quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Lúdico


Caros usuários:

Os trechos abaixo são fichamentos sobre lúdico realizados durante minha pesquisa de mestrado na UECE sob a orientação do Doutor João Batista Costa Gonçalves e da Doutora Claudiana Nogueira de Alencar.


O ideal é que as fontes sejam checadas nos originais.



O lúdico tem características e qualidades que, de acordo com Nogueira, Z (s/d) podem otimizar o processo de ensino aprendizagem e expandir as relações dialéticas entre aprendizagem e desenvolvimento. Aprendizagem aqui pode ser encarada como aquilo que “acontece por meio da internalização, a partir de um processo anterior, de troca, que possui uma dimensão coletiva.”. Nessa troca, informações significativas (p. 03) vão sendo apropriadas pela reflexão e pela ação de um sujeito brincante e ativo em contato com alteridades diversas e motivado pelo prazer e pelo esforço espontâneo. A mesma autora afirma que o lúdico “integra as várias dimensões da personalidade: afetiva, motora e cognitiva” (p. 04).

“O desenvolvimento do aspecto lúdico além de facilitar a aprendizagem, contribui para o desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para uma boa saúde mental, prepara para um estado interior fértil, facilita os processos de socialização, comunicação, expressão e conseqüentemente a curiosidade e a construção do conhecimento. (p. 05)

A despeito das reticências de alguns educadores sobre a propriedade e eficiência da atividade lúdica, Nogueira, Z (opus cit) lembra que “o processo ensino/aprendizagem não é linear e sim cíclico, por isso os alunos não aprendem da mesma maneira e no mesmo momento” (p. 06). Por isso o aspecto relacional e de processo em construção é tão precioso ao trabalho didático pedagógico com o lúdico (seja jogo, brincadeira ou diversão) porque permite que em algum momento uma dada inteligência requerida em sala de aula possa aflorar e resultar em desenvolvimento e aprendizagem, adaptação e evolução.

“... um espaço de construção e dialogia” e de “manifestação dos vários tipos de inteligência em momentos distintos...” (p. 06)

“Vygotsky (1994) enfatiza a interação entre desenvolvimento e aprendizagem, que seria uma construção na interação, mediada pela linguagem.” (p. 08)

...“’mito’” que há ainda que atividades lúdicas são só jogos e brincadeiras..” (p. 12)

NOGUEIRA, Zélia P. Atividades lúdicas no ensino/aprendizagem de língua inglesa. PDE - Programa de Desenvolvimento Educacional. (s/d)

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Atividades lúdicas propiciam interação e motivação, mas são mais freqüentes em aulas de língua estrangeiras de cursos superiores que em cursos de línguas (p. 01).

Pela teoria sociointeracionista de Vygotsky, linguagem e significados são construídos na interação interpessoal e influenciados por fatores históricos, sociais e culturais. (p. 02)

No caso da “competência comunicativa” e do “engajamento discursivo” a interação social entre os mais experientes e os que estão em processo de amadurecimento e de construção do significado, do pensamento e da consciência de si mesmo e por conseguinte do outro. (p. 03)

“Considerando, portanto, que é no ambiente social que ocorre a apropriação, pelo indivíduo, dos sistemas simbólicos mediadores das ações humanas e disponíveis em uma cultura (...), a interação entre o aluno, seus demais colegas e seu professor durante uma aula (...) facilitará sua compreensão a respeito dos conteúdos propostos.” (p. 03)

Souza, R (s/d. p. 04), ao resenhar algumas idéias para justificar o lúdico, observa que Vygotsky, ao tratar da dimensão simbólica do conhecimento, classifica “como funções mentais e consciência os processos caracterizados como cognitivos” e que Wallon relaciona os “aspectos intelectuais, volitivos e afetivos para a compreensão do processo do pensamento humano (e do) processo de construção do conhecimento.” As pesquisas em ciências humanas, por prezarem pesquisas qualitativas e interpretativas, são tidas como menos científicas pelas ciências positivistas duras porque não lidam apenas com quantificações. No entanto, em um estudo exploratório com professores do ensino superior de cinco instituições privadas do interior de São Paulo, Souza, R. (opus cit) explica numericamente quais situações acabam por interferir na implementação do lúdico em sala de aula.

- o número de atividades lúdicas estava diretamente relacionado com o número de contribuições que o sujeito acreditava ter o uso desse tipo de atividade no ensino de Língua Inglesa, com a freqüência de uso e com o número de atividades de capacitação, e inversamente relacionada com a idade do docente.

- a carga horária semanal estava diretamente relacionada ao número de dificuldades levantadas para uso das atividades lúdicas e inversamente relacionada ao número de contribuições percebidas com o seu uso. Provavelmente com um número elevado de aulas ele identificasse um número menor de contribuições como uma forma de proteção e defesa para não utilizá-las com mais freqüência. (p. 07)

SOUZA, Raquel T de A. A visão dos professores sobre a utilização do lúdico nas aulas de língua inglesa no ensino superior. Centro Universitário Moura Lacerda – CUML: Mestrado em Educação Ribeirão Preto, São Paulo: Categoria: Comunicação Oral. Dra. Miriam Cardoso UTSUMI (orientadora) (s/d)

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O aspecto relacional do lúdico e sua capacidade de gerar (auto-)conhecimento aprendizagem e desenvolvimento são possibilidades que podem ocorrer nos mais variados ambientes e contextos de interação humana. Isso é referendado por Christovan (2005. p. 06-07) em sua pesquisa-intervenção no universo médico-hospitalar de tratamento de soropositivos. A autora parte do princípio de que o processo de adesão ao tratamento do HIV+/AIDS envolve aprendizagem, informação e consciência. A consciência envolve formas de pensar, sentir e agir. Esse processo envolve o eu e outro. O jogo atua sobre a interação entre pacientes e profissionais envolvidos no tratamento e objetiva fomentar a reflexão sobre a questão para gerar adesão.

“A Psicologia Sócio-Histórica tem seus fundamentos na Psicologia Histórico-Cultural de Vigotski (1896-1934), que adota o materialismo histórico e dialético como filosofia, teoria e método. (...)

Fundamenta-se na concepção de homem como ser ativo, social e histórico, que se constitui como homem a partir das relações que estabelece com o meio e com outros homens num movimento dialético.

(...)

Dessa forma, a relação indivíduo-sociedade é entendida como um processo constante de transformação de si mesmo e da sociedade.

A Psicologia Sócio-Histórica desenvolve suas investigações e propõe-se compreender três categorias fundamentais do psiquismo: a atividade, consciência e identidade.” (p. 10)

“O fenômeno psicológico, portanto, na abordagem sócio-histórica, é entendido como construção, no nível individual, do mundo simbólico, que é social. É, portanto subjetividade que se constitui na relação do mundo material e social.” (p. 10)

Christovan (2005. p. 11) afirma que pensamento e linguagem têm origens e desenvolvimentos diversos. Quando se unem, a linguagem torna-se racional e o pensamento verbal. (p. 11) Daí a importância da palavra para a compreensão e construção da consciência.

“O significado da palavra é uma unidade de análise que apresenta como elementos constitutivos e inseparáveis, o pensamento e a linguagem e constitui a forma privilegiada de apreensão da consciência.

A consciência da realidade e do existir envolve aspectos afetivo-volitivos e cognitivos de internalização do externo, isto é, de semiotização da realidade pela atividade humana a qual age por meio de signos mediadores e depende da ação do outro. Assim os sujeitos atribuem significados (“construções sociais relativamente estáveis e convencionais) e sentidos (produto do “confronto entre signifcações sociais vigentes e a vivência afetiva pessoal) de seu mundo interno (subjetivo) ao mundo externo (objetivo). (p. 12-13)

Depreende-se das palavras de Christovam (opus cit) que identidade do sujeito social é a união de ação, pensamento e emoção e a subjetividade (objeto de estudo da Psicologia sócio-histórica) é a união de atividade, consciência e identidade. (p. 13)

O surgimento da atividade lúdica acompanha a história e a cultura das pessoas em sociedade com ou sem artefatos já que o próprio corpo é uma forma lúdica em dramatizações, atividades corporais (danças e lutas). O lúdico se liga ao aspecto religioso e à arte da guerra.

A “situação de brincar refere-se a uma situação mais solta, menos estruturada, apresenta comportamentos mais imitativos e o jogo é uma situação mais estruturada, com regras claras e definidas.” (p. 15)

As funções elementares são “manipulação de objetos, percepção espontânea, atenção dirigida por estímulos ambientais” e as funções psicológicas superiores englobam a “atenção voluntária, pensamento verbal, linguagem, consciência, vontade.” (p. 15)

A partir das premissas vigotskianas, sabe-se que o ser humano já começa a interagir e brincar com seus progenitores desde o nascimento partindo do mais concreto para o mais abstrato. Isto implica dizer que a criança quando brinca opera, a partir da imitação, não mais com o objeto, mas com o significado através de situações imaginárias. O pensamento liberta-se de objetos externos e passa a ser gerido cognitivamente pelas idéias. Vontade e consciência vão se estabelecendo de maneira subjetiva a partir da realidade objetiva. Mesmo assim, é no contato sócio-cultural inerente ao brincar que a regra vai substituindo a primazia da ação impulsiva. Durante o jogo os aspectos cognitivos, afetivos e psicomotores se interrelacionam e influenciam a linguagem e o pensamento, elementos da consciência (de si, do outro, e da realidade). (p. 16-19)

Há certas “posturas formais e hierárquicas”, portanto assimétricas de relações entre o eu e outro, por parte dos profissionais de saúde envolvidos no tratamento de soropositivos. (p. 53). Tais posturas são ou não reforçadas pelos sentidos e significados criados pela instituição social em que ocorrem. (p. 54). A ação das instituições sociais e dos seus agentes pode ou não contribuir para que as pessoas se tornem ‘sujeito de seu processo’. (p. 54)

“O jogo, como um recurso educativo que promove discussão e reflexão”, (p. 55) contribui para a interação, confiança e a agência das pessoas. Pensamento e emoção se objetivam na linguagem (p. 55) verbal ou não, mas também são influenciados dialeticamente por esta.

