BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Trad.
Aurora Fornoni Bernardini et al. 7 ed. São Paulo. Hucitec. 2014. 439 p.
{Linguagem e cultura, 18}.
Bakhtin -
Questões de literatura e de estética
O problema do
Conteúdo, do Material e da Forma na Criação Literária
I – Crítica da
arte e estética geral
“[…]
sem uma concepção sistmática do campo estético, tanto no que o diferencia do
campo do cognoscível e do ético, como no que o liga a eles na unidade da
cultura, não se pode separar o objeto submetido a um estudo de poética – a obra
de arte literária – da massa de obras
escritas com palavras, mas de um outro gênero […]” (p. 15).
“[…]
um significado isolado é uma contradictio
in adjecto” (p. 16).
“[…]
é o conteúdo da atividade estética
(contemplação) orientada sobre a obra que constitui o objeto da análise
estética” (p. 22).
“Compreender o objeto estético na sua
singularidade e estrutura puramente artística, estrutura que a partir de
agora chamaremos de objeto estético
arquitetônico, é a primeira tarefa da análise estética” (p. 22).
“A
estrutura da obra, compreendida teleologicamente como realizando um objeto
estético, nós denominaremos composição da
obra” (p. 22).
“A
não diferenciação dos três momentos assinalados: a) o objeto estético, b)
o dado material, extra-estético da obra, c)
a organização composicional do material, concebida teleologicamente – acarreta
muita ambiguidade e imprecisão ao trabalho da estética material (o mesmo se
aplica a quase todas as teorias da arte)” (p. 23).
“O romance
é uma forma puramente composicional de organização das massas verbais, por ela
se constitui num objeto estético a forma arquitetônica da realização a forma arquitetônica
da realização artística de um acontecimento histórico ou social, que constitui
uma variante da forma da realização épica.
O drama é uma forma composicional
(diálogo, desmembramento em atos, etc), mas o
trágico e o cômico são formas arquitetônicas de realização” (p. 24).
“A forma do lírico é arquitetônica, mas
existem formas composicionais de poesia líricas” (p. 24).
“O humor, a heroificação, o tipo, o caráter,
são formas puramente arquitetônicas, mas é evidente que são realizadas por
métodos composicionais definidos; o poema,
o conto, a novela, são formas de gênero puramente composicionais; o
capítulo, a estrofe, o verso, são articulações puramente composicionais (embora
possam ser compreendidos de modo estritamente linguísticos, isto é, independente
do seu telos estético)” (p. 24).
“O
ritmo pode ser compreendido de uma
maneira ou de outra, isto é, como forma arquitetônica ou como forma
composicional: como forma de ordenação do material sonoro, empiricamente
percebido, audível e cognoscível, o ritmo é composicional; controlado
emocionalmente, relativo ao valor da aspiração e da tensão interiores que ele
realiza, o ritmo é composicional; controlado emocionalmente, relativo ao valor
da aspiração e da tensão interiores que ele realiza, o ritmo é arquitetônico”
(p. 24).
“As
formas arquitetônicas são as formas dos valores morais e físicos do homem
estético” (p. 25).
“As
formas composiconais que organizam o material têm um caráter teleológico,
utilitário, como que inquieto, e estão sujeitas a uma avaliação puramente
técnica, para determinar quão adequadamente elas realizam a tarefa
arquitetônica. A forma arquitetônica determina a escolha da forma composicional
[…]” (p. 25).
“As
formas arquitetônicas principais são comuns a todas as artes […]” (p. 25).
“A
correta colocação do problema do estilo,
um dos problemas mais importantes da estética, é impossível sem uma rigorosa
distinção entre formas arquitetônicas e composcionais” (p. 26).
“O
que é estético se realiza plenamente só na arte [...]” (p. 26).
II – O problema
do conteúdo
“Não
há território interior no domínio cultural: ele está inteiramente situado sobre
fronteiras, fronteiras que passam por todo lugar, através de cada momento seu,
e a unidade sistemática da cultura se estende aos átomos da vida cultural, como
o sol se reflete em cada gota. Todo ato cultural vive por essência sobre
fronteiras: nisso está sua seriedade e importância; abstraído da fronteira, ele
perde terreno, torna-se vazio, pretencioso, degenera e morre” (p. 29).
