Com a obra Curso de
linguística geral estabeleceu-se as bases para que o estudo das línguas fosse
alçado à academia com o título de ciência.
Na obra, a genialidade de Saussure - que havia se
dedicado ao estudo da física e da química, mas felizmente se rendera ao estudo
da linguística - transparece intensa, até mesmo por ser uma obra póstuma,
publicada através de anotações de seus alunos em sala de aula. Saussure
estabelece a "análise estruturalista" e quatro pares de conceitos dos quais a
linguística atualmente não prescindiria para seus estudos.
Esses quatro pares de conceitos são consensualmente
chamados dicotomias, por serem definidos um em relação ao outro, e por não serem
compreendidos de maneira fiel se estudados isoladamente. Daí temos sincronia e
diacronia, língua e fala, significante e significado, paradigma e
sintagma.
Após o linguista suíço, diversos outros repensaram,
ampliaram e refutaram suas ideias - como é indispensável a toda ciência
amadurecida. Schaff (“Introdução à Semântica”) apresenta uma classificação
ampliada dos signos; em “Prolegômeros a uma teoria da linguagem”, Hjelmslev
propõe sua própria teoria dos signos e em "Ensaios Linguísticos" ele repensa
alguns conceitos saussureanos; André Martinet propõe a dupla articulação da
linguagem, o que propicia maior compreensão de dois pontos: a priori das trocas
paradigmáticas de unidades menores da língua (morfemas) e sintagmáticas da ordem
das palavras e posteriormente da articulação de unidades desprovidas de sentido,
tais como em nada, onde o fonema pode ser trocado dando origem a fada, cada e
dada. E por sua vez também poderia articular-se a palavra nada em naja, napa,
nata. Essa possibilidade de dupla articulação proporciona imensa economia
linguística, já que, partindo de sons finitos, chega-se a construções infinitas.
Outro autor de grande importância na ampliação e na realocação de alguns
conceitos de Saussure é Eugenio Coseriu. Ele propõe uma redefinição na dicotomia
língua/fala, com a interpolação do conceito de norma. Segundo Coseriu, mais
apropriado seria o uso da tríade língua X norma X fala, sendo que o conceito
saussureano de língua sofreria algumas modificações. Também é do linguista
romeno a conceituação de quatro variantes linguísticas: as diatópicas, as
diástricas, as diafásicas e as diacrônicas.
A primeira das dicotomias saussureanas é a Sincronia
versus Diacronia. Para entendê-la, nada melhor que remontar a origem dessas
palavras: ambos os termos são gregos, sendo sincronia construído de syn
"juntamente" e chrónos "tempo", significando "ao mesmo tempo", enquanto em
diacronia parte-se de dia "através" e chrónos "tempo", significando "através do
tempo". A linguística diacrônica estudaria, pois, a língua e suas variações
histórico-temporais, enquanto a linguística sincrônica estuda a língua em um
certo momento, sem importar sua evolução temporal. Não importa para a sincronia,
por exemplo, que "caligrafia" tenha significado, em um certo tempo, "escrita
bela", pois que, ao contrário da diacronia, aquela se preocupa com a língua
isolada do seu processo de mudanças históricas.
Os conceitos de língua e fala são a segunda dicotomia
do linguista suíço. Para Saussure, a oposição desses dois conceitos se deve ao
fato de a língua ser uma construção coletiva, enquanto a fala é uma propriedade
individual. A primeira é definida como sistemática, enquanto a segunda como
assistemática. Aí reside um fato interessante: a língua sendo um sistema,
abre-se toda uma miríade de possibilidades analíticas, visto que sistema
pressupõe inter-relação absoluta entre tudo na língua, justamente por um ponto
se definir apenas pela existência dos outros. A importância desse conceito é o
fato de que Saussure, através dele, estabelece o objeto de estudo da
linguística, ao afirmar que esta deve se preocupar apenas com a língua. Através
dessa dicotomia chega-se à próxima, que, apesar de simples a primeira vista,
possibilita novos entendimentos sobre muitos fatos. O primeiro deles é sobre a
própria língua, que antes sendo vista como um catálogo de nomenclaturas, passa a
ter uma relação que foge a essa entre "palavras" e "coisas", partindo para uma
entre "imagens acústicas" e "conceitos". A dicotomia Significado versus
Significante redefine a língua e a emancipa. Significante e significado, juntos,
formam um signo, cujo estudo denominou-se "semiologia".
A quarta dicotomia levou o nome de Sintagma versus
Paradigma e é facilmente entendida com alguns exemplos. Toda frase, segundo essa
dicotomia - e não apenas frases, mas também palavras e até signos
extra-linguísticos (BARTHES, R.) -, possui dois eixos: um de seleção e outro de
combinação. Na frase "Eu comprei um carro novo", há possibilidades combinatórias
claras, tais como "Um carro novo eu comprei" (mudança de ordem das palavras) ou
outras, como ao acrescentarmos novos termos à oração. Também há quase
inumeráveis possibilidades seletivas, tais como: "eu / ele / tu / João / Dina -
comprou / vendeu / roubou / explodiu - um / dois / três / muitos - carros /
foguetes / caminhões - novos / velhos / antigos / raros". O eixo de seleção
proposto pela relação paradigmática, corresponde às palavras que podem ocupar
determinado ponto em uma sentença.
As contribuições de Ferdinand de Saussure são
vastíssimas, e a linguística não as tem obscurecido. Pelo contrário: tem
evoluído pari passu com o passar dos anos, talvez por uma necessidade inata do
ser humano. Afinal, conforme bem definiu Confúcio nos “Analetos”, sem conhecer a
linguagem, não há como conhecer o homem.
Vinícius Werneck
Para a Faculdade de Comunicação Social - UFJF
"A língua como objeto da Linguística"
http://viniciuswerneck.com/Vinicius_Werneck/Textos/Entradas/2009/6/21_Mas_onde_a_porta_por_detras_da_porta_.html
21/07/2013, 16:59
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