A consciência é “um processo de apropriação das significações sociais construídas socialmente para significar as próprias experiências, sentimentos e ações, atribuindo-lhes sentidos pessoais.” (p. 63)

A interação com a realidade dizível, formada pela ação e pelos atos de fala de cada sujeito social, ainda que de forma não esclarecida, constitui nosso psiquismo e nossa identidade de sujeitos sociais. (p. 66)

O jogo, por seus fins didático-pedagógicos, funciona como um recurso relacional e facilitador do processo de adesão a situações concretas e contextos sócio-históricos específicos, como, por exemplo, na conscientização da importância do tratamento de soropositivos. Ele permite um certo nível de reflexão a partir de seu simbolismo sobre as pessoas e seus contextos ao desvelar conceitos ideológicos pré-concebidos e discriminatórios. Conceitos historicamente arraigados nas relações sócio-culturais vigentes e potencializados por questões econômicas. (p. 67-68)

CHRISTOVAN, Cynthia G. dos R. G. O lúdico como mediador da consciência: resultados da aplicação de um jogo em portadores de HIV/AIDS. Dissertação de mestrado. 2005. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

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Nascimento (2008) demonstra como o processo de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira tem evoluído de uma abordagem mecânica ou behaviorista, para uma abordagem comunicativa e significativa em que os fundamentos são a autenticidade do material usado como suporte e, principalmente, a autenticidade dos estudantes em se assenhorearem do seu aprendizado e perceberem a sua identidade e a do outro, por conseguinte, suas culturas, como construções subjetivas e sociais. (p. 151-152)

Coracini (apud Nascimento, 2008. p. 152) assevera que a univocidade e a homogeneidade dos discursos são ilusões.

A língua é o fundamento tanto do psiquismo quanto da vida relacional. (p.153) O lúdico, seja em forma de brincadeira, jogo ou diversão, é uma forma de linguagem. A partir dele o professor pode favorecer um contato “entre o aprendiz e a língua estrangeira [e muito provavelmente com qualquer outro objeto de conhecimento] de uma maneira direta, autêntica e relevante”. Ainda que imprevisível, ele não deve ser castrado, porque a vida autêntica também tem seu nível de imprevisibilidade.

NASCIMENTO, Cecília E. R. O Jogo na aula de língua estrangeira: espaço aberto para a manifestação do eu. Alfa, São Paulo, 52 (1): (p.149-156). 2008

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Salvo problemas cognitivos ou psicológicos, o “conhecimento só se torna saber quando é desejado” (p. 12) porque a aprendizagem se liga ao desejo e difere de saber. (p. 12-13). O jogo, a brincadeira operam no espaço transicional de Winnicott (p. 13) que se coaduna indelevelmente com o sóciointeraciosnismo vigotskiano

Silva, S. (2003) ao fundamentar seu trabalho sobre o papel do desejo no processo de ensino-aprendizagem, afirma que Huizinga aponta como características do jogo a liberdade, a evasão da realidade e o isolamento espaço-temporal em que se realiza. Já Caillois classifica os jogos a partir de suas características como de competição, azar, simulacro e vertigem. (p. 21) Eles estão presentes entre adultos e crianças e apresentam mesclas de atividades entre si, embora umas predominem sobre outras. Em todos os tipos de atividade lúdica o ponto comum entre elas é a união entre cognoscência e desejo para transformar conhecimento em saber, para gerar autoria e autonomia no dizer de Fernandes. Por meio da relação social de confiança que se estabelece entre quem ensina e quem aprende uma zona transicional de conhecimento e ação, na perspectiva de Winnicott, permite a operacionalização do real a partir do imaginário e do desejo motivado simbolicamente. (p. 21-28)

O conhecimento é objetivável, transmissível de forma indireta ou impessoal; pode ser adquirido através de livros ou máquinas; é factível de ser sistematizado em teorias; enuncia-se através de conceitos. Por outro lado, o saber é transmissível só diretamente, de pessoa a pessoa, experiencialmente; não se pode aprender através de um livro nem de máqunas, não é sistematizável (não existem tratados de saber); pode ser enunciado somente através de metáforas, paradigmas, situações, casos clínicos [...] o saber dá poder de uso. Os conhecimentos não.

(FERNANDES apud SILVA, 2003. p. 28)

Silva (opus cit) explica que desejo se relaciona com prazer, satisfação. Desejo é uma falta que só pode ser preenchida pelo desejo do outro, porque o que se deseja não é um objeto material, mas a ação do outro. O desejo humano não é como um instinto animal programado. É uma ação selecionada que pressupõe ação responsabilizada – situação que muito lembra as idéias bakhtinianas de acento de valor e responsividade – fadada a nunca alcançar mais que uma plenitude relativa. O desejo é a representação de um sentimento de falta. O eterno desejo de completitude, prazer e satisfação, que interfere na forma como aprendemos e conhecemos de maneira social, é uma irrealidade subjetiva e potencial do ser humano inserido em uma realidade culturalizada e, portanto, ideologizada e homogeneizada por suas palavras e ação. Por tudo isto é que concordo que o prazer na realização das atividades humanas, sejam lúdicas ou não, não deve ser imposto, mas desejado por aqueles que entram em interação em contextos sócio-culturais específicos (p. 29-38).

Silva (2003. p. 39-40) tece considerações sobre as mudanças no ensino de línguas e o papel do lúdico dentro do ensino de línguas. Possivelmente suas idéias podem ser estendidas às outras disciplinas e áreas de conhecimento. Ele explicita como um processo de mudança está em curso para acompanhar nossa mudança de percepção em relação ao sujeito social o qual deve ser visto mais como pessoa e menos como operário-engrenagem chapliano de uma máquina pós-fordista dos tempos modernos.

No entremeio dessa mudança, a ênfase do processo de ensino-aprendizagem deve valorizar não mais a “estrutura, código, sistema, mas competência comunicativa, discurso, atos de fala, enunciação” (p. 43) e o professor deve o ethos do facilitador. Quanto à produção escrita, o texto materializado nos vários midiuns e gêneros, e à produção oral, a fala vocaliza fisicamente, ambas devem ser pensadas como elementos autênticos e verossímeis da comunicação cotidiana real e espontânea, sujeita ao jogo ideológico de variações valorativas e responsivas dos atos de fala enunciados pelos produtores(as) de saber.

O lúdico interrelaciona corpo, sensibilidade e intelecto e se vale de recursos significativos diversos como o verbal, o gestual, o mímico, o rítmico e o espacial. Esses múltiplos recursos semióticos fomentam novas formas de linguagem e por conseguinte de comunicação e reflexão. Pela situação imaginária da atividade lúdica, o ser brincante e aprendente vai desejando e construindo um universo lingüístico e cultural (p. 51) subjetivo para se relacionar com os outros que o rodeiam e “ressignificar as representações do mundo objetivo a sua volta”(idem, ibidem. p. 51).

Essas representações da realidade vivida são construídas social, cultural e historicamente na e pela palavra, daí porque são formas de vida ideológicas e refrativas que integram os aspectos físicos e psicológicos da pessoa humana na função de agente desejante, social e subjetivo. Os benefícios da atividade lúdica – uma forma genuína de interação sócio-cultural determinada historicamente pela ação humana – podem combater problemas de ordem psicológica demonstrados pelos integrantes de um grupo social organizado tais como timidez, apatia, insegurança ou arrogância. Esses problemas acabam resvalando nas imagens que os indivíduos constituem para se relacionarem ao longo da história consigo, com os outros e com os significados ideológicos de seus mundos e realidades, o que confirma a idéia bakhtiniana de que o aspecto psicológico dos indivíduos é ligado ao social e ao cultural e por isso é ideológico.

O prazer, o divertimento, a gratuidade e a imprevisibilidade são características da atividade lúdica que conclamam a confiança na agência de alteridades diversas, mas parceiras para se efetivarem materialmente (p. 70-73). A prática de situações concretas e a construção de conhecimentos significativos, o desenvolvimento da autonomia da pessoa que aprende, já que o(a) professor(a) não pode controlar a riqueza plurissignificativa da imprevisibilidade de um jogo, o fomento à interdisciplinaridade são algumas das vantagens apontadas pelo trabalho lúdico em formas de jogos didática e pedagogicamente organizados (p. 73-74) são conseqüências da satisfação proporcionadas pelo brincar.

As marcas da atividade lúdica em forma de jogos, brincadeiras e diversões são improvisação, espontaneidade e criatividade (p. 81) no espaço relacional em que as alteridades significam a si e ao outro, constituem responsiva e ideologicamente realidades e integram desenvolvimento e aprendizagem no liame entre o sentido subjetivo e o significado objetivo. São marcas que acompanham a história e a cultura das pessoas no processo de se constituírem agentes de sua realidade experienciável e dizível. Durante esse processo, o erro dentro da atividade lúdica existe como uma possibilidade de estabelecer validações e limites (p. 82) as quais permitirão a apreensão de uma forma de ser no mundo (p. 83), uma forma de ser na realidade lingüística e ideológica. O lúdico predispõe uma atmosfera social de “amizade, colaboração, interação” (p. 86) a qual permite uma construção colaborativa de conhecimento e sua posterior transformação em saber.

SILVA, Sérgio L. B. A função do lúdico no ensino/aprendizagem de língua estrangeira: uma visão psicopedagógica do desejo de aprender. (Dissertação – USP). São Paulo: 2003.

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A partir dos textos pesquisados compreendo que a atividade lúdica pode se desenvolver dentro e fora do universo social da escola, porque é um elemento cultural como modos de dizer, isto é, de significar as pessoas e suas realidades enunciáveis (COSTA, COLAÇO e COSTA, 2007) tanto nas áreas de linguagens e códigos como em disciplinas duras como a química. Para Oliveira et all (2008) o lúdico é uma alternativa didática barata que a partir de metodologias simples propicia um trabalho interpessoal e interdisciplinar mais agradável. Assim, o trabalho de sistematização do saber científico e da cultura pode ocorrer de modo mais significativo e real, portanto, menos compartimentalizado.

