segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

FARACO, Carlos A. Linguagem e diálogo: As idéias lingüísticas do Círculo de Bakhtin.


Voloshinov morreu em 1936, “vitimado pela Tuberculose; e Medvedev, provavelmente em 1940, vítima dos expurgos políticos que varreram a URSS no fim da década de 1930” (FARACO, 2009. p. 13).

 

Faraco (2009) atribui as dificuldades de recepção da força e da grandeza das obras e do pensamento do Círculo a problemas referentes à ordem cronológica de publicação de obras do Círculo, à tradução de termos e de obras, ao inacabamento de algumas obras e à banalização de aspectos da teoria levaram o trabalho do Círculo a uma tardia divulgação para além de seu berço soviético, um ambiente politicamente cerceador das liberdades.

 

Para Faraco (2009), dois grandes projetos intelectuais do Círculo envolvem a intenção de construção de uma Filosofia baseada na questão axiológica e não em teoreticismo abstrato – por parte de Bakthin – e a construção de uma teoria das manifestações superestruturais, ou seja, das manifestações ideológicas a partir de uma base não mecanicista e não dogmática que estivesse lastreada centralmente pelo fenômeno da linguagem.

 

Para Faraco (2009), a unicidade, a eventicidade e a axiologia do existir concreto do Ser em relação concreta com  um outro fundamentam a concepção de linguagem do Círculo. Uma relação sem álibi, ética, cotidiana, heteroglótica, responsável, valorativa e jamais indiferente à presença do outro.

 

A verdade (istina) em relação a uma verdade (pravda).

Questão neokantiana: a axiologia.

Questão Heideggeriana: a questão do Ser, do sentido do Ser, do Ser da linguagem e do duplo incotornável.

Questão diltheyniana: o estatuto das ciências humanas e sociais.

Questão hegeliana: eu-para-mim e eu-para-os-outro.

Questão de Feuerbach: razão intersubjetiva.

Questão de Levinás: a inter-relação é irredutível à objetificação porque deve ser vivida.

Questão Humboldt: enunciação como realidade, substância ideológico-linguageira e linguagem estratificada em múltiplas cosmovisões e como processo (energeia) interacional, não como produto (ergon).

Voloshinov: conceitual sociológico sobre a natureza da consciência e consideração de uma sinalidade como algo reiterável.

Medvedv: estudo de base materialista e sócio-histórica do universo da criação ideológica.

Positivismo: Postura empiricista e atomística

Idealismo: Postura individualista e transcendental.

Superação da limitação gramatical do pensamento humboldtiano pelo esforço bakhtiniano.

Efeitos (múltiplos e potenciais) de sentido das interações dialógicas.

Heterogeneidade discursiva.

O não-verbal: o presumido.

A reiteração gera transformação.

Há, segundo o bakhtinianismo, gêneros primários (do cotidiano) e gêneros secundários (de elaboração histórico-sócio-ideológica mais elaborada e abrangente).

Pré-construídos sócio-históricos: ações, representações, valores, atitudes.

Psicanálise estuda o desejo.

O papel constitutivo da intersubjetividade.

 

Análise sócio-ideológica das manifestações linguageiro-axiológicas revela que o bakhtinianismo não se reduz a um monismo marxista de base reducionista e mecanicista causador de uma cisão dual entre o aspecto formal e o sociológico da linguagem, materialidade das forças ideológicas.

 

A ciência bakhtiniana supera a cisão entre o aspecto empírico-investigativo da ciência e o aspecto interpretativo-conceitual da filosofia, para não cair no pecado de se resumir ao método e esquecer a reflexão.

 

Faraco (2009) explica que “Bakhtin era, antes de mais nada, um filósofo, face à abrangência de sua temática e os objetivos de sua reflexão” (p. 35) e assevera que “o pensamento científico não é a única forma rigorosa de exercício da razão” (p. 37).