“É
somente nessa sua sistematização concreta, ou seja, no relacionamento e na
orientação direta para unidade da cultura que o fenômeno deixa de ser um mero
fato, simplesmente existente, adquire significação, sentido, transforma-se como
que numa mônada que reflete tudo em si e que está refletida em tudo” (p. 29).
“[…]
o ato cognitivo encontra uma realidade já elaborada nos conceitos do pensamento
pré-científico, mas, o que é primordial, o pensamento já vem apreciado e
regulamentado pelo procedimento ético, prático e cotidiano, social e político;
encontra-a religiosamente afirmada; e, finalmente, o ato cognitivo provém da
representação esteticamente ordenada do objeto, da visão do objeto” (p. 30).
“A
realidade oposta à arte só pode ser a realidade do conhecimento e do comportamento
ético em todas as suas variantes: a realidade da vida cotidiana, realidade
econômica, social, política e sobretudo moral” (p. 30).
“Cumpre
assinalar que, noplanodo pensamento habitual, a realidade oposta à arte (em
tais casos, aliás, gosta-se de empregar a palavra ‘vida’) já é essencialmente
estetizada” (p. 30).
“Naturalmente,
o mundo do ato ético e o mundo da beleza transformam-se eles mesmos em objetos
do conhecimento, mas com isso não introduzem nele de maneira alguma seus
valores e suas leis próprias; para tornarem-se significantes do ponto de vista
cognoscível, eles devem submeter-se inteiramente à sua unidade e à sua lei” (p.
32).
“A
atividade estética não cria uma realidade inteiramente nova. Diferentemente do
conhecimento e do ato, que criam a natureza e a humanidade social, a arte
celebra, orna, evoca essa realidade preexistente do conhecimento e do ato – a
natureza e a humanidade social – enriquece-as e completa-as, e sobretudo ela cria a unidade concreta e
intuitiva desses dois mundo, coloca o homem na natureza, compreendida como seu
ambiente estético, humaniza a natureza e naturaliza o homem” (p. 33).
“Quase
todas as categorias do pensamento humano acerca do mundo ou do homem,
categorias boas, receptivas e enriquecedoras, otimistas (não religiosas, é
claro, mas puramente leigas) tem um caráter estético; estética também é a
eterna tendência desse pensamento em imaginar o que é dever e obrigação como já
dado e presente em algum lugar, tendência que criou o pensamento mitológico e,
em grau significativo, também metafísico” (p. 34).
“[…]
chamamos de conteúdo da obra de arte
(mais precisamente, do objeto estético) à realidade do conhecimento e do ato
estético, que entra com sua identificação e avaliação no objeto estético e é
submetida a uma unificação concreta, intuitiva, a uma individualização, a uma
concretização, a um isolamento e a um acabamento, ou seja, a uma formalização
multiforme com a ajuda de um material determinado” (p. 35).
“O conteúdo
representa o momento constitutivo indispensável do objeto estético, ao qual é
correlativa a forma estética que, fora dessa relação, em geral, não tem nenhum
significado”
(p. 35).
“Fora
da relação com o conteúdo, ou seja, com o mundo e os seus momentos, mundo como
objeto do conhecimento e do ato ético, a forma não pode ser esteticamente
significante, não pode realizar suas funções fundamentais” (p. 35).
“[…]
a composição axiológica da realidade vivida multilateralmente, é o evento da realidade” (p. 35).
“[…]
sem ter uma participação axiológica em certo grau, não se pode congemplar o
acontecimento enquanto acontecimento” (p. 36).
“[…]
para que a forma tenha um significado puramente estético, o conteúdo que a
envolve deve ter um sentido ético e cogitivo possível, a forma precisa do peso
extra-estético do conteúdo, sem o qual ela não pode realizar-se enquanto forma”
(p. 37).
“O
elemento ético-cognitivo do conteúdo […]” (p. 37).
“Na
obra de arte existem como que dois poderes e duas ordens legais por eles
determinadas: cada elemento pode ser definido em dois sistemas axiológicos, o
do conteúdo e o da forma, pois em cada momento significante ambos os sistemas
encontram-se numa interação essencial e axiologicamente tensa” (p. 38).
“Só
é diretamente ético o próprio acontecimento
do ato (ato-pensamento, ato-ação, ato-sentimento, ato-desejo, etc) na sua realização viva vinda de dentro do
próprio conhecimento agente […]” (p. 39).