Para tanto, o trabalho docente deve ocorrer “dentro da visão sistêmica – holística multidisciplinar” (idem, ibidem. p. 01) de ensino-aprendizagem e não dentro de uma visão científica reproducionista e abstrata que busca o conhecimento e não o saber, porque:

O corpus da ciência, por exemplo, com suas teorias matematizadas, seus instrumentos cognitivos altamente formalizados, estimulam a tendência de se supor que o instrumento cognitivo privilegiado é a lógica dedutiva e não as experimentações como condição de aferição dos modelos conceituais, mesmo quando, no nível de discurso, não se desconsidere a observação sistemática e a experimentação... (idem, ibidem p. 01)

O discurso ideológico de Oliveira et all (opus cit), voltado especificamente para a desmistificação da relevância do estudo de química, ganha uma conotação ampla ao ecoar responsivamente as vozes de professores e da sociedade em geral quando enuncia as vantagens de se ensinar por meios lúdicos e não apenas logicistas. Repensar a forma como os alunos constroem seus conhecimentos na relação mediada por professores(as) põe em questão os fundamentos iluministas/racionalistas da história da sociedade atual:

OLIVEIRA, Marcelo M., RANGEL, José H. G., NETO J. de J. da C., RIBEIRO, Maria H. de O., CARVALHO, Rita de C. S., PESSÔA, Pedro A. P., BRITO Ronilson L., FARIAS, Teresinha M., Santos, Hérica C. C. dos. Lúdico e Materiais Alternativos – metodologias para o Ensino de Química desenvolvidas pelos alunos do Curso de Licenciatura Plena em Química do CEFET-MA. XIV Encontro Nacional de Ensino de Química (XIV ENEQ). UFPR, 21 a 24 de julho de 2008. Curitiba/PR. 09 páginas.

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Para Góes (s/d) o brincar se interrelaciona com os processos cognitivos, afetivos e linguageiros por meio da situação imaginativa – esta caracterizada pelas situações fictícias e pela constituição de personagens que contribuem para o desenvolvimento e estabelecimento das formas superiores de pensamento e refinamento da linguagem pela interação social e cultural entre os sujeitos desde a infância. Dentro da perspectiva sócio-histórica, o caráter sociogenético do brincar e sua inserção na cultura ratificam a idéia de que o lúdico é uma forma de linguagem, de semiotização do mundo dizível, que se caracteriza pelo jogo ideológico e responsivo de quem a efetiva. (p. 01)

A imaginação permite à pessoa, desde sua mais tenra idade e a partir da valoração centrífuga da realidade objetiva, desenvolver o pensamento abstrato pela desvinculação entre pensamento e percepção sensorial imediata e a operacionalização dos significados a partir dos conceitos. O que Góes (opus cit. p. 02) define como “transformações criativas da realidade”, o Círculo de Bakhtin enuncia como valoração temática e responsiva.

A complexificação do jogo imaginário e o respeito à regra e à verossimilhança demonstram que o processo de constituição/compreensão do mundo objetivo não é abolido, mas subjetivado pelas formações discursivo-ideológicas – sociais, culturais e históricas – enunciadas pelas linguagens verbais ou não. (p. 02)

Expandido os conceitos de Góes, acredito que a atividade lúdica pode contribuir para a aprendizagem e para o desenvolvimento da linguagem racional e do pensamento verbal na medida em que exige, tanto de quem a realiza como de quem a observa, um esforço compreensivo baseado em aspectos contextuais e microgenéticos, entendido aqui que:

“A abordagem microgenética, na forma como é assumida na perspectiva histórico-cultural implica: recortes de segmentos de interesse; atenção minuciosa ao desdobrar das ações; e, principalmente, consideração do funcionamento intersubjetivo e os processos dialógicos” (p. 06)

A situação imaginária presente na atividade lúdica opera com a constituição de realidades pela caracterização de enredos contextuais, personagens e papéis no nível do simbólico e do verossímil. É daí que advém a importância de seu aspecto social formador de cultura ao longo da história. Para Góes (opus cit) “(u)m personagem é uma figura social recriada, que pode assumir, no mesmo jogo, vários papéis” (p. 09-10), o que, em outras palavras, significa que o personagem é uma imagem construída para mediar a ação social dos sujeitos em suas performances atitudinais, sejam de caráter lingüístico ou não. Na situação imaginária, as formações discursivo-ideológicas vão sendo constituídas e vão aflorando. Dessa maneira, as lentes que as pessoas usam para enxergarem o mundo vão sendo explicitadas, situação descrita por Costa, M (2007) ao perceber construções identitárias – por vezes discriminatórias no tocante, por exemplo, a questão racial – constituídas e/ou reforçadas na atividade lúdica.

Em seu estudo sobre o brincar de crianças surdas, Góes (opus cit. p 12) cita que o potencial imaginativo da ação lúdica permite que “aspectos conjeturais, criados pelos enunciados apenas, sem depender de suportes tangíveis ou ações simuladas” aflorem dentro da situação livre e divertida da brincadeira. De acordo com Rocha (2005) são o discurso e as atitudes de parceiros mais experientes e/ou adultos que vão interferindo na transmutação do jogo simbólico em jogo de regras, o que não deve ser entendido como algo ruim a não ser que a regra seja um fim em si mesma e descaracterize a fruição estética do ato de criar e ressignificar a realidade de maneira subjetiva e submeta a atividade lúdica à regra e não à interação dialogada e negociada – situação exemplificada pelos reclames de alguns sujeitos pesquisados por Silva (2003) ao discordarem do ritmo e das características de algumas das construções lúdicas.

GÓES, Maria C. R. de. O brincar de crianças surdas: examinando a linguagem do jogo imaginário. 24ª reunião da ANPED.

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É este aspecto de envolvimento emocional que o torna uma atividade com forte teor motivacional, capaz de gerar um estado de vibração e euforia. Em virtude desta atmosfera de prazer dentro da qual se desenrola, a ludicidade é portadora de um interesse intrínseco, canalizando as energias no sentido de um esforço total para consecução de seu objetivo. Portanto, as atividades lúdicas são excitantes, mas também requerem um esforço voluntário (p. 02)

“As situações lúdicas mobilizam esquemas mentais. Sendo uma atividade física e mental, a ludicidade aciona e ativa as funções psico-neurológicas e as operações mentais, estimulando o pensamento (p. 02)

As atividades lúdicas integram as várias dimensões da personalidade: afetiva, motora e cognitiva. Como atividade física e mental que mobiliza as funções e operações, a ludicidade aciona as esferas motora e cognitiva, e à medida que gera envolvimento emocional, apela para a esfera afetiva. Assim sendo, vê-se que a atividade lúdica se assemelha à atividade artística, como um elemento integrador dos vários aspectos da personalidade. O ser que brinca e joga é, também, o ser que age, sente, pensa, aprende e se desenvolve. (p. 02)

A idéia de unir o lúdico à educação difundiu-se, principalmente a partir do movimento da Escola Nova e da adoção dos chamados "métodos ativos". No entanto, esta idéia não é tão nova nem tão recente quanto possa parecer. De acordo com TEIXEIRA (1995, p. 39), "em 1632, Comenius terminou de escrever sua obra Didactica Magna, através da qual apresentou sua concepção de educação. Ele pregava a utilização de um método de acordo com a natureza e recomendava a prática de jogos, devido ao seu valor formativo". (p. 02)

Em geral, o elemento que separa um jogo pedagógico de um outro de caráter apenas lúdico é este: desenvolve-se o jogo pedagógico com a intenção explícita de provocar aprendizagem significativa, estimular a construção de novo conhecimento e principalmente despertar o desenvolvimento de uma habilidade operatória, ou seja, o desenvolvimento de uma aptidão ou capacidade cognitiva e apreciativa específica que possibilita a compreensão e a intervenção do indivíduo nos fenômenos sociais e culturais e que o ajude a construir conexões. (p. 02-03)

Assim, o jogo no processo ensino-aprendizagem somente tem validade se usado na hora certa, e essa hora é determinada pelo seu caráter desafiador, pelo interesse do educando e pelo objetivo proposto. Jamais deve ser introduzido antes que o educando revele maturidade para superar seu desafio, e nunca quando o educando revelar cansaço pela atividade ou tédio por seus resultados. (p. 03)

NUNES, Ana R. S. C. de A. O lúdico na aquisição da segunda língua. Uniandrade (Curitiba-PR) s/d.

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No resumo de seu trabalho voltado para o ensino-aprendizagem de língua portuguesa no terceiro e quarto ciclo, Castro (2005) afirma que na atividade lúdica o mais importante é a interação e a afetividade/sensibilidade. Ela permite uma aprendizagem diferenciada e significativa (p. 05) desde que.professores e professoras se percebam como animadores (p. 05).

Castro (2005) considera que os PCN’s são um norte regulatório comum, mas não impositivo. (p. 08). Eles surgiram numa época de crescente progresso tecnológico e científico. Atualmente podemos observar um desenvolvimento tecnológico e científico da escola, mas sem a devida sensibilidade humana. (p. 08)

Castro (2005) explica que o ambiente da escola deve considerar que a tecnologia é um instrumento que informa e que o professor ou professora é o sujeito-mediador que vai ajudar o aluno a significar o conhecimento. A escola precisa ser um ambiente lúdico, dinâmico e interativo em que o discurso e a ação do professor-mediador demonstrem iniciativa e sensibilidade para se relacionar com alunos(as) e mostrar os caminhos e instrumentos para a cidadania. (p. 09-10). O(a) educador(a) deve ser criativo e comprometido para tornar o jogo desafiador, independente da matéria-prima utilizada. Durante esse processo, os envolvidos aprendem a administrar as emoções.

