmo.” (p. 256)
“Ser significa comunicar-se pelo diálogo.” (p. 257)
A polêmica interior gera “o diálogo interior (ou seja, o microdiálogo)” dependente de uma circunstância marcado por acentos opostos e diferentes vozes. (p. 258-262)
“A combinação dissonante” de vozes penetra os discursos reais com uma antecipável orientação mútua para a réplica em virtude da manifestação de vontades. (p. 262-265)
A “voz monológica integral” e “um firme acento monologado” buscam um “tom convincente e seguro” (p. 266)
O acento ou tom persuasivo “denota uma luta interior” entre vozes. (p. 267)
A atitude dual refere-se às dissonâncias discursivas de tom e de colocação no todo do diálogo o que revela a polifonia e a dissonância do tema, encarado “sob diferentes ângulos dialógicos.” (p. 268-272)
A “consciência pensante do homem e o campo dialógico do ser (...) não se prestam ao domínio artístico se enfocados de posições monológicas.” (p. 273)
“Ao nascer, um novo gênero nunca suprime nem substitui quaisquer gêneros existentes.” (p. 273)
A essência do universo é a inconclusibilidade e o caráter dialógico aberto. (275)
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O pensamento marxiano chama atenção para a negatividade da ideologia, que, amparado pelo determinismo econômico, presume a ideologia como um elemento legitimador das relações de produção da sociedade de classes. Nesse sentido, Karl Marx e Friedrich Engels sugerem que “as relações que fazem de determinada classe a classe dominante são, também, as que conferem o papel dominante às suas idéias” (MARX & ENGELS, 1987, p. 49). Porém, questões valorativas tornam possível compreender os comportamentos humanos não como frutos de uma “falsa consciência” determinada por interesses relacionados exclusivamente aos meios econômicos de produção, mas como visões de mundo legitimadas historicamente. John Thompson ressalta essa hipótese em sua “concepção latente de ideologia” em Marx: “[...] os fenômenos apresentados como sendo essa concepção latente de ideologia não são meros epifenômenos das condições econômicas e das relações de classe; ao contrário, eles são construções simbólicas que têm certo grau de autonomia e eficácia. Eles se constituem em símbolos e slogans, costumes e tradições que mobilizam as pessoas ou prendem-nas, empurram-nas para frente ou constrangem-nas, de tal modo que não podemos pensar estas construções simbólicas unicamente como determinadas, ou totalmente explicadas, em termos de condições econômicas de produção” (THOMPSON, 1995, p. 58).
A concepção latente de ideologia é fundamentada por Thompson a partir das conclusões de Marx acerca da influência de valores e tradições oriundas de épocas passadas nos atos políticos engendrados pelos homens (MARX, 1997, p. 21) (Oliveira, 2004. p. 187)
http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n23/24634.pdf acesso em 04/09/2009 às 15:47h)
OLIVEIRA, Marcus R. de. A ideologia anticomunista no Brasil. in Revista de Sociologia e política. nº 23: Curitiba. Nov. 2004. (p. 185-188)
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“O filósofo marxista Althusser ([1969] 1985) concebe a ideologia como imaginário que intermedeia a relação das pessoas com suas condições de existência.” (p. 159)
Para Althusser “a ideologia intervém não só na representação dos sujeitos em relação às suas condições sociais, mas também na imagem que os sujeitos têm das formulações linguísticas recebidas ou produzidas.” (p. 160)
“Na perspectiva althusseriana, todos os Aparelhos do Estado, sejam repressivos ou ideológicos, funcionam ora através da repressão, ora através da ideologia.” (p. 161)
Althusser, em Nota sobre os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) (1976), contra- argumenta, afirmando que não é pertinente compreender a ideologia dominante como algo estanque, que se dá independentemente da luta de classes. Essa ideologia, para assegurar sua posição, para reproduzir-se, necessita contínua e eternamente entrar em conflito com a antiga ideologia dominante e com a ideologia da classe dominada. Por isso, os AIE não são apenas o lugar de imposição de uma ideologia soberana, mas também são domínios onde há luta de classes, isto é, resistência. (p. 162)
“...no âmbito da Análise do Discurso de linha francesa, devemos considerar a ideologia e o discurso como instâncias diferentes, ou seja, que se interligam constantemente, mas não se confundem.” (p. 164)
“...os sentidos não podem ser compreendidos presos aos significantes, mas constituídos a partir das “posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões e proposições são produzidas (isto é, reproduzidas)” (PÊCHEUX, [1975] 1995, p. 160). (p. 165)
Conforme Thompson ([1990] 1995), na literatura da teoria social e política das últimas décadas há vários conceitos de ideologia que podem ser agrupados em duas categorias gerais: “concepções neutras de ideologia” e “concepções críticas de ideologia” (p. 14, 72)
As acepções neutras retiram qualquer sentido negativo do termo ideologia, que significa “sistemas de pensamento” (“sistemas de crenças”, “sistemas simbólicos”) pertencentes às ações sociais e políticas (p. 14). Nessa perspectiva, a ideologia pode estar tanto nas tentativas de manutenção como nas de subversão da ordem social; é utilizada por dominantes ou dominados.
As acepções críticas de ideologia assemelham-se por considerarem que os acontecimentos denominados ideológicos são enganadores, ilusórios. Contudo, essas acepções diferem quanto aos fundamentos que transformam a ideologia em algo negativo; utilizando a expressão de Thompson, há diferentes “critérios de negatividade” (p. 73) [grifos do autor]. (p. 165.)
SILVA, Renata. Linguagem e ideologia: Embates teóricos. in Linguagem em (Dis)curso – LemD, v. 9, n. 1, p. 157-180, jan./abr. 2009
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“...o enunciado é a unidade da comunicação verbal que permite tratar a linguagem como movimento de interlocução real, ultrapassando a ficção científica postulada no velho paradigma “emissor-mensagem-receptor. (...) toda enunciação envolve a constituição de algo que se molda, desde o início, na direção de uma atitude “responsiva ativa” a ser tomada pelo interlocutor. “Responsivo”, portanto, nesse caso, nada tem a ver com a noção de “respondente” do behaviorismo de Watson, mas com a capacidade do interlocutor de proporciona uma resposta, ou réplica, ao enunciado de quem o interpela. Um enunciado é um ato de linguagem cujos contornos permitem e solicitam que um outro realize uma apreciação valorativa (um estabelecimento de valores) com relação àquilo que falamos ou escrevemos”. (p. 01-02)
“O enunciado entra numa relação direta com a realidade (há uma realidade, para além da linguagem, ao lado dela, junto a ela, com a qual ela entra em relação) e com os enunciados alheios...” (p. 03)
“No limite, qualquer tema é relativamente, mas na enunciação circunscrita às situações sociais concretas, todo enunciado receberá um acabamento, mesmo que relativo e provisório.” (p. 04)
O intuito do locutor é o lugar em que se circunscreve o objeto do sentido a ser tratado “exaustivamente”, formando uma “unidade indissolúvel” entre os elementos subjetivos e objetivos do enunciado. [...] o intuito se materializa na escolha de um gênero discursivo. Os gêneros do discurso se tornam-se assim o principal critério na definição de um acabamento específico do enunciado – que é a unidade real da comunicação verbal [...] (p. 04)