“A
empatia e a co-avaliação simpática ainda não tem por si só um caráter estético.
O conteúdo de empatia é ético […]” (p. 39).
“O
elemento do reconhecimento cognitivo
acompanha por toda parte a atividade da criação e da contemplação artísticas,
mas na maioria dos casos ele é inseparável do elemento ético e não pode ser
expresso por um julgamento adequado” (p. 40).
“[…]
o que é verdadeiro do ponto de vista cognitivo torna-se elemento da realização
ética” (p. 41).
“[…]
o elemento ético não possui limites em profundidade que possam ser transgredidos
ilegitimamente: a obra não predetermina e não pode predeterminar os graus de profundidade
do elemento ético” (p. 43).
“Em
princípio é possível atingir um elevado grau de cientificidade […], mas, de
fato, a análise do conteúdo é extremamente difícl, e em geral não se pode
escapar a uma certa dose de subjetividade […]” (p. 44).
III – O problema
do material
“Dotando
a palavra de tudo o que é próprio à cultura, isto é, de todas as significações
culturais (cognitivas, éticas e estéticas) chega-se bem facilmente à conclusão
de que não existe absolutamente nada na cultura além da palavra, que toda a
cultura não é nada mais que um fenômeno da língua, que o sáio e o poeta, em
igaul medida, se relacionam somente com a palavra. Pois, dissolvendo a lógica e
a estética, ou mesmo só a poética, na linguística, nós destruímis a
originalidade tanto do campo lógico e estético como, em igual medida, do campo
linguístico” (p. 45).
“A
linguística só é uma ciência na medida em que domina o seu objeto: a língua. A
língua é definida linguisticamente por um pensamento puramente linguístico. Um
enunciado isolado e concreto sempre é dado num contexto cultural e
semântico-axiológico (científico, artístico, político, etc) ou no contexto de
uma situação isolada da vida privada; apenas nesses contextos o enunciado
isolado é vivo e compreensível: ele é verdadeiro ou falso, belo ou disforme,
sincero ou malicioso, franco, cínico, autoritário e assim por diante. Não há
enunciados neutros, nem pode haver; mas a linguística vê neles somente o
fenômeno da língua, relaciona-os apenas com a unidade da língua, mas não com a
unidade de conceito, de prática de vida, da História, do caráter de um
indivíduo, etc” (p. 46).
“E o sentido da palavra, o seu significado
material, é para a linguística apenas um momento da palavra linguisticamente
determinada, legitimamente retirado do contexto cultural, semântico, no
qual a palavra realmente foi proferida” (p. 46).
“Apenas
libertando-se sistematicamente da tendência metafísica (a substancialização e a
reificação da palavra), do logismo, do psicologismo, do estetismo, é que a
linguística constrói o caminho em direção ao seu objeto, concebe-o
metodicamente e com isso torna-se pela primeira vez uma ciência” (p. 47).
“Não
foi em todos os campos que a linguística soube dominar uniformemente o seu
objeto de forma metódica: ela apenas começa agora a dominá-lo, com dificuldade,
na sintaxe, […]: até hoje, a linguística ainda não ultrapassou cientificamente
a oração complexa: este é o mais longo fenômeno da língua já explorado
linguística e cientificamente […]” (p. 47).
“[…]
a poesi precisa da língua por inteiro, de
todos os lados e com todos os seus elementos; ela não permanece indiferente a
nenhuma nuança da palavra na sua determinação linguistica” (p. 48).
“[…]
os elementos técnicos são os fatores da
impressão artística, e não os constituintes esteticamente significativos do
conteúdo dessa impressão, ou seja, do objeto estético” (p. 49).
“Natualmente,
a análise linguística encontraria palavras, orações, etc.; a análise física
encontraria o papel, a tinta de imprimir […]. Todos esses julgamentos
científicos de especialistas […] serão necessários ao esteta no seu trabalho de
estudo da estrutura da obra na sua determinação extra-estética” (p. 49).
“[…]
o objeto estético cresce nas fronteiras das palavras, nas fronteiras da língua
enquanto tal […]” (p. 50).
“A superação imanente é a definição formal da
relação com o material não só na poesia, mas em todas as artes” (p. 50).