A autora cita a relação entre o desenvolvimento da moralidade, da ética e da cognição em crianças em idade escolar entre as antigas 5ª e 8ª séries do ensino fundamental (atuais 6º e 9º anos) (p. 12). A função socializadora, psicológica e pedagógica do lúdico quando bem trabalhada por educadores(as) nessa época pode se reverter em alunos(as) mais predispostos a aprender criticamente e a socializarem-se de acordo com os valores culturais e históricos vigentes.

Segundo Castro (2005), o terceiro e o quarto ciclo do ensino fundamental caracteriza-se piagetinianamente pelo pensamento lógico, abstrato e hipotético (p. 16). O mundo tecnológico moderno modificou a qualidade e a velocidade do pensamento humano acarretando pessoas e alunos(as) com problemas de aprendizagem, de relacionamento e de ordem psicossomática (p. 16-17).

Castro alerta que os materiais didático-pedagógicos que vão instrumentalizar a transmissão das informações devem corresponder às finalidades do segmento de ensino e os conteúdos escolares precisam vincular-se à realidade material e enunciável dos(as) estudantes como estabelecido pelas palavras dos documentos oficiais (p. 18). Para a autora é importante a democratização do conhecimento (p. 32), quando seria mais adequado falar da democratização do acesso a ele. Um importante passo para tanto é vislumbrar a relação entre as práticas discursivas – enunciadas em torno do processo de ensino-aprendizagem, seja pelo discurso oficial dos documentos oficiais, seja pelo discurso do cotidiano docente – e a ludicidade (p.33).

CASTRO, Danielle A. O lúdico no ensino-aprendizagem da língua portuguesa: sugestões de aulas criativas e divertidas aplicadas a alguns conteúdos do ensino fundamental – 5ª a 8ª série. Rio de Janeiro, 2005. Monografia de pós-graduação apresentada à Diretoria de Pós-Graduação do Centro de Ciências Humanas da Universidade Veiga de Almeida (Versão eletrônica disponível em: http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/let01.htm. Acesso em 29 11 2009 às 15 10.)

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Huizinga (1993) demonstra em seu prefácio que tanto quanto Homo sapiens (definição tributária do culto à razão do século XVIII) ou Homo faber, a nomenclatura Homo ludens é válida, já que “o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico ou um reflexo psicológico. [...] É uma função significante, isto é, encerra um certo sentido.” (idem, ibidem. p. 03-04). Em sua essência se liga a divertimento, prazer, agrado, alegria.

Huizinga é enfático ao afirmar que “(é) possível negar, se se quiser, quase todas as abstrações: a justiça, a beleza, a verdade, o bem, Deus. É possível negar-se a seriedade, mas não o jogo.” (p. 06) porque o jogo é forma significante e social presente na linguagem com seus jogos metafóricos de palavras, nos mitos e nos cultos. Portanto, o jogo está presente na constituição da realidade.

“[...] o ato puramente fisiológico de rir é exclusivo dos homens, ao passo que a função significante do jogo é comum aos homens e aos animais. O animal ridens de Aristóteles caracteriza o homem, em oposição aos animais, de maneira quase tão absoluta quanto o homo sapiens.” (p. 08)

O jogo “(e)mbora seja uma atividade não material, não desempenha uma função moral, sendo impossível aplicar-lhe as noções de vício e virtude” (p. 09). Ele envolve uma questão estética (vivacidade e graça, ritmo e harmonia) (p. 09-10) e uma questão ética (“as qualidades do jogador”) (p. 14)

Huizinga considera que o jogo é uma atividade voluntária, com função vital e significativa na constituição das atividades arquetípicas da humanidade (p. 07) (linguagem, culto e mito). Ele é delimitado no tempo e no espaço de maneira suprarreal e se caracteriza pela beleza e pela tensão (p. 10-13). Sua existência pressupõe um aspecto social que não se baseia na obtenção de ganhos materiais, mas na representação imaginativa de uma aparência da realidade e do ambiente (não necessariamente de uma falsa realidade) tanto na brincadeira infantil como nas manifestações religiosas e culturais.

Jogos “ligados à atividade sexual se verificam justamente na época do cio” (p. 12)

“[...] os hipócritas e os batoteiros sempre tiveram mais sorte do que os desmancha-prazeres: os apóstatas, os hereges, os reformadores, os profetas e objetores de consciência” (p. 15).

Há uma relação entre os agrupamentos sociais permanentes e o domínio lúdico. (p. 15)

Os ritos de iniciação à vida adulta, as saturnais, os costumes carnavalescos e orgias de estudantes (estudantadas, ragging nas universidades inglesas). As mascaradas (das festas , dos rituais, dos terrores infantis) que transformam o eu em outro. (p. 17)

O efeito produzido/dramatizado no ritual é figurativamente reproduzido na ação e se torna ele mesmo a ação de contato entre as pessoas e as realidades. (p. 18)

Culto é “uma figuração imaginária de uma realidade desejada.” Instinto é “uma invenção, uma confissão de impotência perante o problema da realidade” (FROBENIUS apud HUIZINGA, 1993. p. 19).

A palavra inglesa “play” significa jogo e representação (p. 20)

“Os jogos infantis possuem a qualidade lúdica em sua própria essência, e na forma mais pura dessa qualidade.” (p. 21)

O jogo nas sociedades primitivas, para os animais e para as crianças difere do jogo ritualizado/ritualístico na forma do sagrado do culto na sociedade tardia. (p. 21)

“A qualidade lúdica pode ser própria das ações mais elevadas.” (p. 23)

“[O] jogo é anterior à cultura; e, em certo sentido, é também superior, ou pelo menos autônomo em relação a ela. Podemos situar-nos, no jogo, abaixo do nível da seriedade, como faz a criança; mas podemos também situar-nos acima desse nível, quando atingimos as regiões do belo e do sagrado.” (p. 23)

O jogo e o ritual necessitam de um espaço delimitado (p. 23). Para compreendermos a relação entre ambos devemos evitar “uma explicação que coloca na origem do processo cultural em causa uma reflexão de ordem racional e uma intenção utilitária.” (p. 24)

“A frivolidade e o êxtase são os dois pólos que limitam o âmbito do jogo” (p. 24) que por natureza é instável. (idem, ibidem)

As celebrações sagradas são festas que celebram (às vezes sangrentas, atemorizantes sérias) que rompem a linha da rotina do cotidiano. (p. 25)

O jogo autêntico engloba o faz de conta, mesmo que latentemente. (p. 26)

O caráter fictício do jogo, dos rituais e da diversão depende da aceitação dos participantes em oscilarem entre o real e o imaginário dentro de seus papéis (p. 26-28).

A “construção de imagens, ou imaginação [é] função de jogo ou função lúdica” (p. 29).

O jogo “se processa fora e acima das austeras necessidades da vida cotidiana.” (p. 30)

Máscaras, estética, poesia e jogo (p. 30)

A relação entre o jogo e o culto não lhe desmerecem seu caráter de sagrado. (p. 31)

Quanto ao jogo, “(n)em apalavra nem a noção tiveram origem num pensamento lógico ou científico, e sim na linguagem criadora” (p.33), união conceptual e lingüística. (p. 37)

Característica formal do jogo e domínio do lúdico. (p. 37)

“(U)ma noção geral de jogo (é) uma invenção lingüística bastante tardia. (p. 36)

Esfera lúdica: “brincar, contar piada, fazer troça.” (p. 37)

Huizinga (1993) compara a semântica, a funcionalidade e o material lingüístico da palavra jogo em vários idiomas e culturas no segundo capítulo de sua obra. Ele afirma que “o latim cobre todo o terreno do jogo com uma única palavra: ludus, de ludere, de onde deriva diretamente lusus.” (p. 41). Depois assevera que nas línguas românicas “desde muito cedo, ludus foi suplantado por um derivado de jocus, cujo sentido específico (gracejar, troçar) foi ampliado para o de jogo em geral.” (p. 42)

Religião, ética, direito e cerimônia do jogo. (p. 45)

O “exame lingüístico da noção de jogo” (p. 48) ao longo da evolução filológica em várias línguas e culturas levanta a questão do nível de consciência e liberdade poética dos sujeitos no processo de transferência metafórica dos sentidos dinâmicos da palavra jogo e lúdico em relação ao sentido estrito para designar outras ações interpessoais referentes a, por exemplo, combate, cerimônia, música e preliminares do ato sexual.

“O valor conceptual de uma palavra é sempre condicionado pela palavra que designa seu oposto.” (p. 50)

“O conceito de jogo enquanto tal é de ordem mais elevada do que o de seriedade. Porque a seriedade procura excluir o jogo, ao passo que o jogo pode muito bem incluir a seriedade.” (p. 51)

A vida social reveste-se de formas suprabiológicas, que lhe conferem uma dignidade superior sob a forma de jogo, e é através deste último que a sociedade exprime sua interpretação da vida e do mundo. Não queremos dizer com isto que o jogo se transforma em cultura, e sim que em suas fases mais primitivas a cultura possui um caráter lúdico, que ela se processa segundo as formas e o ambiente do jogo. Na dupla unidade do jogo e da cultura, é ao jogo que cabe a primazia. Este é objetivamente observável, passível de definição concreta ao passo que a cultura é apenas um termo que nossa consciência histórica atribui a determinados aspectos. (p. 53)

O elemento lúdico é absorvido pela “esfera do sagrado” ou “cristaliza-se sob a forma de saber: folclore, poesia, filosofia, e as diversas formas da vida jurídica e política.” (p. 54)

Por ser identificável até mesmo entre animais, Hizinga (1993, p. 54) assevera que “as competições e exibições, enquanto divertimentos, não procedem da cultura, mas, pelo contrário, procedem-na.” Seja em sua vertente sagrada ou competitiva, tanto o valor estético do jogo, quanto seus “valores físicos, intelectuais, morais ou espirituais também são capazes de elevar o jogo até o nível cultural”. (p. 55)

O jogo pode incluir o aspecto da competição (p. 56) e ter a sensação de prazer ampliada pela platéia e pela superioridade no ato de ganhar. “A essência do lúdico está contida na frase ‘há alguma coisa em jogo’” (p. 57) seja em jogos de azar ou nos trabalhos da bolsa de valores (p. 60).