“A definição de gêneros de discurso materializa uma das contundentes críticas bakhtininas ao objetivismo abstrato saussureano.” (p. 04)
“É mediante a escolha de gêneros socialmente produzidos que a autoria individual pode se realizar, e tal escolha nunca é totalmente arbitrária ou aleatória, pois necessita constituir um acabamento que permita e solicite a atitude de um outro”. (p. 04-05)
“... os gêneros sendo sociais não são restritivos, impeditivos, da individualidade, mas uma condição imprescindível à sua constituição.” (p. 05)
“Diferentes gêneros podem mesmo discrepar, misturarem-se, contaminarem-se, atravessando esferas alheias...” (p. 05)
“... forças sociais em jogo, em luta, na determinação do sentido de uma enunciação real, numa concepção que se diferencia tanto do “objetivismo abstrato” (o componente social da linguagem tomado como forma abstrata e anônima) quanto do “subjetivismo idealista” (O componente concreto da linguagem tomado como de origem individual e ideal) (...) o gênero, pautando-se em normas culturais, é social, mas sendo social não inviabiliza variações individuais dentro de esferas concretas de enunciação (...) o social e o individual (...) momentos indissociáveis de um só movimento dialético e dialógico interconstituivo.” (p. 05-06)
“Sendo assim a posição bakhtiniana opõe-se ao egocentrismo e etnocentrismo próprios às definições cartesianas de sujeito e subjetividade, rompendo com uma primazia estrutural das formas lógicas. Compreensão e juízos de valor constituem-se antes em tramas “dialógicas” que ultrapassam a interioridade de um cogito, pois não começam nem terminam dentro de nós. Não se trata assim de afirmar uma suposta harmonia ou transparência intersubjetiva nas alternâncias entre os falantes, mas de evidenciar o fato de que, numa direção ou noutra, a locução carrega marcas do lugar ao qual se dirige , justamente na tentativa de atingi-lo. Nesse movimento, nossas visões de mundo se sustentam ou se refazem, entram em crise e se constituem. A apreciação, assim, não se aliena da experiência, como emoção e provação,mas também não se reduz a sua fruição epidérmica, pois é uma ação semiótica social, elo de uma corrente histórica que constitui sentidos e significados.” (p. 07)
DELARI JUNIOR, Achilles. Enunciado como Unidade da comunicação – uma leitura do texto de Mikhail Bakhtin. (s/d)
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O dialogismo diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma comunidade, uma cultura, uma sociedade. É nesse sentido que podemos interpretar o dialogismo como o elemento que instaura a constitutiva natureza interdiscursiva da linguagem. (BRAIT (1997) apud BARREIROS e CAMARGO, s/d. p. 1793):
“... a linguagem é entendida como toda forma de manifestação humana socialmente e culturalmente determinada e que a palavra é uma dessas formas de manifestação que se revela em enunciados orais e escritos.” (p. 1793)
“... é bastante comum encontrarmos enunciados em que algumas palavras que figuram em nosso conhecimento de mundo com um determinado sentido serem empregadas em novos
contextos, com novas significações, o que nos leva a uma reavaliação/adequação do arquétipo vocabular.” (p.1793)
“As palavras quando expressas em discurso, oral ou escrito, são selecionadas pelo locutor para compor um determinado gênero discursivo, atendendo à situação discursiva desejada. Esta, por sua vez, está imbuída de um tema, uma expressividade, marcada por estilo e entonações.” (p. 1794)
“Mesmo os formalistas já entendiam que as atividades humanas, em todas as esferas, eram mediatizadas pela língua(gem). Contudo, a teoria do Círculo foi mais longe, propôs que os estudos da língua não se pautassem apenas no sistema como pretendiam os formalistas, mas em uma perspectiva interacionista e nesta nova visão é preciso considerar outros aspectos presentes em qualquer manifestação oral ou escrita, como intenção, situação, momento histórico, etc. Essa nova perspectiva propõe a análise da interação humana não mais focada apenas no verbal, mas também no extraverbal...” (p.1794)
“...todo processo de interação é marcado ideologicamente e o discurso que media essa interação está investido de apreciações valorativas decorrentes da visão de mundo dos envolvidos no processo verbal. Em virtude disso, a língua, não pode ser avaliada de forma neutra ou ingênua.” (p.1794)
“... cada enunciado se configura em um elo da cadeia complexa de outros enunciados.” (p. 1795)
“A totalidade acabada do enunciado que provoca uma compreensão responsiva é determinada por três fatores interligados no todo orgânico do enunciado: 1) o tratamento exaustivo do objeto do sentido; 2) o intuito, o querer-dizer do locutor; 3) as formas típicas de estruturação do gênero do acabamento.” (p. 1795)
Enunciados concretos são “enunciados que compõem ou caracterizam os diversos gêneros discursivos das esferas sociais distribuídas na/pela organização social.” (p. 1796)
“... a palavra aparece como parte de um processo de interação entre um falante e um interlocutor, concentrando em si as entoações do falante, entendidas e socialmente compartilhadas pelo interlocutor.” (p. 1796)
“... propriedades definidoras da palavra, ou seja, pureza semiótica, possibilidade de interiorização, participação em todo o ato consciente e neutralidade, e, por fim, as entoações valorativas das palavras.” (p. 1797)
“Entende-se por gêneros do discurso os enunciados de tipo relativamente estáveis produzidos individualmente em cada esfera de uso da língua. Meurer (2000), com base em
outros autores, define gêneros textuais como:
formas de interação, reprodução e possível alteração sociais que constituem, ao mesmo tempo, processos (Kress, 1993) e ações sociais (Miller,1984) e envolvem questões de acesso (quem usa quais textos) e poder. São tipos específicos de textos de qualquer natureza, literários ou não (Swales, 1990) orais ou escritos, reconhecidos pelas características funcionais e organizacionais que apresentam e pelos contextos em que são utilizados (p.150) (p. 1797)
“... não entendemos como ideal a análise de fragmento de texto, tendo em vista o aporte teórico escolhido que sugere que para uma interação adequada é preciso considerar o todo. (...) o trabalho pode ser produtivo, uma vez que temos como objetivo a análise da palavra.” (p. 1797-1798)
“... não é possível mais pensar na palavra em uma perspectiva isolada; só é possível concebê-la em seu contexto sócio-histórico-cultural” (p. 1800)
BARREIROS, Ruth C., CAMARGO, Wander A. A questão da palavra em Bakhtin: uma proposta de análise.versão eletrônica acesso em 03/09/2009.
http://www3.unisul.br/paginas/ensino/pos/linguagem/cd/Port/119.pdf
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“No diálogo com os discursos postos na grande temporalidade, o sujeito ressignifica o discurso que o constitui na memória discursiva, dando-lhe uma contrapalavra. É assim que a contrapalavra é concebida: aquilo que permite, através da compreensão responsiva, produzir o novo e a ruptura nos sentidos estabilizados na memória,(...). O interdiscurso, nessa concepção teórica, é peça-chave na produção de sentidos e permite que o sujeito se mova em espaços possíveis de interpretação, possíveis mas não já-lá e evidentes.” (p. 01)
rede discursiva (p. 05)
MENDONÇA, Marina C. Um debate sobre língua na mídia segundo a perspectiva bakhtiniana. Versão em PDF; acesso em 04/09/2009 às 11:00h.