“O
processo de realização do objeto estético, ou melhor, da tarefa artística na
sua essência, é um processo de transformação sistemática de um conjunto verbal,
compreendido linguística e composicionalmente, no todo arquitetônico de um
evento esteticamente acabado; naturalmente, todas as ligações e interl-relações
(sic) verbais de ordem linguística e
composicional transformam-se em relações arquitetônicas” (p. 51).
“[…]
o artista nunca lida com objetos e sim com palavras […]” (p. 52).
“O artista só lida com palavras, pois apenas
elas são algo definido e indiscutivelmente presente na obra” (p. 52).
“[…]
significação axiológica (a estética
psicológica diria: o elemento emocional e volitivo correspondente […])” (p.
53).
“[…]
o componente estético, que, por ora
chamaremos de imagem, não é nem um conceito nem uma palavra, nem uma
representação visual, mas uma formação estético-singular […]” (p. 53).
“[…]
tendência para uma empirização extra-estética e uma psicologização do objeto
artístico […]” (p. 54).
“A
importância das análises materiais para a estética especializada é extremamente
grande, tão grande quanto a importância da obra material e da sua elaboração
para o artista e o contemplador” (p. 55).
IV – O problema
da forma
“A
forma desmaterializa-se e sai dos limites da obra enquanto material organizado
só quando se transforma numa expressão da atividade criativa, determinada
axiologicamente, de um sujeito esteticamente ativo” (p. 57).
“Eu
me torno ativo na forma e por meio dela
ocupo uma posição axiológica fora do conteúdo (enquanto orientação cognitiva e
ética) e isto torna possivel pela primeira vez o acabamento e em geral a
realização de todas as funções estéticas da forma no que tange ao conteúdo” (p.
59).
“[…]
a função primeira da forma no que concerne ao conteúdo: trata-se do isolamento ou separação” (p. 59).
“O
isolamento desreifica de novo: uma coisa isolada é uma contradictio in adjecto” (p. 60).
“[…]
uma coisa inventada é uma contradictio in
adjecto. (p. 60).
“Na
realidade, o isolamento consiste em separar o objeto, o valor e o acontecimento
da série ética e cognitiva indispensável” (p. 61).
“Distinguimos
os seguintes elementos da palavra enquanto material: 1. o aspecto sonoro […];
2. o significado material […]; 3. o momento de ligação vocabular […]; 4. o
momento intonacional (no plano psicológico, emocional e volitivo) […]; 5. o
sentimento da atividade vocabular […]” (p. 62).
“[…]
sentimento de uma atividade de
elocução significante, que deve ser sentida como continuamente como atividade única, independentemente da
unidade objetal e semântica do seu conteúdo. […] a unidade não é do objeto nem do acontecimento, mas é a unidade de um
envolvimento, de um englobamento do objeto e do acontecimento” (p. 63).
“[…]
relação axiologicamente determinada (no plano psicológico, possui uma
tonalidade emocional-volitiva determinada). […]. Por aspecto entoacional da palavra
compreendemos a sua capacidade de exprimir toda a multiplicidade das relações
axiológicas do indivíduo falante com o conteúdo do enunciado (no plano
psicológico a multiplicidade das ações emocionais e volitivas do falante) […]
numa entonação real durante a execução […]” (p. 64).
“A
atividade do autor torna-se a atividade de uma avaliação expressa, que matiza todos os aspectos da palavra […]”
(p. 64-65).
“[…]
a atividade geradora apodera-se das ligações verbais significantes (a compação,
a metáfora; a utilização composicional das ligações sintáticas, das repetições,
dos paralelismos, da forma interrogativa; a utilização composicional das
ligações hipotáxicas e paratáxicas, etc.) […]. Assim, uma comparação ou uma
metáfora apóiam-se na unidade de uma ativdade de avaliação. […]. Abstraída do
sentimento de uma atividade do autor, ligadora e formadora, a metáfora perece,
isto é, deixa de ser metáfora poética, ou se torna um mito (como simples
metáfora linguística, ela pode servir muito bem aos objetivos do enunciado
cognitivo)” (p. 65).
“[…]
o significado objetal material da palavra é envolto pelo sentimento de uma atividade de seleção do significado, pelo
sentimento singular da iniciativa do sujeito-criador […]” (p. 65).