No caso da China, as instituições políticas e o Estado derivam das competições entre confrarias de homens organizados em festivais de inverno. (p. 63)

Huizinga analiza o lúdico em várias culturas ancestrais e afirma que apenas o jogo permite que “a imperecível necessidade humana de viver em beleza” seja saciada. (p. 71)

“[...] a virtude e a honra, a nobreza e a glória encontram-se desde o início dentro do quadro da competição, isto é do jogo.” (p. 73)

[...] a concepção de um sentido lúdico de natureza quase infantil, exprimindo-se em muitas e variadas formas de jogo, algumas delas sérias e outras de caráter mais ligeiro, mas todas elas profundamente enraizadas no ritual e dotadas de uma capacidade criadora de cultura, devido ao fato de permitir que se desenvolvessem em toda a sua plenitude as necessidades humanas inatas de ritmo, harmonia, mudança, alternância, contraste, clímax etc. (p. 85)

“[...] o jogo é mais antigo e muito mais original do que a civilização” (p. 85)

“[...] o caráter sagrado e sério de uma ação de maneira alguma impede que nela se encontrem qualidades lúdicas” (p. 87)

“O lúdico e o competitivo, elevados aquele plano de seriedade sagrada que toda sociedade exige para sua justiça, continuam ainda hoje sendo perceptíveis em todas as formas da vida jurídica” (p. 88).

A luta é “a forma de jogo mais intensa e enérgica, e ao mesmo tempo a mais óbvia e mais primitiva.” (p. 101)

Não devemos nos “limitar por nossa divisão habitual entre o jurídico, o religioso e o político.” (p. 103)

Prestígio “é um valor fundamental abrangendo tanto o direito quanto o poder. A vingança é a satisfação do sentido da honra, e ahonra prescisa ser satisfeita por mais perversa, criminosa ou mórbida que seja.” (p. 107)

A relação entre ritualizada e sagrada entre guerra, justiça, destino e honra. (p. 108)

“[...] presença do elemento agonístico ou lúdico na guerra.” (p. 109)

Elemento lúdico da guerra: a troca de cumprimentos e a competição. (p. 111)

O jogo é o “princípio vital de toda civilização” (p. 114).

A partir do momento em que um ou mais membros de uma comunidade de estados praticamente negam o caráter obrigatório do direito internacional e, quer efetivamente quer apenas em teoria, proclamam os interesses e o poder de seu próprio grupo – nação, partido, classe, igreja ou seja o que for – como única norma de seu comportamento político, o que desaparece não é apenas o derradeiro vestígio de um imemorial espírito lúdico, é também toda e qualquer pretensão de civilização. a sociedade desce ao nível da barbárie, e a violência original readquire seus velhos direitos.” (p. 114)

Fidelidade é “a entrega de si mesmo a uma pessoa, uma causa ou uma idéia, sem discutir as razões dessa entrega nem duvidar de seu valor permanente” (p. 117)

O jogo como ficção social e estética no “domínio ideal da honra, da virtude e da beleza” materializado no mito, na lenda e no rito. (p.115)

[...] o problema cosmogônico de saber como o mundo surgiu constitui uma das preocupações fundamentais do espírito humano. A psicologia experimental infantil mostrou que uma grande parte das perguntas feitas pelas crianças de seis anos possui um caráter autenticamente cosmogônico, como por exemplo o que faz a água correr, de onde vem o vento, o que é estar morto etc. (p. 122)

Caráter lúdico das especulações cosmogônicas. (p. 123)

“[...] a civilização vai gradualmente fazendo surgir uma certa divisão entre dois modos da vida espiritual, aos quais chamamos “jogo” e “seriedade”, e que originalmente constituía um meio espiritual contínuo, do qual surgiu a própria civilização” (p. 125)

A decisão divina “era a base do direito e da justiça dos tempos arcaicos.” (p. 132).

A “poiesis é uma função lúdica” situada além da lógica da causalidade.(p. 133).

Deve-se “rejeitar a idéia de que a poesia possui apenas uma função estética ou só pode ser explicada através da estética” (p. 134).

“A poesia sempre antecede a prosa” (p. 142) “Toda poesia tem origem no jogo” (p. 143)

“Tanto o mito quanto a poesia derivam da esfera lúdica” (p. 144).

No mito vivo não existe qualquer distinção entre o jogo e a seriedade. Só quando o mito se torna literatura, transmitida como uma forma tradicional por uma cultura que, entretanto, mais ou menos se separou da imaginação primitiva, poderá então ser aplicada ao mito a distinção entre o jogo e a seriedade, e isto em seu detrimento (p. 144)

“À medida em que diminui a crença na verdade literal do mito, o elemento lúdico, que desde o princípio havia sido próprio dele, volta a firmar-se com redobrada força” (p. 145).

(Jogo) é uma atividade que se processa dentro de certos limites temporais e espaciais, segundo uma determinada ordem e um dado número de regras livremente aceitas, e fora da esfera da necessidade ou da utilidade material. O ambiente em que ele se desenrola é de arrebatamento e entusiasmo, e torna-se sagrado ou festivo de acordo com a circunstância. a ação é acompanha por um sentimento de exaltação e tensão, e seguida por um estado de alegria e de distensão. (p 147)

Poesia é jogo de palavras e linguagem. (p. 147)

Ora, tanto o conflito quanto o amor implicam rivalidade ou competição implica jogo. (p. 148)

“Os conceitos, prisioneiros das palavras, são sempre inadequados a torrente da vida [...]” p. 149)

As “concepções surgem enquanto atos da imaginação” (p. 151)

“Há sempre um ponto de encontro entre o jogo e a santidade” (p. 155)

“[...] a imaginação poética oscila constantemente entre a convicção e a fantasia, entre o jogo e a seriedade.” (p. 156)

“A atitude lúdica já estava presente antes da presença da cultura ou da linguagem humana, portanto o terreno no qual se inscrevem a personificação e a imaginação também já estava presente desde o passado mais remoto.” (p. 156)

Mas o fato de não existir em grego uma palavra única para designar tudo aquilo que é abrangido pela noção de jogo é suficiente para explicar esse vazio que se verifica em sua terminologia. A sociedade helênica estava de tal maneira impregnada de espírito lúdico que nunca os gregos pensaram que esse espírito fosse uma entidade especial e autônoma. (p. 159)

A palavra “escola” tem por trás dela uma história curiosa. Originalmente significava “ócio”, adquirindo depois o sentido exatamente oposto de trabalho e preparação sistemática, à medida que a civilização foi restringindo cada vez mais a liberdade que os jovens tinham de dispor de seu tempo, e levando estratos cada vez mais amplos de jovens para uma vida cotidiana de rigorosa aplicação, da infância em diante. (p. 165)

Toda forma de conhecimento, incluindo, evidentemente, a filosofia, é por natureza profundamente polêmica, e é impossível compreender qualquer polêmica em termos agonísticos. As épocas em que a humanidade fez a s descobertas culturais mais importantes foram geralmente marcadas pelas mais violentas controvérsias. (p. 174)

“Quando se ouve música, quer ela se destine a exprimir idéias religiosas quer não, há uma fusão entre a percepção do belo e o sentimento do sagrado, na qual é inteiramente dissolvida a distinção entre o jogo e a seriedade” (p. 178).

Em grego a palavra que designa jogo remete etimologicamente para jogo de crianças, infantilidade. Há outras para competição, preguiça, passatempo. “Foi assim que o espírito grego não conseguiu realizar a unidade fundamental de todas estas idéias num único conceito geral, como na palavra latina ludus, claramente concebida, e nas palavras que designam o jogo nas línguas européias mais modernas” (p. 179).

A música esta imbuída de espírito competitivo (p. 183).

“A dança é uma forma especial e especialmente perfeita do próprio jogo” (p. 184).

As artes musicais (inspiradas pelas musas gregas) são mais explicitamente lúdicas que as plásticas (p. 185).

A dança é “musical porque seus elementos principais são o ritmo e o movimento e plástica porque está inevitavelmente ligada a matéria” (p. 185).

“[...]a produção da arte plástica desenrola-se completamente fora da esfera lúdica, e sua exibição é necessariamente parte de um ritual, de uma festividade ou de um acontecimento social”, momento em que o fator lúdico se ritualiza, materializa” (p. 186).

Não foi difícil mostrar a presença extremamente ativa de um certo fator lúdico em todos os processos culturais, como criador de muitas das formas fundamentais da vida social. O espírito de competição lúdica, enquanto impulso social, é mais antigo que a cultura, e a própria vida está toda penetrada por ele [...]. O ritual teve origem no jogo sagrado, a poesia nasceu do jogo e dele se nutriu, a música e a dança eram puro jogo. O saber e a filosofia encontraram expressão em palavras e formas derivadas das competições religiosas. As regras da guerra e as convenções da vida aristocrática eram baseadas em modelos lúdicos. Daí se conclui necessariamente que em suas fases primitivas a cultura é um jogo. Não que isto dizer que ela nasça do jogo, como um recém-nascido se separa do corpo da mãe. Ela surge no jogo, e enquanto jogo, para nunca mais perder esse caráter. (p. 193)

“Sobretudo o século XVIII nos pareceu ser uma época cheia de elementos lúdicos e de ludicidade.” (p. 193-194)

O uso da peruca “é um dos exemplos mais flagrantes da intervenção do elemento lúdico na cultura” (p. 206)

Palavras como barroco e rococó mantêm “associações com o jogo e com a ludicidade em geral.” (p. 206)

A partir de Huizinga (1993), identifico a política atual como um jogo que, diferente da política mais circunscrita a uma época e a um lugar como as guerras feudais do passado, teve seus efeitos potencializados pela expansão tecnológica dos meios de comunicação e de destruição nas mãos das classes dirigentes. (p 206)

A música “é a expressão mais alta e mais pura da facultas ludendi” (p. 208)

Estas tendências foram exacerbadas pela revolução industrial e suas conquistas no domínio da tecnologia. O trabalho e a produção passam a ser o ideal da época, e logo depois o seu ídolo. Toda a Europa vestia roupa de trabalho. As dominantes da civilização passaram a ser a consciência social, as aspirações educacionais e o critério científico. [...] Em conseqüência, pôde aparecer e mesmo ser acreditada a lamentável concepção marxista segundo a qual o mundo é governado por forças econômicas e interesses materiais. Este grotesco exagero da importância dos fatores econômicos foi condicionado por nossa adoração do progresso tecnológico, o qual por sua vez foi fruto do racionalismo e do utilitarismo, que destruíram os mistérios e absolveram o homem da culpa do pecado. Mas esqueceram de libertá-lo da miopia, e a única coisa de que ele passou a ser capaz foi de adaptar o mundo a sua própria mediocridade. (HUIZINGA, 1993. p. 212-213).