http://www.uems.br/na/discursividade/Arquivos/edicao02/pdf/Marina%20Celia%20Mendonca.pdf
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“O signo ideológico é definido como função de “refração” própria a todo fenômeno ideológico ou social. É um fenômeno de dupla face material, já que tudo é ideológico é necessariamente expresso em um material semiótico, e do ideário encarregado de um potencial avaliativo (ele é portador de avaliação social).” (p. 01)
“O signo ideológico é uma unidade constitutiva da consciência humana: com efeito, esta última é constituída por valores sociais, ideológicos ou coletivos.” (p. 01)
“Pavel Medvedev introduziu os termos “ideologema” e “avaliação social. O ideologema é uma fusão do psicológico e do social. (...) Deste modo, o psíquico é social e, por conseqüência, ideológico.” (p. 02)
“Segundo Karl Marx, a ideologia é um reflexo invertido do real da sociedade na consciência dos homens. (...) A consciência que os homens têm de suas próprias relações seria, portanto, ilusória e os sistemas elaborados neste quadro (religião, filosofia, moral) repousam, de acordo com Marx, sobre bases errôneas (A ideologia Alemã, 1846).” (p. 02)
“O marxismo soviético do período stalinista (1920-1950) definiu a ideologia como “sistema de opiniões, de idéias e de conceitos que professam uma classe ou um partido político(...)” (p. 03)
“Conferindo, deste modo, um conteúdo positivo a uma determinada ideologia, os discípulos soviéticos de Marx romperam com a distinção entre ciência e ideologia. O termo ideologia passa, doravante, à ciência, a ciência torna-se necessariamente ideológica.” (p. 04)
“... de acordo com Galin Tihanov, a compreensão da ideologia, por marxistas russos e ocidentais, hesita entre dois pólos: ora é o produto secundário, um simples “reflexo” das infraestruturas; ora é um produto produtivo, uma força capaz, não somente de “refletir”, mas também de “idealizar”” (p. 05)
“Volochinov define a ideologia do cotidiano como o conjunto da experiência da vida e das expressões externas ligadas a esta experiência. (...) O ato (postupok) aparece como unidade da ideologia do cotidiano.” (p. 07)
“Volochinov acentua a vantagem de interação entre a “psicologia social” e a “ideologia social”, a saber, entre a infra e a superestrutura. Esta última (a superestrutura) aparece como capaz de agir sobre a primeira. Com efeito, os modos ideológicos de expressão (ciência, arte, religião) exercem uma forte influência sobre a experiência ou a “percepção” (perezjivanije). (...) É a “ideologia do cotidiano” (equivalente à “psicologia social”) que, na obra de Volochinov, aparece como uma fonte das “significações ideológicas”. Por sua vez, estas se encontram transformadas em produtos da ideologia no sentido estrito.” (p. 07)
“... a palavra (a linguagem) não é, portanto, senão o suporte de toda “atividade ideológica” (...) ela é, por sua vez, neutra. Entretanto, esse suporte está longe de ser passivo: trata-se de um suporte ativo, através do qual toda “atividade ideológica” é, não somente acompanhada mas também comentada ou avaliada “socialmente
A “ideologia cotidiana” (ou como Volochinov designa “ideologia da vida”) constitui o meio natural onde se desenvolvem e se completam os “fatos ideológicos” e os “ideologemas”. Extraídos do meio, todos os fenômenos ideológicos são mortos, eles se tornam “monumentos” das ideologias passadas.
A ideologia dominante externa, sustentada pelas formas lingüísticas e pela “palavra externa” compõe uma “consciência oficial”. Esta última pode, eventualmente, entrar em conflito com a “consciência não-oficial”, isto é, com a palavra interna do indivíduo.” (p. 08)
Ideologemas “constituem a materialidade da “ideologia cotidiana”.
“... o indivíduo e a coletividade falante são, por sua vez, criados pela linguagem. (p. 09)
“A psicologia materialista assume e retém as idéias de Humboldt, a partir das quais a linguagem, por sua origem, está indissociavelmente ligada à consciência. A linguagem fornece à consciência o substrato material necessário. A consciência encontra na linguagem sua encarnação perfeita. Ela não existe de modo objetivo, fora da linguagem.” (p. 12)
“O marxismo oficial produz a “ideologia positiva”: esta última é científica ou objetiva, na medida em que ela reata a ordem do mundo, as leis e a estrutura da matéria. Não é mais uma ideologia no sentido do marxismo clássico (portanto, uma deformação da consciência, um grau preciso de alienação). É simplesmente, a imagem ou reflexo fiel do mundo, tal qual ele é.” (p. 13)
“... Volochinov não torna transparente, o mecanismo do desenvolvimento ideológico. Ele não expõe como o heterogêneo pode aparecer e atuar sobre a consciência no espaço ideológico homogêneo que implica uma “psicologia social” homogênea. É esta a aliança ambivalente com o marxismo oficial que impediu Volochinov de resgatar os mecanismos de toda ideologia, isto é, de determinar, ao lado do aparelho repressivo de Estado, os aparelhos ideológicos de Estado, como fez Althusser em 1970.” (p. 14)
TCHOUGOUNNIKOV, Serguei. O Círculo de Bakhtin e o marxismo soviético: uma “aliança ambivalente”. tradução de Ana Zandwais (PPG-LET – UFRGS) s/d
Versão em PDF; acesso em 04/09/2009 às 11:25h
http://www.msmidia.com/conexao/3/cap3.pdf
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“Respaldados nos escritos de Bakhtin e nas críticas contundentes a uma tradição lingüística quer seja formalista ou subjetivista, diferentes autores passam a enfatizar o caráter comunicativo da linguagem, como um processo relacional, concreto e ativo (...) ou mesmo retórico-responsivo (...).enfatiza-se uma dimensão pragmática da linguagem, situada histórica e culturalmente:” (p. 137)
“A palavra (e em geral, o signo) é interindividual. Tudo o que é dito, expresso, situa-se fora da “alma”, fora do locutor, não lhe pertence com exclusividade. Não se pode deixar a palavra para o locutor apenas. O autor (o locutor) tem seus direitos imprescritíveis sobre a palavra, mas também o ouvinte tem seus direitos, e todos aqueles cujas vozes soam na palavra têm seus direitos (não existe palavra que não seja de alguém). A palavra é um drama com três personagens (não é um dueto, mas um trio).” (BAKHTIN apud SILVA 2003. p. 03)
“O conceito de heteroglossia de Bakhtin (1998) busca cobrir esta multiplicidade de vozes sociais e a extensa variedade de relações e interrelações, orquestrada dialogicamente, onde forças centrípetas (que unificam e centralizam o mundo verbal-ideológico) e as forças centrífugas (processos ininterruptos de descentralização e diferença, ‘desunião’), em todo enunciado concreto, se (des)encontram. Assim, a ‘heteroglossia’ possibilita perceber o que está na margem, incorporando as formas vivas da linguagem, como processo formativo, flexível, cambiante.” (p. 04)
“Diferentemente do sistema da língua, as práticas discursivas são formas então de comunicação, num processo ininterrupto de interação verbal (nas situações concretas, que inclui o não-verbal).” (p. 04)
“...apenas o contato entre a significação lingüística e a realidade concreta, apenas o contato entre a língua e a realidade – que se dá no enunciado – provoca o lampejo da expressividade. Esta não está no sistema da língua e tampouco na realidade objetiva que existiria fora de nós. ” (BAKHTIN apud SILVA, 2003. p. 04)
“Em notas originárias da década de setenta do século XX, talvez buscando ampliar/ esclarecer uma perspectiva de dialogismo para além da comunicação verbal, Bakhtin (1999b, p.138) especifica três tipos de relações: relações entre objetos (fenômenos e coisas, relações causais, lógicas e lingüísticas etc.), relações entre sujeito e objeto e relações entre sujeitos (relações dialógicas entre enunciados, relações éticas, relações entre consciências, verdades etc.). Entretanto, uma relação pode se transformar em outra, sendo possível ‘personalizar’ muitas relações objetais e transformá-las no terceiro tipo.” (p. 04)
“A produção de sentidos, segundo o próprio Bakhtin (1997, p.413), é potencialmente infinita na medida em que “não há uma palavra que seja a primeira ou a última, e não há limites para o contexto dialógico (este se perde num passado ilimitado e num futuro ilimitado)”.”(p. 06)
“a compreensão de uma fala viva, de um enunciado vivo é sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessa atividade seja muito variável); toda compreensão é prenhe de resposta e, de uma forma ou de outra, forçosamente o produz: o ouvinte torna-se o locutor. ” (BAKHTIN apud SILVA, 2003. p. 07)
SILVA, Luiz A. V. Saúde e produção de sentidos no cotidiano: práticas de mediação e translingüística bakhtiniana. in Interface. Comunicação, Saúde e Educação, v. 7, nº 13. p. 135-148, 2003. Versão em PDF; acesso em 04/09/2009 às 15:55h.