 

Faraco (2009, p. 42) explica que “compreender não é ato passivo (um mero reconhecimento), mas uma réplica ativa, uma resposta, uma tomada de posição diante do texto”e sua argumentação se dirige para uma distinção entre os fundamentos das ciências da natureza (voltadas para a explicação do necessário) e das ciências do espírito (voltadas para a compreensão de uma significação possível e ligadada a um contexto singular e evêntico).

 

O fundamento da ideologia é um processo semiótico de base material e contingente que se dá no mundo da produção cultural/espiritual, mundo da consciência social marcada pela teia das posições axiológico-enunciativas de cada sujeito nas muitas áreas de atividade reflexivo-intelectual.

 

De acordo com Faraco (2009, p. 52), “o material semiótico pode ser o mesmo, mas sua significação no ato social concreto da enunciação, dependendo da voz social em que está ancorado, será diferente. Isso faz da semiose humana uma realidade aberta e infinita”. Daí porque o universo da criação ideológica é material, histórico e sócio-semiótico e sua materialidade é a linguagem, uma realidade axiologicamente saturada que transcende a perspectiva reducionista de um sistema abstrato de regras.

 

Acabamento estético é aquilo que “materializa escolhas composicionais e de linguagem que resultam também de um posicionamento axiológico” (FARACO, 2009, p. 89).

Autor-criador é uma posição axiológica e sócio-ideologicamente marcada por posições socioavaliativas e responsivas únicas. Seu discurso “não é voz direta do escritor (do autor pessoa), mas um ato de apropriação refratada de uma voz social qualquer de modo a poder ordenar um todo estético” (FARACO, 2009, p. 92).

Bivocalização pressupõe dialogização interna.

Carnavalização diz respeito a relativização do já-dado em prol de um estado possível.

De acordo com Faraco (2009, p. 70): “O processo dialógico é concebido como infindo, inesgotável. As forças centrífugas – das quais o riso e a carnavalização sejam as mais fortes – corroem continuamente todos os esforços de centralização discursiva. Assim, na lógica de Bakhtin, não há (nem nunca haverá) um ponto de ‘síntese dialética’, de ‘superação definitiva das contradições’”

Dialogização de vozes sociais é o encontro de vozes e a dinâmica que o demarca.

Diálogo é o simpósio universal entre pontos de vista que se aproximam ou que se distanciam dentro de uma arena de lutas em virtude da ação de forças centrípetas e centrífugas, o momento em que ocorre a pluralidade dialogizada de vozes.

Enunciação é um ato sócio-histórico e ético materialmente marcado por uma dimensão axiológica singular que envolve, por um lado, a linguagem como atividade e, por outro lado, o enunciado como ato singular sob as mais variadas formas genérico-materiais. A língua envolve pensamento participativo na materialidade de atos objetivamente realizados enquanto que a palavra concreta possui um aspecto semântico-conceitual axiologicamente modificado a cada realização.

Esferas de criação ideológica, segundo Voloshinov, compreendem os sistemas das ideologias do cotidiano e os sistemas ideológicos constituídos sócio-historicamente e melhor elaborados (artes, ciências, religião...).

Estilística envolve a atualização individual do sistema ou a expressão criativa do psiquismo individual.

Filosofia do riso diz respeito à luta contra processos de reificação e de monologização.

Gêneros do discurso, segundo Bakhtin, são formas materializadas de comunicação sócio-ideológica.

Heteroglossia ou Plurilinguismo envolve a relação eu/outro e, por isso, a multidão de vozes enunciativas – sócio-historicamente axiologizadas, isto é, saturadas por índices contingentes de valor – são continuamente estratificadas. Heteroglossia e plurivocidade caracterizam a natureza heterogênea da linguagem.

Heteroglossia dialogizada envolve o embate entre vozes enunciativa.