“A aceitação dos jogos e dos exercícios corporais como valores culturais importantes só surgiu com o final do século XVIII.” (p. 218)

O esporte ocupa, na vida social moderna, um lugar que ao mesmo tempo acompanha o processo cultural e dele está separado, ao passo que nas civilizações arcaicas as grandes competições sempre fizeram parte das grandes festas, sendo indispensáveis para a saúde e a felicidade dos que nela participavam. (p. 220)

diagoguê aristotélica (p. 221)

“[...] no verdadeiro jogo é preciso que o homem jogue como uma criança” (p. 221).

Excesso de “organização técnica e de complexidade científica” (p.221).

Princípio agonístico e meios de comunicação que facilitam as relações humanas. Técnica, publicidade, propaganda e estatística transformando jogo em negócio. (p.222)

“Quando a arte se torna autoconsciente, isto é, consciente de sua própria grandeza ela se arrisca a perder uma parte de sua eterna inocência infantil.” (p. 225)

“Sempre que há uma palavra chave terminada em -ismo estamos na pista de uma comunidade lúdica.” (p. 225)

“[...] ladeira do impressionismo até às excrescências do século XX” (p. 224)

“[...] busca de etimologias complicadas, o que ainda hoje é o um dos jogos preferidos pelos que nada sabem de lingüística” (p. 227).

Crítica ao puerilismo, (oficial e/ou sectarizante) que não é algo lúdico. (p. 228)

“[...] a perda do humor é uma coisa mortal” (p230).

O que torna séria uma ação é seu conteúdo moral. Quando o combate possui um valor ético ele deixa de ser um jogo. Só é impossível sair desse inquietante dilema para aqueles que negam o valor e validade objetivos dos padrões morais. [...] Só através de um ethos capaz de superar a relação amigo-inimigo, que reconheça uma finalidade mais alta do que a satisfação de si próprio, de seu grupo ou de sua nação, torna-se possível a uma sociedade política passar do “jogo” da guerra para uma verdadeira seriedade. (p. 234)

“De certo modo, a civilização sempre será um jogo governado por certas regras, e a verdadeira civilização sempre exigirá o espírito esportivo, a capacidade de fair play. O fair play é simplesmente a boa fé expressa em termos lúdicos.” (p. 234)

“No fundo de nossa consciência, sabemos que nenhum de nossos juízos é absolutamente definitivo.” (p. 235)

Sempre que nos sentirmos presos de vertigem, perante a secular interrogação sobre o que sério e o que é jogo, mais uma vez encontraremos no domínio da ética o ponto de apoio que a lógica é incapaz de oferecer-nos. Conforme dissemos desde o início, o jogo está fora desse domínio da moral, não é em si mesmo nem bom nem mal. Mas sempre que tivermos de decidir se qualquer ação a que somos levados por nossa vontade é uma dever que nos é exigido ou é lícito como jogo, nossa consciência moral prontamente nos dará a resposta. Sempre que nossa decisão de agir depende da verdade ou da justiça, da compaixão ou da clemência, o problema deixa de ter sentido. Basta uma gota de piedade para colocar nossos atos acima das distinções intelectuais. Em toda consciência moral baseada no reconhecimento da justiça e da graça, o dilema do jogo e da seriedade, até aqui insolúvel, deixará de poder ser formulado. (p. 236)

HUIZINGA, J. Homo Ludens. Perspectiva. 1993.

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Em seu resumo de doutoramento, Silva, D (2006) considera vigotskianamente a importância de se observar a “gênese social dos processos psíquicos” – o que reforça os laços entre linguagem racional e pensamento verbal – já que “(d)esde a infância, as funções psicológicas superiores (incluindo a imaginação) vão se constituindo a partir das interações sociais, em condições históricas e culturais específicas”.

As formas de ser, pensar, sentir e viver nas dinâmicas institucionais, na vida, no palco estão imersas (dadas) nas (pelas) condições de produção de conhecimento (o mundo das coisas/as cadeiras). Tal movimento de permanente afetação mútua entre o espaço social e o sujeito (vice-versa) potencializa a constituição da expressão subjetiva em suas dimensões cognoscitiva, afetiva e estética. (p. 04)

Silva, D (2006. p. 06) observa que a transformação da estrutura das relações humanas e das identidades culturais vincula-se a transformações econômicas mediatizadas pelas inovações tecnológicas.

Silva, D. (2006. p. 08-11) percebe que “práticas institucionais e sociais tangenciadas pela nova ordem mundial” são mediadas pelo Estado e pelo Mercado. Juntas constituem um sujeito fragmentado. Há um Estancamento do fordismo clássico e “uma recomposição das regulações entre o capital e o trabalho”. A informática, a microeletrônica a globalização e os planos transnacionais de ação alteraram a noção e a função do corporativismo estatal e do Welfare state, o estado de bem-estar social. Para o neolibealismo, a postura do Estado deve se aproximar a de uma empresa privada, deve ser flexível e desonerada para alcançar níveis de excelência em competitividade e produtividade. A força de trabalho deve ser (re)qualificada multifuncional, dinâmica, hábil e flexível para atender às exigências do mercado e superar as crises geradas pela própria ação do mercado.

Silva, D. (2006. p. 12-18) observa que o advento da filosofia neoliberal própria da burguesia empresarial inaugura uma nova ordem de valores culturais hegemônicos e atravessa as representações da sociedade contemporânea, influenciando as ações educacionais e pedagógicas. Posso inferir que as representações envolvem os sentidos das palavras enunciadas nos discursos ditos e nos silenciados. A conseqüência mais escancarada disso é a dinâmica cultural de caráter privatista do sistema público em geral e do educacional em particular. Isso se dá com a transposição de tarefas antes próprias do poder público. Por baixo da idéia dos sistemas avaliativos dos níveis de qualidade do envolvimento interpessoal e das inovações pedagógicas encontra-se a lógica empresarial de produtividade, qualidade e competitividade. O discurso da lógica neoliberal no universo educacional valoriza o produto mais que o processo criativo/imaginativo experienciado pelas pessoas.

Silva, D. (2006) afirma que para a abordagem histórico-cultural da psicologia, influenciada pelo marxismo histórico-dialético, as funções psicológicas superiores têm um suporte biológico-cerebral estruturado socialmente e marcado histórico-culturalmente e a relação do homem com a realidade é medida por meios simbólicos e pela relação entre linguagem e pensamento.

Silva, D. (2006. p. 19-24) ao analisar os processos imaginativos/criativos no quadro de Velázquez intitulado Las Hilanderas o La Fábula de Aracne observa que compreender é como um jogo, uma brincadeira para significar de maneira pessoal e refrativa o que os sentidos captam e a história e a cultura moldam (p. 20). O real e o imaginário, o visível e o invisível, a presença e a ausência estão imbricados um no outro, A tensão agonística (HUIZINGA, 1993) entre um e outro é uma condição lúdica precípua de existência e de compreensão de ambos – fato que se liga tanto à analise estética da obra como às idéias bakhtinianas de palavra dita e não-dita.

Silva, D. (2006, p. 25) afirma que Marx contribuiu para a compreensão “acerca do trabalho social como base explicativa da especificidade humana (gênese da atividade consciente) em sua constituição cultural”. A materialidade do homem, sua ciência e sua consciência são produtos que resultam (da divisão assimétrica e contraditória de sua força) de trabalho em circunstâncias concretas (sociais, culturais e históricas) e não de circunstâncias abstratas (fenomenológicas), dogmáticas, superiores ou ulteriores a seus discursos enunciados. Posição assumida por Vigotski.

Marx (apud SILVA, D. 2006. p. 26) afirma: “Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência.” Mas justo seria afirmar que ambas se determinam, porque se reconhecemos que vida e consciência são palavras com definições particulares, ambas podem se influenciar.

Silva, D. (2006) explica que durante a filogênese, o trabalho humano para preservar a própria espécie criou instrumentos e signos-linguagens para dominar a natureza. O contato pessoa-realidade passou a ser mediado, prospectivo e liberto da esfera perceptual imediata e biológica. Os processo cognoscitivos são atrelados aos “intercâmbios sociais, consolidados nos processos de significação da palavra/do mundo e de internalização de ações culturalmente compartilhadas” (p. 28).

Quando Silva (2006, p. 29) cita os problemas de tradução ou de esforço terminológico de Vigotski para definir a ação imaginativa, a questão se aproxima do trabalho de doutoramento de Souza (2003) sobre a Translingüística bakhtiniana.

Silva (2006. p. 30) considera que o desafio criativo do indivíduo de imaginar formas para adaptar-se ao meio acarreta seu desenvolvimento e se caracteriza por ser um processo ontogenético ligado às condições de vida, desejos e necessidades humanas.