http://www.scielo.br/pdf/icse/v7n13/v7n13a09.pdf
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Quanto ao signo: “Ele é, em sua natureza, social, exterior e ideológico e o resultado de um consenso entre indivíduos em um processo de interação socialmente organizado, o que implica que mudanças na organização social e nas condições de interação produzem mudanças no signo; e que os signos são produzidos e compreendidos em relação a processos de comunicação que ocorrem em determinadas condições sociais, de acordo com ideologias diferentes e segundo perspectivas individuais diferentes. As leis que regem o universo dos signos são as leis da comunicação semiótica, que são determinadas por leis sociais e econômicas, e a superestrutura ideológica paira acima da base econômica. Assim, o signo não pode ser criado pelo arbítrio individual, mas surge da relação entre os indivíduos no meio social, uma vez que o processo de significação e de valoração do signo não se desvincula dessa relação. O signo é, portanto, determinado pelas formas de interação social, historicamente constituídas segundo leis econômicas e sociais e, ao mesmo tempo em que a realidade o determina, ele também a organiza de acordo com certo ponto de vista valorativo (axiológico) e com o contexto de interação, ambos determinados socialmente. Por social entende-se aquilo que é historicamente estipulado, em relação às diferentes formas de produção material – e de organização cultural – e conforme as divisões de trabalho (PONZIO, 1998)”. (p. 61)
“A função comunicativa da linguagem realiza-se através de enunciados; com isso, o estudo da língua deve, necessariamente, levar em conta a análise do enunciado, definido como a “unidade real da comunicação verbal” (BAKHTIN, 1997, p.293). Os enunciados são formados pelo conteúdo (conceito), pelo estilo verbal (os recursos lingüísticos utilizados), pela construção composicional – aspectos que se organizam de acordo com as especificidades das esferas de comunicação social – e pela situação extraverbal a eles, a qual inclui: o horizonte espacial comum aos locutores, o conhecimento e a compreensão da situação (tema) e a avaliação comum da situação (VOLOSHINOV, 1981)”. (p. 61-62)
“Tudo que é dito ou escrito se remete a outro enunciado ou anuncia uma atitude responsiva, que é também enunciado: é dessa maneira que os enunciados são dialógicos e nenhum deles existe em si mesmo. Mesmo o monólogo solitário é dialógico: seus “outros” estão implícitos nos enunciados pronunciados.” (p. 62)
“A noção de dialogismo reforça a perspectiva social do indivíduo, que é socialmente constituído, não porque está submetido às diversas instituições sociais, mas porque se inscreve numa relação de mão dupla com elas e com outros indivíduos. O sujeito é tanto passivo quanto ativo na dinâmica social. Os sujeitos ocupam determinados espaços sociais que, fisicamente e axiologicamente, são espaços singulares: duas pessoas não podem ocupar, simultaneamente, os mesmos espaços, a partir dos quais seus pontos de vista se organizam. Tais espaços marcam a singularidade e a responsabilidade (estar compelido a responder ou assumir uma posição) dos sujeitos(...)”. (p. 62)
O filósofo russo distingue sentido de significado: o primeiro, análogo à noção de signo, diz respeito ao estudo da língua tida como enunciado, ou seja, se ocupa das relações dialógicas (e ideológicas), únicas e singulares entre as palavras, os textos, os gêneros do discurso, as linguagens, as culturas e as épocas históricas; o segundo, semelhante à idéia de sinal, trata do estudo da língua como código, como sistema fechado e estável que existe
independentemente do mundo social e cujos elementos são constantes e repetíveis. O estudo do sentido, para Bakhtin, seria do âmbito da metalingüística ou da filosofia da linguagem, enquanto o estudo do significado ficaria a cargo da lingüística. (p. 63)
“O estudo do psiquismo subjetivo é possível mediante: (i) a compreensão e a análise do signo, uma vez que os signos são ideologicamente marcados e constitutivos do psiquismo; e (ii) o estudo da significação...” (p. 63)
“A(s) ideologia(s) – “através” dos signos – organizam, regulam, reproduzem, expressam ou subvertem as relações histórico-materiais dos homens. Isso significa que a infra-estrutura e as superestruturas se vinculam de maneira dialética, e o signo opera como mediador entre ambas. Aquelas relações se organizam em uma sociedade (de classes) caracterizada pela existência de forças contraditórias: a classe dominante, por um lado, busca dar aos signos uma expressão de unicidade, de centralização e de estabilidade; por outro lado, os signos, ao circularem por contextos sociais variados, mantêm seu caráter plural e ambíguo, já que expressam as contradições próprias de uma sociedade de classes. Ademais, Bakhtin também utiliza os termos ideologia oficial e ideologia do cotidiano (não oficial) para fazer referência, respectivamente, às formas superestruturais de cultura (arte, direito, religião, ética, conhecimento científico) e às formas ligadas à consciência individual, ao cotidiano ou ao discurso censurado, revolucionário e clandestino. Esses últimos visam a confrontar o discurso que se mostra como certo, único e natural (PONZIO, 1998).” (p. 64)
A diversidade de atividades humanas se reflete nas pluralidades discursiva e lingüística. O primeiro caso refere-se à heteroglossia, que se constitui com base nas estratificações da língua de uma dada comunidade lingüística, em certo momento histórico, associadas a pontos de vista ideológicos: em um romance é possível encontrar, por exemplo, “dialetos sociais, maneirismos de grupos, jargões profissionais, linguagens de gêneros, fala das gerações, das idades, das tendências, das autoridades, dos círculos e das modas passageiras, das linguagens de certos dias e mesmo de certas horas” (BAKHTIN, 1998, p. 74). Todas essas formas de comunicação presentes no romance refletem o funcionamento da realidade social – e o confronto e as contradições ideológicas – de dado momento histórico. Note-se que esse fenômeno da heteroglossia (estratificação ideológico-social da língua), para Bakhtin, seria muito mais visível nos gêneros circulantes pelas esferas “inferiores” da vida cotidiana e popular do que nos gêneros próprios das camadas sociais privilegiadas, já que, para elas, as centralizações cultural, política e ideológica seriam fundamentais.
O segundo caso, a pluralidade lingüística, tem a ver com a presença de dialetos e línguas diferentes entre si (em termos lexicais, fonológicos, morfológicos etc.), que coexistem em uma mesma comunidade. Exemplificando: um camponês que utiliza uma língua para orar e outra em sua família. Com isso, a pluralidade lingüística pode se tornar discursiva quando, por exemplo, o camponês passa a perceber que as diferentes línguas que utiliza estão vinculadas a posições e percepções ideológicas diferentes e contraditórias. É devido essas pluralidades que, para Bakhtin, o monolingüismo e a homogeneidade não passam de uma idealização (BAKHTIN, 1998; LÄHTEENMÄKÏ, 2005).
