domingo, 21 de julho de 2013

Saussure e as dicotomias

Com a obra Curso de linguística geral estabeleceu-se as bases para que o estudo das línguas fosse alçado à academia com o título de ciência.

Na obra, a genialidade de Saussure - que havia se dedicado ao estudo da física e da química, mas felizmente se rendera ao estudo da linguística - transparece intensa, até mesmo por ser uma obra póstuma, publicada através de anotações de seus alunos em sala de aula. Saussure estabelece a "análise estruturalista" e quatro pares de conceitos dos quais a linguística atualmente não prescindiria para seus estudos.

Esses quatro pares de conceitos são consensualmente chamados dicotomias, por serem definidos um em relação ao outro, e por não serem compreendidos de maneira fiel se estudados isoladamente. Daí temos sincronia e diacronia, língua e fala, significante e significado, paradigma e sintagma.

Após o linguista suíço, diversos outros repensaram, ampliaram e refutaram suas ideias - como é indispensável a toda ciência amadurecida. Schaff (“Introdução à Semântica”) apresenta uma classificação ampliada dos signos; em “Prolegômeros a uma teoria da linguagem”, Hjelmslev propõe sua própria teoria dos signos e em "Ensaios Linguísticos" ele repensa alguns conceitos saussureanos; André Martinet propõe a dupla articulação da linguagem, o que propicia maior compreensão de dois pontos: a priori das trocas paradigmáticas de unidades menores da língua (morfemas) e sintagmáticas da ordem das palavras e posteriormente da articulação de unidades desprovidas de sentido, tais como em nada, onde o fonema pode ser trocado dando origem a fada, cada e dada. E por sua vez também poderia articular-se a palavra nada em naja, napa, nata. Essa possibilidade de dupla articulação proporciona imensa economia linguística, já que, partindo de sons finitos, chega-se a construções infinitas. Outro autor de grande importância na ampliação e na realocação de alguns conceitos de Saussure é Eugenio Coseriu. Ele propõe uma redefinição na dicotomia língua/fala, com a interpolação do conceito de norma. Segundo Coseriu, mais apropriado seria o uso da tríade língua X norma X fala, sendo que o conceito saussureano de língua sofreria algumas modificações. Também é do linguista romeno a conceituação de quatro variantes linguísticas: as diatópicas, as diástricas, as diafásicas e as diacrônicas.

A primeira das dicotomias saussureanas é a Sincronia versus Diacronia. Para entendê-la, nada melhor que remontar a origem dessas palavras: ambos os termos são gregos, sendo sincronia construído de syn "juntamente" e chrónos "tempo", significando "ao mesmo tempo", enquanto em diacronia parte-se de dia "através" e chrónos "tempo", significando "através do tempo". A linguística diacrônica estudaria, pois, a língua e suas variações histórico-temporais, enquanto a linguística sincrônica estuda a língua em um certo momento, sem importar sua evolução temporal. Não importa para a sincronia, por exemplo, que "caligrafia" tenha significado, em um certo tempo, "escrita bela", pois que, ao contrário da diacronia, aquela se preocupa com a língua isolada do seu processo de mudanças históricas.

Os conceitos de língua e fala são a segunda dicotomia do linguista suíço. Para Saussure, a oposição desses dois conceitos se deve ao fato de a língua ser uma construção coletiva, enquanto a fala é uma propriedade individual. A primeira é definida como sistemática, enquanto a segunda como assistemática. Aí reside um fato interessante: a língua sendo um sistema, abre-se toda uma miríade de possibilidades analíticas, visto que sistema pressupõe inter-relação absoluta entre tudo na língua, justamente por um ponto se definir apenas pela existência dos outros. A importância desse conceito é o fato de que Saussure, através dele, estabelece o objeto de estudo da linguística, ao afirmar que esta deve se preocupar apenas com a língua. Através dessa dicotomia chega-se à próxima, que, apesar de simples a primeira vista, possibilita novos entendimentos sobre muitos fatos. O primeiro deles é sobre a própria língua, que antes sendo vista como um catálogo de nomenclaturas, passa a ter uma relação que foge a essa entre "palavras" e "coisas", partindo para uma entre "imagens acústicas" e "conceitos". A dicotomia Significado versus Significante redefine a língua e a emancipa. Significante e significado, juntos, formam um signo, cujo estudo denominou-se "semiologia".

A quarta dicotomia levou o nome de Sintagma versus Paradigma e é facilmente entendida com alguns exemplos. Toda frase, segundo essa dicotomia - e não apenas frases, mas também palavras e até signos extra-linguísticos (BARTHES, R.) -, possui dois eixos: um de seleção e outro de combinação. Na frase "Eu comprei um carro novo", há possibilidades combinatórias claras, tais como "Um carro novo eu comprei" (mudança de ordem das palavras) ou outras, como ao acrescentarmos novos termos à oração. Também há quase inumeráveis possibilidades seletivas, tais como: "eu / ele / tu / João / Dina - comprou / vendeu / roubou / explodiu - um / dois / três / muitos - carros / foguetes / caminhões - novos / velhos / antigos / raros". O eixo de seleção proposto pela relação paradigmática, corresponde às palavras que podem ocupar determinado ponto em uma sentença.

As contribuições de Ferdinand de Saussure são vastíssimas, e a linguística não as tem obscurecido. Pelo contrário: tem evoluído pari passu com o passar dos anos, talvez por uma necessidade inata do ser humano. Afinal, conforme bem definiu Confúcio nos “Analetos”, sem conhecer a linguagem, não há como conhecer o homem.

 
Vinícius Werneck
Para a Faculdade de Comunicação Social - UFJF
"A língua como objeto da Linguística"
 

http://viniciuswerneck.com/Vinicius_Werneck/Textos/Entradas/2009/6/21_Mas_onde_a_porta_por_detras_da_porta_.html
21/07/2013, 16:59

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