Linguagem é heteroglossia, isto é, “um conjunto múltiplo e heterogêneo de vozes ou línguas sociais, isto é, um conjunto de formações verbo-axiológicas” (FARACO, 2009, p. 92) que comporta um sentido gramatical, um sentido político-cultural e um sentido heteroglótico. Na linguagem podemos identificar os traços conflitivos da heterogeneidade, da alteridade e da singularidade. Linguagem é um fenômeno sócio-interacional de caráter heterogêneo, dinâmico e material que transita no universo da cognição e da subjetividade.

O sujeito dialógico envolve a alteridade e ainteração heterogênea de pontos de vista diversos.

Palavra é um signo refratador do mundo, dos sujeitos e das verdades em diferentes graus por força do plurilinguismo dialogizado responsável pela criação de uma realidade sócio-semiótica sempre renovada por causa do jogo da interação entre sujeitos com pontos de vista que se complementam através do excedente de visão do outro, uma visão externa ao eu somente possível através do exercício do diálogo (que não significa consenso) espaço-tempo em que se estruturam a criação ideológica, a interação social nas e entre suas muitas e possíveis esferas, a compreensão responsiva, o funcionamento da consciência e da enunciação, o pensamento verbal e a linguagem racional.

Polifonia é uma categoria ético-filosófica de Bakhtin que se refere à plenivalência e eqüipolência de vozes em um mundo radicalmente democrático.

Receptor imanente “é a função estético-formal que permite transpor para o plano da obra manifestações do coro social de vozes” (FARACO, 2009, p. 97).

Relações dialógicas são relações responsivas e significatórias entre índices sócio-ideológicos de valor que vão sendo constituídos e constituem práxis humana, enquanto fenômeno social, histórico e cultural, por isso, ideológico.

Singularidade é o resultado constitutivo da exploração do espaço contingente e infinito da tensão responsiva e dialógica derivada da tensão dialógica.

Tríplice dimensão da dialogicidade é todo dizer se orienta para algo já-dito, para uma resposta futura e para o diálogo heterogêneo e interno (nem sempre visível) de vozes.

 

Índices sócio-históricos de valor dominam a léxico-gramática e a semântica e refratam a percepção e a compreensão da realidade e dos sujeitos no ato de constituir um todo estético em forma de gênero. Assim, a semiotização sociologizada da realidade é um ato responsivo e dialógico. De outra forma, a realidade sociointeracional da linguagem afeta o processo de compreensão ativo e responsivo da realidade e de seus sujeitos.

Quando a linguagem é analisada, podemos adotar o viés da linguagem em si e/ou o viés da linguagem situada, a linguagem bifurcada em valor e significado. A linguagem é um fenômeno marcado por uma especificidade, por uma virtualidade e por uma operacionalidade que se misturam no espaço-tempo da enunciação realizada.

 

Faraco (2009, p. 126) nos recorda que os enunciados (orais ou escritos) têm “conteúdo temático, organização composicional e estilos próprios correlacionados às condições específicas e às finalidades de cada esfera de atividade”. Tais enunciados se materializam como gêneros lingüístico-discursivos que podem se hibridizar em situações e contextos específicos de acordo com as condições concretas (sócio-históricas) de enunciação.

 

“Não podemos escapar nem contornar. Devemos atravessar, abraçar, tornar-se parte de um todo e acrescentar, de maneira responsiva e responsável, nosso excedente de visão” (ALFRANSBE).

 

FARACO, Carlos A. Linguagem e diálogo: As idéias lingüísticas do Círculo de Bakhtin. São Paulo. Parábola Editorial, 2009. 168 páginas. Coleção Lingua[gem]; 33.

Um comentário:

  1. olá td bem? desculpe incomodar mandando esta mensagem
    gostaria de uma informação sobre o livro se você tem em pdf
    LINGUAGEM E DIALOGO. AS IDEIAS LINGÜÍSTICAS DO CIRCULO DE BAKHTIN
    Agradeço mais uma vez e desculpe o incomodo

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