Bakhtin (1998) aponta para a existência de duas forças, centrípeta e centrífuga, da vida social que são operantes na língua: a primeira visa à manutenção da língua através de normas impostas, favorece a compreensão mútua em todas as esferas ideológicas e barra a pressão do plurilingüismo; a segunda opera de acordo com a tendência ao dinamismo e à mudança da língua, favorece a estratificação da língua em línguas socioideológicas. As forças centrípetas tendem à unificação e centralização das línguas – silenciam outras línguas marginais –, à canonização de certos sistemas ideológicos e, portanto, lingüísticos, e à instauração da crença em uma língua única. As forças centrífugas tendem à descentralização, à desunificação e ao plurilingüismo. (p. 65)
“Os atos e os discursos não ocorrem isolados, mas inseridos em uma teia de atos e discursos de outros. É devido a essa interligação que o sujeito é visto tanto como agente como quanto paciente. As ações de uns atuam sobre outros, provocando reações que são ao mesmo tempo resposta e novas ações. É na teia de atos que as ações assumem as características da irreversibilidade – o que foi feito não pode ser refeito – e da imprevisibilidade – todo agir inaugura uma novidade –, fazendo com que ninguém tenha controle sobre seu futuro.” (p. 69)
“Apesar de ocorrer em um espaço de invisibilidade e, conseqüentemente, por ser uma atividade solitária, o pensamento não existe sem a palavra, sem o discurso, o qual é uma atividade reconhecidamente pública, uma vez que a fala é destinada a ser ouvida.” (p. 72)
“A revelação da individualidade do homem pela capacidade de começar algo novo ocorre na esfera pública, que é a esfera das relações intersubjetivas atravessadas pela ação e pelo discurso. Essa esfera, que não é social e nem privada, é política e é nela que ocorre o exercício da liberdade, em que os homens assumem e afirmam suas identidades nas relações com os outros.” (p. 73)
“...pluralidade – o “diálogo no plural” (LAFER, 1979, p.117) –, em que igualdade (que garante a relação entre todos os indivíduos) e singularidade (que identifica as diferenças entre os indivíduos) coexistem.” (p. 74)
“as semelhanças entre os sujeitos são garantidas por, por exemplo, compartilharem os mesmos horizontes apreciativos e significados sociais.” (p. 75)
“As relações dialógicas, além de garantir a pluralidade humana existente na esfera pública, também caracterizam o funcionamento mental: para Bakhtin, a mente dos indivíduos é dialógica à medida que é povoada por enunciados alheios e por respostas a esses enunciados que são signos ideológicos.” (p. 75)
“A noção de responsabilidade (...) diz respeito a uma atitude ética no mundo da vida. Essa atitude compreende assumir uma posição de resposta aos enunciados que tocam e constituem os indivíduos.” (p. 76)
“... concepção de Bakhtin sobre o enunciado: este é dialógico – se apóia, necessariamente, em outros enunciados – e nunca existe isoladamente, apesar de ele ser considerado a unidade da interação socioverbal. Ressalta-se que, para o filósofo russo, as relações dialógicas são relações de sentido – e de valores – entre os enunciados.” (p. 76)
“Apesar de dialógico, o enunciado é singular, (...) os sujeitos, através de seus discursos ou enunciados e ações, produzem algo novo, individual e historicamente único, embora esteja vinculado a outros discursos ou enunciados e ações.” (p. 77)
“O ato de compreender, que depende da interação entre os indivíduos, envolve o elemento valorativo, seja em maior ou menor profundidade. É imprescindível ao julgamento (valoração) a interação, uma vez que é na relação com os enunciados alheios que os sujeitos assumem, confrontam ou transformam suas percepções. Ademais, os sujeitos escolhem fazer uso de certas construções lingüísticas, entonação, gênero etc., tendo em vista, além da relação de valor que possuem com seu objeto discursivo, seus interlocutores.” (p. 78)
Além disso, Bakhtin, apesar de valorizar traços individuais (expressividade) presentes nos discursos dos indivíduos, vê esses indivíduos como pertencentes a classes (econômicas) e grupos que, geralmente, estão em conflito. Dessa forma, as singularidades dos sujeitos, que são reveladas através das ações e dos discursos, perdem força em virtude de uma visão de sujeitos vinculada às classes e grupos socioeconômicos. Também, os conflitos socioideológicos na abordagem bakhtiniana tendem a se restringir aos conflitos de classes sociais – os dominadores vs. os dominados – não contemplando na mesma medida os conflitos que envolvem gênero, etnia, raça, culturas etc. Com isso, nota-se supremacia da questão econômica em detrimento de questões políticas que envolvam relações de poder. Contudo, ao mesmo tempo em que é possível fazer uma leitura reduzida dos conflitos sociais na teoria de Bakhtin, também se verifica a possibilidade de um olhar amplo sobre esses conflitos, ao se considerar, por exemplo, os temas da forças centrípetas vs. forças centrífugas; da ideologia oficial vs. ideologia cotidiana; do monologismo vs. dialogismo etc., desvinculados de uma submissão ao fator econômico. (p. 79)
SEVERO, Cristine G. Por uma aproximação entre Bakhtin e Hannah Arendt. Revista de Ciências Humanas, Florianópolis, EDUFSC, v. 41, n. 1 e 2, p. 59-81, Abril e Outubro de 2007. Versão em PDF; acesso em 05/09/2009.
http://www.cfh.ufsc.br/~revista/rch41/RCH41_artigo_3.pdf
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“...linguagem na teoria dialógica do discurso a partir de dois eixos básicos: o dialogismo e plurilingüismo. (...) processo interacional em que se observam características da constituição heterogênea da linguagem como atividade responsiva.” (p. 95)
“A teoria dialógica do discurso tem-se mostrado rica no desenvolvimento de várias noções que se referem ao estudo da linguagem e essa orientação pode ser observada na dimensão com que Bakhtin se dedica ao funcionamento da língua, principalmente no romance. Embora seu objeto de estudo tenha sido sobretudo a linguagem, a abrangência dessa teoria ultrapassa qualquer noção estreita dos estudos da língua e configura-se como uma dimensão filosófica no trato do objeto de reflexão.” (p. 96)
“...o princípio dialógico traz em seu escopo uma abordagem da “nãofinalização” e do “vir-a-ser”, configurando, com isso, um princípio da “inconclusividade”, da preservação da heterogeneidade, da diferença, da alteridade (BAKHTIN, 1997 [1929]).” (p. 97)
“... em O problema do texto (1992 [1959-1961]) quando Bakhtin destaca as relações dialógicas como relações de sentido entre os enunciados, sendo o sentido inscrito em vozes discursivas (sociais).” (p. 98)
“...o sujeito e os sentidos constroem-se discursivamente nas interações verbais na relação com o outro, em uma determinada esfera de atividade humana.” (p. 98)
“O outro projeta-se a partir de discursos variados (passados, atuais, presumidos). São as outras vozes discursivas - posições sociais, opiniões - que vêm habitar de diferentes formas o discurso em construção. Com isso, o outro apresenta-se em diferentes graus de presença no enunciado, às vezes é visível, às vezes está escondido, mas sempre está lá; constitui um princípio alteritário.” (p. 98)
“...sendo o dialogismo constitutivo, a “interação” com o outro é um pressuposto.” (p. 99)
“O discurso vivo e corrente está imediata e diretamente determinado pelo discurso-resposta futuro: ele é que provoca esta resposta, pressente-a e baseia-se nela. Ao se constituir na atmosfera do “já-dito”, o discurso é orientado ao mesmo tempo para o discurso-resposta que ainda não foi dito, discurso, porém, que foi solicitado a surgir e que já era esperado” (BAKHTIN, 1998 [1934-1935, p. 89). (apud DI FANTI, 2003)
“...há um sistema ampliado, cujos signos existem somente em interação verbal, como enunciados, em gêneros discursivos, que possibilitam a compreensão de diferentes organizações enunciativo-discursivas, assim, como a compreensão das características repetíveis, formais da linguagem, que se convertem em diferentes sentidos.” (p. 99)
“No dicionário, há virtualidades, potencialidades que, em uso, são dialogizadas e ideologizadas.” (p. 99)