Silva afirma que “(a) possibilidade de imaginar está instanciada pela palavra, pelo real.” (p. 30). A autora explica que o movimento circular e inventivo/criativo de contato entre a função imaginativa e a realidade é dialético, pois ambas se influenciam mutuamente. A imaginação pode se basear na própria realidade, na fantasia, na emoção e na originalidade de si mesma (p. 31-33).

“[...] para os autores da perspectiva histórico-cultural, o termo realidade/real direciona-se, em significado, àquilo que está determinado pelo campo perceptivo: o que se vê, o que se toca. A realidade é o concreto e é resultante do trabalho humano” (p. 30).

Silva, D (2006. p. 33) considera que a crença da criança em sua imaginação e o nível de experiência cognitiva e emocional são singulares. A autora lembra que Vigotski considerava a brincadeira como a “principal atividade da idade pré-escolar” (p. 34). O lúdico é vital para a “elaboração e “ampliação das competências imaginativas e lingüísticas das crianças” (p.35). Com base em Huizinga (1993), Librandi (2005) e Costa, Colaço e Costa (2005) compreendo que são principalmente as práticas discursivas e sociais no continuum histórico-cultural que cria barreiras para domesticar o espírito lúdico ao bel prazer de sentidos valorativos e hegemônicos.

Silva, D. (2006. p. 35-36) recorda que a originalidade imaginativa da brincadeira não descarta a plausibilidade da imitação de papéis prototípicos generalizados. A imaginação criadora da criança vai substituindo, durante a brincadeira, o perceptual/concreto pelo simbólico-abstrato e se desenvolvendo num zona de desenvolvimento proximal (p.35-36). A autora afirma que devemos considerar a “dimensão sensível e a experiência autoral como aspectos intrínsecos aos processos criativos experimentados pelas crianças em tudo que produzem” (idem, ibidem. p. 37).

Ao dissertar sobre a dimensão sensível e embrionariamente artística da brincadeira, Silva, (2006. p. 36-46) alcança reflexões caras ao Circulo de Bakhtin e conclui que o produto criativo da imaginação é um sentido particular que a ação autoral do sujeito em seu desenvolvimento ontogenético atribui aos significados gerais da realidade. A ação do sujeito de compreender a realidade enunciável envolve a consideração de alteridades diversas e de atitudes performativas estabelecidas contingencialmente em tempo-espaço diferentes e não reiteráveis. Seja na brincadeira ou na vida cotidiana, a compreensão dos papéis e das funções sociais potencialmente representáveis dependem da ação autoral do eu e do outro se imaginarem fora de seu lugares para ampliarem exotopicamente sua visão e emoldurarem sua tela. É no meio dessa ação que significado e sentido vão interagir e se influenciar.

[...] por significado, entendemos o sistema de relações que formou objetivamente no processo histórico e que está encerrado na palavra [...]. O significado é um sistema estável de generalizações que se pode encontrar em cada palavra, igualmente para todas as pessoas. Este sistema pode ter diferente profundidade, diferente grau de generalização, diferente amplitude de alcance dos objetos por ele designados, mas sempre conserva um “núcleo” permanente, um determinado conjunto de enlaces. (LURIA, apud SILVA, D. 2006. p. 38)

[...] junto com o significado, cada palavra tem um sentido, que entendemos como a separação, neste significado, daqueles aspectos ligados à situação dada e com as vivências afetivas do sujeito. (p. 39)

“A composição da encenação lúdica [...] apresenta um dos mais (e pouco abordado) aspectos da ludicidade e da imaginação infantil; sua convergência com o campo artístico” (SILVA, D. p. 45).

Silva, D. (2006. p. 47-50) analisa a questão estética do processo de ensino-aprendizagem a partir de documentos oficiais, relaciona os universos da sensibilidade, da ética e da política e traça mudanças paradigmáticas na educação brasileira. Especificamente sobre a educação infantil, ela comenta que a postura assistencialista e compensatória que vigorou até os anos 70 é declina em prol da educação ativa e imaginativa. Entretanto ela lembra que os princípios e diretrizes de racionalidade amparada em competências e habilidades de uma base comum nacional, tão propalados nos documentos oficiais, são concepções que acabam por relacionar-se com o ideário hegemônico da pós-modernidade. A “confusão conceitual” e as “ambigüidades” (opus cit. p. 51), internas aos discursos enunciados dos vários documentos oficiais que ressemantizam o lúdico “como eixo norteador (visão transdiscplinar), como área conteudística (concepção disciplinar) e como facilitador dos processos de ensino e aprendizagem (caráter didático/instrumentalizador)” (idem, ibidem. p. 51).

Silva, D. (2006, p. 52) demonstra que dentro da prática escolar, problemas estruturais, de gestão escolar e de formação docente de educadores(as) podem somar-se e o resultar num discurso e numa ação didático-pedagógica que secciona e hierarquiza os espaços lúdicos de imaginar e aprender. A autora explica a importância da relação entre professor(a) e aluno(a) no estabelecimento de práticas facilitadoras dos processos imaginativos e que estimulem a sensibilidade. A autora argumenta que as práticas escolares historicamente costumam ser intimidatórias e centradas no controle prioritário do tempo, do corpo e da mente.

Silva (2006, p. 55) cogita investigar “representações hegemônicas” e “concepções múltiplas, contraditórias, sobre o sentido de educar, conhecer, aprender e imaginar”. No centro desse objetivo repousa o ideal bakhtiniano de compreender a vida autêntica da palavra, o que nos levará a conhecer a pessoa humana na (contra)palavra dialogada e responsiva.

Silva (2006. p. 56-63) demonstra que na relação eu-outro, os discursos sociais e históricos tendem a impedir/cercear a ação imaginativa das crianças em grau crescente a partir de tenra idade escolar. O conteúdo sério alcança um status culturalmente superior à brincadeira, mas isso não impede que o ser aprendente reaja aos impedimentos trabalhados pelo ser ensinante e subverta-os de maneira subjetiva e criativa.

Trocas intersubjetivas, situações imaginativas, processos criativos que materializam a produção e negociação interpretativa dos sentidos e que afloram nas relações alteritárias marcadas pelas vozes dos sujeitos sociais envolvidos (p. 70)

A partir de Silva (2006. p. 72) compreendo que os elementos significantes que historicamente produzem sentidos são decorrentes das condições de interação alteritária. Tais elementos estão atrelados às imagens valorativas e discursivas que os sujeitos constroem de si e da realidade sócio-cultural.

Silva (2006. p. 76-77) comenta que o discurso docente no universo escolar contribui para a instrumentalização do processo imaginativo infantil característico da atividade lúdica, submetendo a imaginação à conceitualização do pensamento realista. Há uma tendência discursiva do trabalho pedagógico a normatizar e reduzir a dimensão cognoscitiva, sensível e autoral da figuração imaginativa à cópia do real (p. 80)

Silva (2006. p. 89) afirma que “(a) ação imaginativa ressignifca a realidade [...]” de maneira lúdica e modifica o trabalho escolar.

Baseado em Silva (2006. p. 95), considero que a concepção epistemológica do positivismo acerca de verdade e cientificidade ideologicamente difundida pela escola, instituição sócio-histórica pode perpetuar práticas discursivas e culturais hegemônicas e excludentes ao cercear os investimentos imaginativos de pessoas em formação. A verossimilhança é um jogo de verdade subjetiva em contato com a realidade objetiva. Silva (opus cit, p. 96) se apóia em Bakhtin para afirmar que a condição de existência do cenário lúdico e o valor verossímil de seu discurso residem no consenso interpretativo e imaginativo estabelecido entre o eu e outro.

Silva (2006.p. 100) acaba explicando os tipos de imaginação muito próxima da noção bakhtiniana de ideologia oficial e do cotidiano. Para a autora, há uma imaginação oficial (referendada pela escola e orientada para a adesão reprodutiva da realidade) e uma imaginação escondida (interpretação subjetiva, criativa e transgressora da normatização institucional e de sua realidade).

Baseada na abordagem histórico-cultural, Silva (2006. p. 108) reconhece que as qualidades prototípicas generalizadoras de constituição de papéis sociais, cenários e enredos dependem da percepção que os sujeitos alcançam da realidade e das trocas interacionais que nela ocorrem. Embora a autora fale sobre a cena lúdica, o trecho acima pode muito bem se referir a constituição (dos sentidos) da realidade cotidiana do mundo enunciável. Também pode ser inferido que os sentidos discursivizados na interação é que significam a percepção.

Silva (2006. p. 110) concorda que as enunciações podem transgredir os limites entre real e imaginário. Sua idéia reforça meu entendimento de que a compreensão significativa da realidade é o efeito pragmático-performativo das formações discursivo-ideológicas que são ressemantizadas em nossos atos de fala cotidianos. Para Silva (idem, ibidem. p. 115) criatividade, sensibilidade e conhecimento são elementos basilares para o desenvolvimento subjetivo do ser humano. A autora (idem, ibidem. p. 124) considera que a proposta instrucional da escola dentro da visão hegemônica ampla da sociedade leva a criança a encarar a fantasia, o ilusório, o autoral como opostos ao trabalho sério e baseado na reprodução do concreto. Essa concepção choca-se com o fato de que (p. 125) conhecer e imaginar são atividades conscientes que interpretam e significam a realidade e estão na origem das criações histórico-culturais do ser humano e de seus núcleos sociais.