“O
autor, como momento constitutivo da forma, é a atividade, organizada e oriunda
do interior, do homem como totalidade, que realiza plenamente a sua tarefa […]”
(p. 68).
“O
objeto estético é uma criação que inclui em si o criador […]” (p. 69).
“A
forma artisticamente criativa dá formas antes de tudo ao homem, depois ao
mundo, mas mundo somente enquanto mundo do homem. […] a relação da forma com o
conteúdo, na unidade do objeto, assume um caráter singular e pessoal, enquanto o objeto estético
apresenta-se como algum acontecimento original e realizado da ação e da
interação do criador e do mundo” (p. 69).
O discurso no
Romance
“A
forma e o conteúdo estão unidos no discurso, entendido como fenômeno social –
social em todas as esferas de sua existência e em todos os seus momentos –
desde a imagem sonora até os estratos semânticos mais abastratos” (p. 71).
I – A
estilística contemporânea e o romance
“Até
o século XX não havia uma colocação nítida dos problemas estilísticos do
romance […]” (p. 72).
“O
romance, tomado como um conjunto, caracteriza-se como um fenômeno
pluriestilístico, plurilíngue e plurivocal. O pesquisador depara-se nele com
certas unidades estilísticas heterogêneas que repousam às vezes em planos
linguísticos diferentes e que estão submetidas a leis estilísticas distintas”
(p. 73).
As
“ligações e correlações entre as enunciações e as línguas (paroles – langues),
este movimento do tema que passa através de línguas e discursos, a sua
segmentação em filetes e gotas de plurilinguismo social, sua dialogização,
enfim, eis a singularidade fundamental da estilística romanesca” (p. 75).
“O
romance não exige apenas estas condições pois, conforme dissemos, a verdadeira
premissa da prosa romanesca está na estratificação interna da linguagem, na sua
diversidade social de linguagens e na divergência de vozes individuais que ela
encerra” (p. 76).
“[…]
todas as categorias e métodos da estilística tradicional são incapazes de dar
conta das particularidades literárias do discurso romanesco e da sua existência
específica” (p. 77).
“[…] aspectos próprios a qualquer discurso
(sua dialogização interna e os fenômenos que o acompanham) […]” (p. 79).
“Tomamos
a língua não como como um sistema de categorias gramaticais abstratas, mas como
uma língua ideologicamente saturada,
como uma concepção de mundo, e até como uma opinião concreta que garante um maximum de compreensão mútua, em todas
as esferas da vida ideológica” (p. 81).
“[…]
a estratificação e o plurilinguismo ampliam-se e aprofundam-se na medida em eu
a língua está viva e desenvolvendo-se; ao lado das forças centrípetas caminha o trabalho contínuo das forças
centrífugas da língua, ao lado da centralização verbo-ideológica e da união
caminham ininterruptos os processos de descentralização e desunificação” (p.
82).
“Cada
enunciação concreta do sujeito do discurso constitui o ponto de aplicação seja
das forças centrípetas, como das centrífugas. Os processos de centralização e
descentralização, de unificação e de desunificação cruzam-se nesta enunciação,
e ela basta não apenas à língua, como sua encarnação discursiva
individualizada, mas também ao plurilinguismo, tornando-se seu participante
ativo. Esta participação ativa de cada enunciação define para o plurilinguismo
vivo o seu aspecto linguístico e o estilo da enunciação […]. Cada enunciação
[…] pertence também, ao mesmo tempo, ao plurilinguismo social e histórico (às
forças centrífugas e estratificadoras)” (p. 82).
“A
filosofia da linguagem, a linguística e a estilística, nascidas e formadas no
curso das tendências centralizadoras da vida linguística, ignoravam este
plurilinguismo dialogizado que personificava as forças centrífugas dessa mesna
vida. […]. Pode-se mesmo dizer que o aspecto dialógico do discurso e todos os
fenômenos a ele ligados permaneceram até a época recente fora do âmbito da linguística”
(p. 83).
“Do
ponto de vista ideológico, a ‘consciência linguística’, real, saturada de
ideologia, participante de um plurilinguismo e de uma plurivocidade autêntica,
permanecia fora do campo de visão dos estudiosos” (p. 84).
II – O discurso
na poesia e o discurso no romance
“Pois
todo discurso concreto (enunciação) encontra aquele objeto para o qual está
voltado sempre […]. Orientado para o seu objeto, o discurso penetra neste meio
dialogicamente perturbado e tenso de discursos de outrem, de julgamentos e de
entonações” (p. 86).