“...todo texto tem sujeito, é enunciado, e aglutina o verbal e o extraverbal. Além disso, a constituição em texto é uma condição para haver objeto de estudo e de pensamento.” (p. 100)
“... se, de um lado, a palavra vive sob o signo da alteridade ao ser inscrita avaliativamente, de outro, toda manifestação humana, ao possuir acento avaliativo, também se inscreve como enunciado, como linguagem.” (p. 100)
“Dentre a ampla (e densa) pertinência da reflexão bakhtiniana sobre o signo, a de considerá-lo ideológico – apresentar índices de valor de cunho social - é a que possibilita, juntamente com a noção de dialogismo, a ampliação da noção de signo lingüístico, proporcionando uma nova relação com o sistema. Sistema este que deixa de ser lingüístico estrito, no sentido de possuir unidades significantes neutras e sem expressividade, para ser lingüístico-ideológico-dialógico, no sentido de apresentar signos que se formam como enunciados (imbricam verbal e não-verbal, dito e não-dito) e que implicam uma atitude ativa responsiva do sujeito a qual desencadeará outros enunciados. Sendo assim, entendemos que esse sistema ampliado, dialógico, se inscreve em um sistema enunciativo-discursivo, uma vez que se constitui de uma complexidade de enunciados que estão em relação dialógico-discursiva.” (p. 100)
“A amplitude do desenvolvimento da teoria dialógica do discurso apresenta diferentes designações para o seu estudo. Em Marxismo e filosofia da linguagem (Bakhtin/Volochinov, 1995 [1929]), encontramos a designação “filosofia da linguagem” e, em Problemas da poética de Dostoievski (Bakhtin, 1997 [1929]) e em Problemas do texto (Bakhtin, 1992 [1959-1961]), encontramos “metalingüística”. Os seus biógrafos, (Clark & Holquist 1998 [1984]), preferem, como Todorov (1981), “translingüística”.” (p. 101)
“Enquanto a significação configura-se como uma dimensão mais estável, representada pela materialidade lingüística da produção enunciativa, o tema configura-se como uma dimensão mais variável, como a própria enunciação / enunciado, ou seja, é único e não-reiterável. Logo, o tema compõe-se por aspectos verbais e não-verbais. Enquanto os verbais são recuperados pela significação, os aspectos não-verbais são recuperados, via entonação expressiva, pela dimensão histórico-social engendrada.” (p. 101)
“O tema depende da significação e vice-versa, porém, como um não é um simples reflexo do outro, as “mesmas palavras” significam diferentemente, ou seja, elas ganham vida a partir de apreciações sociais valorativas criadas no processo enunciativo, que apontam para diferentes aspectos históricos, nem sempre sinalizados lingüisticamente, mas convocados na enunciação.” (p. 101)
“O enunciado é, por conseguinte, um signo ideológico, dialógico, único, irrepetível e instaura-se diferentemente em cada interação.” (p. 101)
“O plurilingüismo dialogizado pressupõe uma variedade de línguas/linguagens e, com isso, diferentes estruturas enunciativas se confrontam tendo em vista a diversidade de coerções nas relações sociais. Essa noção, portanto, recusa qualquer preponderância lingüística excludente e instaura a discursividade.” (p. 102)
“A língua não se reduz a um sistema padronizado, mas sim se materializa em vozes sociais que se cruzam, em diferentes dialetos, jargões profissionais, linguagens de gerações familiares. Há linguagens de momentos, de lugares, transitórias, que possuem estruturas e finalidades próprias a determinados contextos.” (p. 103)
“Enquanto as forças centrípetas se empenham em manter a “unidade” e procuram resistir às divergências, as forças centrífugas se empenham em manter a variedade, as diferenças.
A língua é ideologicamente saturada, ou seja, constitui-se como uma concepção de mundo e um modo de ter atitudes ativas, responsivas, em cada esfera de atividade humana. Nessa perspectiva, a língua alterna-se em movimentos dialógicos que indissocia forças centrípetas e centrífugas na enunciação do sujeito.
Com isso, não há uma enunciação que não pertença a uma língua, com forças centrípetas próprias (centralizadoras, que procuram apagar as outras vozes sociais), e ao plurilingüismo social e histórico, com forças centrífugas (descentralizadoras, que convocam outras vozes sociais).” (p. 103-104)
“Sendo assim, o plurilingüismo é próprio da linguagem, pois várias vozes sociais entram em concorrência na enunciação. No entanto, há uma estratificação em gêneros discursivos, cujos elementos formais (lexicológicos, semânticos, sintáticos etc.) estão imbricadamente organizados em função de um sistema de acentuação próprio de uma dada esfera de atividade.” (p. 104)
“A estratificação da língua, seja em gêneros, seja em linguagens diversas (...), pode ser apreendida por índices variados, como pela expressividade, pelo projeto discursivo do sujeito, observados nas formas discursivas em que se materializam.” (p. 104)
Significação refere-se às “formas lingüísticas convocadas” (p. 108).
“... o sujeito no dia-a-dia assume diversos lugares enunciativos, dependendo das exigências dos processos interlocutivos (...) entra em contato com línguas diferentes, sistemas enunciativos diferentes, gêneros discursivos diferentes.” (p. 108)
DI FANTI, Maria G. C. A linguagem em Bakhtin: pontos e pespontos. VEREDAS - Rev. Est. Ling, Juiz de Fora, v.7, n.1 e n.2, p.95-111, jan./dez. 2003.
http://www.revistaveredas.ufjf.br/volumes/12_13/artigo3.pdf
acesso em 18/09/2009 às 14: 30h
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“... em todo enunciado, contanto que o examinemos com apuro, levando em conta as condições concretas da comunicação verbal, descobriremos as palavras do outro ocultas, ou semi-ocultas e com graus diferentes de alteridade. Dir-se-ia que um enunciado é sulcado pela ressonância longínqua e quase inaudível da alternância dos sujeitos falantes e pelos matizes dialógicos, pelas fronteiras extremamente tênues entre os enunciados e totalmente permeáveis à expressividade do autor. (BAKHTIN apud ELICHIRIGOITY, 2008, p. 181)
Axiologia é “teoria crítica dos conceitos de valor”. (p. 182)
“... é preciso ver a identidade de uma coisa não como algo solitariamente isolado de todas as outras categorias, mas como uma variável contrastante de todas as outras que poderiam,
sob condições diferentes, preencher a mesma posição na existência.” (p. 183)
“- as forças centrífugas – que se empenham em manter as coisas variadas e apartadas umas das outras; que compelem ao movimento, ao devir e à história; e desejam a mudança, a vida nova;
- as forças centrípetas - que se empenham em manter as coisas juntas e unificadas; resistem ao devir, abominam a história.” (p. 183)
Linguagem na perspectiva bakhtiniana é “prática tanto cognitiva quanto social” (p.184)
Bakhtin “julga como forças interativas, o que outros pensam ser excludentes...” (p. 184)
“Como toda tomada de consciência implica “discurso interior, entoação interior e estilo interior” (...) A expressão exterior, na maior parte dos casos, prolonga e esclarece a orientação tomada pelo discurso interior, e as entoações que ele contém.” (p. 184)
É a “possibilidade de imprimir valor às palavras que permite a atividade autoral, quer quando falamos ou escrevemos. Essa é a idéia de autor para Bakhtin.” (p. 185)
“A heteroglossia refere-se a essa estratificação, diversidade e aleatoriedade na vida da linguagem e esse conflito anima todo proferimento concreto feito por qualquer sujeito falante.” (p. 185)
“...a compreensão da palavra no seu sentido particular depende da compreensão da orientação que é conferida a essa palavra por um contexto e uma situação precisos.” (p. 186)
“... um certo horizonte social definido e estabelecido que determina a criação ideológica do grupo social e da época a que pertencemos, um horizonte contemporâneo da nossa literatura, da nossa ciência, da nossa moral, do nosso direito.” (BAKHTIN apud ELICHIRIGOITY, 2008, p. 186)
A palavra [...] está vinculada [ao eu] e ao outro, ela é o produto da interação do locutor e do ouvinte e, ainda que, como signo, essa palavra seja extraída pelo locutor de um estoque social de signos disponíveis, a própria realização deste signo social na enunciação concreta é inteiramente determinada pelas relações sociais. (p. 187)