Silva (2006. p. 129-130) observa que “[...] busca-se nas ações pedagógicas apreender a vivência imaginativa [própria da atividade lúdica e criativa] para fins instrucionais submetendo-a aos contornos da experiência com o conhecimento racionalizado, comprovado e determinado pelo real.” O lúdico/imaginativo não é só elemento de motivação e facilitação, mas fonte de criatividade (idem, ibidem. p. 130)

Silva, D. (2006. p. 132-136) explica que há momentos nas práticas didático-pedagógicas escolares que favorecem mais a criatividade e outros que favorecem mais a sistematização do conhecimento. A escola deve reconhecer que isso não deve ser adotado como uma postura dicotômica. Ainda segundo a autora, “(a)s ações guiadas pela imaginação (articuladas com as condições da realidade) repousam freneticamente no lugar do devir, orientam-se para o futuro, para o que não existe (nas margens do sentido)”. As ideologias presentes nas dicotomias epistemológicas de base positivista privilegiam a transmissão de um racionalismo pouco afeito à ação imaginativa e materializam uma prática reprodutivista de certos saberes sistematizados e institucionalizados pela tradição. A grande questão é considerar, a partir do nível do discursivo-enunciativo produzido pelos documentos oficiais e ressignificados pelos docentes, os princípios ético-políticos (a refração compreensiva e interpretativa da realidade enunciável), estéticos (a imaginação sensível e criativa), cognoscitivos (a lógica racional) e linguageiros (possibilitador das facetas sociais e culturais). Um discurso educacional cindido resulta num ser humano fragmentado na história.

SILVA, Daniele N. H. Imaginação, criança e escola: processos criativos na sala de aula. Campinas, São Paulo. 2006

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Baseado em Veloso (2006. p. 19) defino que ethos é a imagem circunscrita por determinadas formações discursivo-ideológicas que as alteridades transmitem de si mesmas através de seus modos de dizer durante sua interação.

VELOSO, Simone R. de Á. O ethos discursivo em entrevistas publicadas em Veja: a divulgação da ciência no campo jornalístico. Universidade de São Paulo. São Paulo. 2006. Dissertação de mestrado.

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Parafraseando Pinto e Góes (2006. p.13), é importante que as palavras dos documentos oficiais “oriente esforços para a busca da elevação dos modos de funcionamento dos sujeitos, de maneira a permitir a convivência e a atuação em diferentes espaços sociais”.

A “brincadeira tem base na vivência, mas não se constitui em simples reiteração da realidade conhecida” (PINTO e GOES, 2006. p. 04)

Considerando a educação infantil, as orientações e diretrizes oficiais já enfatizam a necessidade de assegurar flexibilidade ao currículo, atribuindo grande importância às atividades lúdicas e ao brincar. Entretanto, a ambigüidade dos documentos norteadores e a constatação da desvalorização e falta de espaço concedido ao brincar nessa etapa educacional, têm sido tema de várias pesquisas, que se reportam às concepções dos educadores e sua formação [...] ou às práticas desenvolvidas na sala de aula ou nas atividades de parque-recreio [...]. De modo geral, os estudos indicam que a dimensão imaginativa do brincar tende a ser redirecionada para “o real” ou instrumentalizada, para facilitar as aprendizagens de conteúdos instrucionais, tais como discriminação perceptual, leitura, escrita, pensamento lógico. Além disso, os investimentos na brincadeira de faz-de-conta são pequenos, em favor dos jogos de regras (de caráter didático ou paradidático). Quando há espaço para as crianças envolverem-se no jogo imaginário, a intervenção da professora se dá no sentido de fazer com que elas “voltem ao real” ou de introduzir conceitos escolares na brincadeira. (PINTO e GÓES, 2006. p. 15)

Pinto e Góes (2006. p. 19) ao analisar a relação entre deficiência mental, imaginação e mediação social, consideram que ganhos imaginativos oriundos das interações interpessoais mediadas por parceiros mais experientes podem ser construídos e observados longitudinalmente. Suas palavras podem orientar inclusive o trabalho didático-pedagógico desenvolvido por meios lúdico-imaginativos em qualquer sala de aula.

Pinto e Góes (2006. p. 22) demonstram que contexto lúdico e situação cultural se interrelacionam e afetam o funcionamento imaginativo. Mais adiante as autoras (idem, ibidem. p. 23) vão demonstrar que a produção e mobilização” simbolicamente estruturados na brincadeira se vinculam muito de perto às trocas linguageiras socializantes.

Pinto e Góes (2006. p. 24) demonstram que o sentido do brincar no discurso da perspectiva histórico-cultural é algo social e confluente à noção de alteridade, o eu em relação ao outro numa relação de complementaridade. Para elas “(v)alorizar o brincar e as atividades ditas lúdicas, que implicam o ficcional e a simulação, não significa retornar a uma concepção recreacionista-assistencialista da educação infantil, mas explorar caminhos de superação da concepção técnica e instrucional hoje predominante [...].”

Pinto e Góes dirigem-se especificamente para o brincar em crianças (com ou sem deficiência), mas amparado em Huizinga (1993), posso conjecturar que a discussão em torno do lúdico, na qualidade de fator propiciador de cultura e de desenvolvimento, pode se aplicar ao mundo adulto. É importante observar que “os ganhos propiciados pelo brincar não ocorrem de maneira automática, é preciso criar condições concretas nas interações sociais, nas relações que a criança estabelece com adultos e parceiros.” (PINTO e GOES, 2006. p. 25)

PINTO, Gláucia U. e GÓES, Maria C. R. de. Deficiência mental, imaginação e mediação social: um estudo sobre o brincar. Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, Jan.-Abr. 2006, v.12, n.1, p.11-28

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“[...] brincar como um espaço em que a criança tanto refina o manejo do plano interpessoal, na interação com parceiros ou adultos cuidadores, quanto elabora sobre a cultura, construindo encenações de personagens que refletem as ações e relações humanas vivenciadas em seu grupo social [...]” (GÓES. s/d. p. 01).

Ao começar a operar no plano imaginário, a criança apoia-se, em parte, na semelhança entre o objeto significado e o objeto pivô (que serve de suporte à significação conferida). Mas, com o desenvolvimento da atividade lúdica, essa semelhança passa a ser dispensada, permanecendo apenas uma exigência: a de que o objeto pivô comporte o gesto lúdico, ou seja, que possibilite os movimentos tipicamente envolvidos na ação com o objeto sendo significado. (GÓES. s/d. p. 02)

Góes (s/d. p. 02) ratifica a idéia de Huizinga (1993) ao afirmar que a brincadeira simbólica e virtual de faz-de-conta, a fantasia é um desenvolvimento conseqüente do brincar que começa atrelado ao perceptivo-imediato.

Com base em Góes (s/d. p. 02-03) considero que a linguagem posiciona-se entre a cognição e a afetividade que constituem a experiência lúdica de adesão e transgressão sóciogenética à realidade enunciável. Por causa da relação entre linguagem e pensamento e do desenvolvimento ontogenético do indivíduo em seu grupo histórico-cultural, a ação e a cena lúdica vão prescindir tanto do objeto perceptivo-imediato como do objeto pivô ou de um parceiro físico para vincular-se majoritariamente à palavra dialogada e a seus sentidos ressignificados.

Góes (p. 07-09) fala em personagens projetados – marcados lingüisticamente por enunciados remissivo-narrativos, personagens incorporados – marcados lingüisticamente por enunciados personalizadores.

Góes (s/d. p. 13) alerta para averiguarmos o propósito instrucional e normativo presente na prática didática e escolar que subordina e instrumentaliza o potencial significante sócio-cultural da ação imaginativo-lúdica.

GÓES, Maria C. R. de. O jogo imaginário na infância: a linguagem e a criação de personagens UNIMEP. s/d. http://www.anped.org.br/reunioes/23/textos/0713t.PDF.

(acesso em 19/12/2009 10:46h.)

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O caráter sóciointeracional da aprendizagem e do desenvolvimento deve ser considerado na prática didática e pedagógica da escola (p. 04). No caso da atividade lúdica inserida na sala de aula de línguas, o aprendizado dos conteúdos propostos se realiza de maneira mais significativa e prazerosa do que quando baseado em estudos restringidos a habilidades metalingüísticas e reprodutivistas (p. 14).

“O lúdico é eminentemente educativo no sentido em que constitui a força impulsora de nossa curiosidade a respeito do mundo e a vida, o princípio de toda a descoberta e toda a criação” (Santo Agostinho apud OLIVEIRA. s/d.p 05).

Ludicidade é um fenômeno interno do sujeito, que possui manifestações no exterior. A dimensão interior é aquela onde o ser humano vivencia sua experiência de comunidade, dos valores e sentimentos de viver e conviver com o outro e com os outros, vivência da cultura e dos valores comuns, que dirigem a vida, um estado de consciência. (OLIVEIRA. s/d. p. 09)

OLIVEIRA, Cláudia M. D. Aplicação de atividades lúdicas no ensino de língua inglesa por meio da declaração universal dos direitos humanos. (orientadora: Ruth Mara B. Marciniuk)

www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/754-4.pdf? (acesso em 19/12/2009 às 10:40h)

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GADAMER, Hans-G. Verdade e método (Traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica). Rio de Janeiro (Petrópolis). Vozes, 1999.

[...] “jogo não significa aqui o comportamento ou muito menos o estado de ânimo daquele que cria ou daquele que usufrui e, sobretudo não significa a liberdade de uma subjetividade que atua no jogo, mas o próprio modo de ser [...] (p. 174)

“Joga-se ‘por uma questão de recreação’, como diz Aristóteles. O que é importante é que se coloque no próprio jogo uma seriedade própria, até mesmo sagrada.” (p. 174)

“[...]o jogar preenche a finalidade que tem, quando aquele que joga entra no jogo. Não é a relação que a partir da ” (p. 175)

Gadamer (1999, p. 188) assim define: “Quando se pensa em modificação é, antes, sempre no sentido de que o que ali se modifica permanece e é fixado concomitantemente como o mesmo. Por mais totalmente que se possa modificar, modifica-se algo nele. Categorialmente visto, toda modificação (alloiosis) pertene ao âmbito da qualidade, isto é, um acidente da substância. A transformação, ao contrário, significa que algo, de uma só vez e no seu conjunto, se torna uma outra coisa, de maneira que essa outra coisa, que é enquanto transformada, passa a ser seu verdadeiro ser, em face do qual seu ser interior é nulo”.

xx

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