“...há dois pólos dos quais se realiza a tomada de consciência e a elaboração ideológica: a atividade mental do eu e a atividade mental do nós. No primeiro caso, a atividade mental tem caráter primitivo, perde sua modelagem ideológica, sua orientação social, sua representação verbal, aproximando-se da reação fisiológica do animal. No segundo caso, a atividade mental do nós permite diferentes tipos de modelagem ideológica. Então o mundo interior do indivíduo, seu grau de consciência será cada vez mais distinto e complexo, conforme a firmeza e organização da coletividade no interior da qual o indivíduo se orienta.” (p. 187)
“O inter-humano é constitutivo do homem, ou seja, a multiplicidade dos homens é a verdade do próprio ser do homem.” (p. 190)
“Então, chama-se gênero do discurso tipos relativamente estáveis de enunciados cujas características do conteúdo temático, do estilo lingüístico (ou seja, a seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua) e, acima de tudo, de sua estrutura composicional fundem-se a aspectos que são determinados pela natureza específica da esfera particular de interação social.” (p. 190-191)
“Mas Bakhtin considera dois tipos de discurso: o primário (simples) e o secundário (complexo). O que muda, na verdade, é o grau de complexidade da circunstância de interação social e a forma como o discurso é apresentado.(...) os gêneros secundários “absorvem e transmutam” os gêneros primários que se constituíram em circunstância de uma interação verbal espontânea. ” (p. 191)
“Para que se alcance o acabamento do enunciado (que proporciona a possibilidade de compreender de modo responsivo), há três fatores ligados em seu todo orgânico:
a) o tratamento exaustivo do objeto do sentido;
b) o querer-dizer do locutor (intuito discursivo);
c) a escolha de um gênero discursivo (formas estáveis do gênero do enunciado). Sendo assim, definida a temática, a individualidade do sujeito se adapta ao gênero discursivo determinado em função da especificidade de uma dada área da comunicação.” (p. 192)
“Marcuschi não usa a terminologia gênero do discurso, mas gênero textual. Ele (...) parece estar compactando, de uma forma simplista, níveis diferentes da estruturação da linguagem verbal.” (p. 193)
“... o autor fala sobre o texto em sua qualidade de enunciado, considerando-o, por esse prisma, como único, irreproduzível (embora possa ser citado) e individual. Aqui, o que liga as unidades de comunicação (os enunciados) é uma relação dialógica.” (p. 193)
Quanto ao gênero é “como se fosse uma superestrutura da palavra, porque essa expressividade típica do gênero não pertence à palavra como unidade da língua, e não entra na composição de sua significação, mas apenas reflete a relação que a palavra e sua significação mantêm com diferentes práticas de interação social. A experiência verbal individual do homem toma forma e evolui sob o efeito da interação contínua com os enunciados individuais do outro.” (p. 194)
“A forma lingüística é sempre mutável. Na enunciação, então, juntam-se outras condições (como entonação, conteúdo ideológico, situação social determinada) que afetam a significação, dando valor novo ao signo.” (p. 196)
“... a materialidade do discurso é diferente da materialidade da língua.” (p. 196)
“... a ideologia modela sistemas semióticos e, por meio deles, se revela.” (p. 196)
“...o signo ideológico se realiza no psiquismo e, por sua vez, a realização psíquica - como forma superior, que implica a consciência de classe, atividade mental do “nós”- se sustenta
na ideologia.” (p. 197)
“... para Bakhtin, diferentemente da filosofia idealista e do psicologismo, a consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico.” (p. 197)
“... conforme o materialismo histórico (...) a realidade ideológica é uma superestrutura situada imediatamente acima da base econômica, cujos elementos reagem sempre que há uma modificação da infra-estrutura, ou seja, no processo sócio-econômico.” (p. 198)
“... saber como a infra-estrutura (a realidade) determina o signo e como o signo reflete e refrata a realidade em transformação, considerando-se a palavra como o signo por excelência. (...) Existe, então, um “inconsciente coletivo” (a psicologia do corpo social) que se exterioriza na palavra, no gesto, no ato.” (p. 198)
Então, a psicologia do corpo social (teoria de Plekhánov), considerada pelos marxistas como uma espécie de elo entre a estrutura sóciopolítica e a ideologia (no sentido estrito do termo - arte, ciência, etc) manifesta- se nos mais diversos aspectos da enunciação, sob a forma de diferentes modos de discurso, interiores, exteriores. Esse conceito de uma possível ideologia do cotidiano, que permite a interação entre os homens, independentemente de sua esfera ideológica, como se vê, remete a conceitos posteriores, formulados pela Análise do Discurso da linha francesa, como por exemplo, as idéias de interdiscurso e formação discursiva.” (p. 199)
“... entre as formas de interação verbal, a forma de enunciação e o tema existe uma unidade orgânica indestrutível que se baseia no componente hierárquico do processo de interação verbal - ou seja – o domínio das relações sociais sobre as formas de enunciação.” (p. 199)
“...enunciação como realidade da língua e, ao mesmo tempo, da estrutura sócio-ideológica. Assim, o discurso interior (sentido que algo tem para determinada pessoa) parte da consciência individual que se constrói pela consciência social (diálogo social). E a consciência individual está impregnada de conteúdo ideológico.” (p. 200)
“A subjetividade só pode ser social e histórica e depende das práticas discursivas.” (p. 201)
“...a subjetividade, sob a perspectiva bakhtiniana, encontra seu fundamento no materialismo histórico e transforma-se na polifonia. (p. 202)
“Se a língua é o reflexo das relações sociais dos falantes, dependendo da época (história), dos grupos sociais, do contexto (espaço), vemos dominar diferentes variantes ao longo do tempo.” (p. 202)
O termo bakhtiniano a grande temporalidade, é aquilo que “o liberta de sua época” e suscita uma compreensão ativa, dentro do nosso lugar, do nosso tempo e da nossa cultura.” (p. 206)
ELICHIRIGOITY, Maria Teresinha Py. A formação do sentido e da identidade na visão bakhtiniana. Cadernos de Letras da UFF – Dossiê: Literatura, língua e identidade, nº 34, p. 181-206, 2008.
http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/34/artigo12.pdf acesso em 18/09/2009 às 14: 45h
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“... a metalingüística, que tem por objeto as relações dialógicas e a palavra bivocal. Essas relações são de natureza axiológico-semântica, ocorrem entre enunciados e também no interior de um mesmo enunciado.” (p. 121)
“... a partir do texto “Os gêneros do discurso” (1952-1953), no qual Bakhtin estabelece uma distinção entre a oração, enquanto unidade da língua, e o enunciado, que é uma unidade da interação ou da comunicação verbal” (p. 121).
Traços das relações dialógicas: são semânticas, ocorrem em enunciados concretos, pressupõem um sujeito concreto, responsivo e inconcluso, pressupõem um supradestinatário não necessariamente imediato e têm uma dimensão valorativa. (p. 122)
“A epistemologia de uma metalingüística funda-se sobre três aspectos: a complementaridade em relação à lingüística de sua época, a delimitação de um objeto de pesquisa e a proposição de um campo de fenômenos a estudar.” (p. 122)
Tipos de discurso bivocal: de orientação única, orientação vária e de tipo ativo ou refletido. (p. 124)
“Por fim, a proposição da metalingüística tem suas origens nos trabalhos de Bakhtin e seu círculo sobre obras literárias, o que pode levar à conclusão de que o projeto do círculo se restringe a elas. Essas origens, porém, permitiram ao círculo vislumbrar, conforme demonstramos, um conjunto de fenômenos que não se confinam aos enunciados da esfera literária.” (p. 126)
GRILLO, Sheila V. de C. A metalingüística: por uma ciência dialógica da linguagem. Horizontes, v. 24, n. 2, p. 121-128, jul./dez. 2006
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Transição de uma investigação filosófica e marxista da linguagem para uma nova ciência da linguagem, a Metalingüística (p. 10)
“...complexas relações entre a Filosofia moral (Filosofia do ato), a Estética da criação verbal e a Metalingüística...”
“...estudos da linguagem em sentido amplo, na vida e na cultura (...) Lingüística e Metalingüística serão colocadas em pé de igualdade, como estudos complementares de um mesmo fenômeno: a palavra-enunciado.” (p. 13)
Problemas da nova ciência: dialogismo, bivocalidade, enunciado concreto, gênero. (p. 13-14)
Filosofia marxista da linguagem, transição do ponto de vista sociológico para o dialógico, metalingüística e lingüística. (p. 14)
A obra bakhtiniana é constituída de contribuições diversas e interpretações diversas ao longo do tempo, “cruzamento de um cronotopo público com um cronotopo privado” o que gera vários bakhtines que tentamos organizar adamicamente (como na história do ovo e da galinha) sobre a autoria de Bakhtin. (p. 17) As possibilidades heurísitcas da obra só se tornam possíveis através da carnavalização da obra pública bakhtiniana pela obra privada dos estudiosos na comunicação dialógica da grande temporalidade. (p. 18). Um “horizonte apreciativo” depende do contexto mínimo em que se situa a obra. (p. 19)
Filosofia moral e filosofia estética de Bakhtin (p. 21)
Disputa e conciliação entre o método formal e o método sociológico. Duas tendências de estudos da linguagem: formalismo e marrismo (p. 22)
Uma filosofia marxista da linguagem “cujas categorias principais são enunciado, interação verbal (diálogo), tema e gêneros do discurso.” (p. 25)
Escola de Genebra (Saussure e Bally), Escola de Vossler (Leo Sptizer), Wölfflin, Ernest Cassirer. (p. 28)
Cronotopo privado não é de conhecimento do leitor contemporâneo.
Perspectivas de estudo do romance: “material (palavra), histórica (gênero) e cronotópica. (tempo e espaço)” (p. 32).
“Texto, discurso e enunciado são categorias que se inter-substituem – comunicação discursiva (cadeia textual), gêneros discursivos (gêneros textuais), texto como enunciado...” (p. 38)
“... o confronto terminológico simplesmente não irá nos levar a nada. É preciso criar tensão ente esses termos, coloca-los em relação dialógica para revelar as suas limitações...” (p. 48)
A construção da Metalingüística decorre da “dialogização interna da obra no que se refere ao problema da palavra na palavra expressa tanto em MFL, quanto em POD e PPD” (p. 60)
Uma tradução para slovo seria palavra mais que discurso porque o termo se encaixa na questão do signo lingüístico/ideológico, na lexicologia, em enunciados de uma palavra e nos vários usos da palavra na vida/arte/romanesca/bivocal. (p. 71)
Slovo (palavra) retch (discurso) p. 72
Forma (interação discursiva, diálogo) e conteúdo (tema e acento) (p. 80)
O signo interior na fronteira da ideologia e da psicologia. (p. 81)
Filosofia da linguagem enquanto filosofia da palavra, do signo ideológico. Palavra interior (psíquico) e Palavra exterior (Ideológico) (p. 81)
Bases da filosofia marxista da linguagem, a interação discursiva: enunciados, gêneros discursivos, diálogo e tema. (p. 86)
Postulados da filosofia marxista da linguagem: expressão organiza vivência, enunciado como totalidade advinda da situação social imediata e dos interlocutores. (p. 87)
Condições concretas dos interlocutores: classe social, relações de hierarquia (as/simetria) vínculo social (familiar). (p. 88)
A autoria da palavra: a palavra enquanto ato fisiológico difere da palavra enquanto materialidade sígnica. (p. 89)
“... a realidade concreta da linguagem (interação discursiva), a evolução da linguagem (comunicação discursiva contínua) e os próprios gêneros discursivos (formas de comunicação discursiva) e, principalmente a unidade real da comunicação discursiva – o enunciado concreto – além de natureza sociológica são também de natureza dialógica.” (p. 97)
A palavra é o material do enunciado e o gênero é a forma do enunciado enquanto totalidade. (p. 97)
Sociologia (método sociológico) Metalingüística (método dialógico). (p. 99)
Orientação filosófica (Filosofia Marxista da linguagem) e científica (Metalingüística) (p. 104)
“O objeto da Metalingüística – relações dialógicas e palavra bivocal – como vimos, já estavam propostas, de forma um tanto oculta ou explícita, nas obras de 1929: MFL e POD. O problema principal da Metalingüística – o estudo da palavra na palavra – já estava expresso também nessas duas obras. Mas é do ponto da dialogização interna da obra, que assistimos a uma quase que total reacentuação das categorias principais que se sustentavam por uma Filosofia marxista da linguagem para o contexto mais amplo de diálogo.” (p. 129)
Lingüística e metalingüística devem ser estudos complementares. A lingüística consegue estudar “fatos da linguagem sobre vários aspectos (fonéticos, fonológicos, lexicológicos, sintáticos e semânticos)”, mas a metalingüística consegue estudar a palavra enquanto signo ideológico (Voloshinov) e não meramente lingüístico-saussureano. (p. 132).
A palavra na lingüística é uma abstração monológica e sistêmica. Na metalingüística é dialógica e polifônica. (p. 135)
Linguagem como língua para Saussure e linguagem como comunicação dialógica para Bakhtin. (p. 136)
Filosofia marxista da linguagem estuda a palavra na palavra seu átomo dentro do enunciado concreto construído de relações dialógicas valorativas e apreciativas. (p. 137)
O grande diálogo são as relações do homem e de seu mundo. (p. 140)
As relações dialógicas são extralingüísticas, pressupõem uma língua, são relações de sentido maiores que réplicas e não redutíveis as relações lógicas (negação, identidade) nem às concreto-semânticas, as quais devem materializar-se, personificar uma autoria. (p. 140-141).
Microdiálogo é a dialogicidade interna da palavra dentro de um enunciado. (p. 142)
Palavra bivocal engloba as variantes multidirecionais e o tipo ativo “são essenciais para a construção do romance polifônico. (p. 142-143)
Campo de estudo da metalingüística é a palavra nos gêneros, estilos e enunciados concretos. (p. 144)
“... o gênero são tipos de enunciados relativamente estáveis do ponto de vista temático, composicional e estilístico...” (p. 155)
A polifonia envolve a dialogia, a bivocalidade e a compreensão do homem. (p. 155)
A metalingüística é “não só uma ciência da linguagem, mas uma autêntica ciência humana.” (p. 156)
Filosofia do ato (contraposição eu/outro), estética da criação verbal (estudos literários autor/herói) e problemas da linguagem (enunciado do autor/e do herói) (p. 158)
SOUZA, Geraldo T. A construção da metalingüística (fragmentos de uma ciência da linguagem) na obra de Bakhtin e seu círculo. Tese de doutorado. USP, 2002.
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“O conceito de voz em Bakhtin diz da impossibilidade de um enunciado sem um sujeito falante. Para o autor, a voz é a vida na palavra.” (p. 77)
“A polifonia somente está na palavra na medida em que esta for carregada de vozes.” (p. 78)
“cronotopos interior é ‘o espaço e o tempo da vida evocados, mas antes de tudo o real, dentro do qual se completa esta evocação de sua vida própria ou aquela de um outro. [...] O cronotopo real é a praça pública, a ágora.’” (p. 78)
“O mundo real é o mundo representante, o mundo do texto, o mundo vivo. O mundo representado é a representação do mundo real. O mundo representado, como o próprio termo já diz, é uma representação, o mundo representante é o meio pelo qual esta representação se materializa.” (p. 80)
“O locutor tem a responsabilidade pelas palavras em seu discurso, mas as vozes que ressoam nas suas palavras pronunciadas estão para além dele próprio.” (p. 80)
“...é a reação dialógica que produz o autor. (...) aquele que é reconhecido no diálogo.” (p. 81)
“...enunciados, ou parte deles, somente são significantes quando representam aquele que os pronunciou.” (p. 81)
“O pensamento humano só se torna pensamento autêntico, isto é, idéia, sob as condições de um contato vivo com o pensamento dos outros, materializado na voz dos outros, ou seja, na consciência dos outros expressa na palavra. É no ponto desse contato entre vozes-consciências que nasce e vive a idéia (Bakhtin, 2002, p.86).” (p. 81)
Heterogeneidade constitutiva (Authier-Revuz) do diálogo por causas das vozes. (p. 83)
“O diálogo interior é interminável e as réplicas antecipadas do discurso do outro ou a introdução de vozes reais não coloca fim a esse diálogo, somente o joga para mais adiante.” (p. 83)
HARTMANN, Fernando A voz e o discurso interior na obra de Mikhail Bakhtin. Calidoscópio Vol. 5, n. 2, p. 77-83, mai/ago 2007 © 2007 by Unisinos
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