“O
enunciado existente, surgido de maneira significativa num determinado momento
social e histórico, não pode deixar de tocar os milhares de fios dialógicos
existentes, tecidos pela consciência ideológica em torno de um dado objeto da
enunciação, , não pode deixar de ser participante ativo do diálogo social. Ele
também surge desse diálogo como seu prolongamento, como sua réplica […]” (p.
86).
“[…]
opiniões sociais multidiscursivas […]” (p. 86).
“Se
representarmos a intenção, isto é, a orientação sobre o objeto de tal
discurso pela forma de um raio, então nós explicaremos o jogo vivo e inimitável
de cores e luzes nas facetas da imagem que é construída por elas, devido à
refração do discurso-raio […] naquele meio de discursos alheios, de apreciações
e de entonações […]. A atmosfera social do discurso que envolve o objeto faz
brilhar as facetas de sua imagem.” (p. 87).
“[…]
o objeto revela antes de tudo justamente esta multiformidade social plurilíngue
dos seus nomes, definições e avaliações” (p. 87).
“A
orientação dialógica é naturalmente um fenômeno próprio a todo o discurso.
Trata-se da orientação natural de qualquer discurso vivo. Em todos os seus
caminhos até o objeto, em todas direções, o discurso se encontra com o discurso
de outrem e não pode deixar de participar, com ele, de uma interação viva e
tensa. Apenas o Adão mítico que chegou com a primeira palavra num mundo virgem, ainda não desacreditado, somente este
Adão podia realmente evitar por completo esta mútua orientação dialógica do
discurso alheio para o objeto. Para o discurso humano, concreto e histórico,
isso não é possível: só em certa medida e convencionalmente é que pode dela se
afastar” (p. 88).
“O
mais surpreendente é que a filosofia da linguagem e a linguística tenham-se
orientado, de preferência, justamente segundo esta condição artificial e
convencional de discurso retirado do diálogo aceitando-o como normal (apesar de
que o primado do diálogo sobre o monólogo tenha sido frequentemente proclamado).
O diálogo era estudado apenas como forma cmposicional da construção do
discurso, mas a dialogicidade interna do discurso (tanto no réplica, como na
enunciação monológica) que penetra em toda a sua estrutura, todos os seus
estratos semânticos e expressivos, foram quase que absolutamente ignorados. É
justamente esta dialogicidade interna do discurso, que não aceita formas
dialógicas externas de composição, que não se destaca como ato independente da
concepção que o discurso tem de seu objeto […]” (p. 88).
“O
discurso nasce no diálogo como sua réplica viva, forma-se na mútua-orientação
dialógica do discurso de outrem no interior do objeto. A concepção que o
discurso tem deseu objeto é dialógica” (p. 88, 89).
“Todo
discurso é orientado para a resposta e ele não pode esquivar-se à influência
profunda do discurso da resposta antecipada” (p. 89).
“Todas
as formas retóricas e monológicas por sua construção composicional, estão
ajustadas no ouvinte e na sua resposta. […] a orientação para a resposta é
aberta, manifesta e concreta” (p. 89).
“A
resposta compreensível é a força essencial que participa da formação do
discurso e, principalmente, da compreensão ativa,
percebendo o discurso como oposição ou reforço e enriquecendo-o” (p. 89).
“A
filosofia da linguagem e a linguística conhecem apenas a compreensão passiva do
discurso, sobretudo no plano da língua geral, isto é, a compreensão do significado neutro da enunciação, e não
do seu sentido atual” (p. 90).
“[…]
toda compreensão concreta é ativa […]. A compreensão amadurece apenas na
resposta. A compreensão e a resposta estão fundidas dialeticamente e
reciprocamente condicionadas, sendo impossível uma sem a outra” (p. 90).
“[…]
consciência social e verbal plurilíngue que enreda o objeto. […] horizonte
objetal e axiológico do leitor […]” (p. 91).
“[…]
consciência social pluridiscursiva […]” (p. 91).
“O
estilo compreende organicamente em si as indicações externas, a correlação de
seus elementos próprios com aqueles do contexto de outrem. A política interna
do estilo (combinação dos elementos) determina sua política exterior (em
relação ao discurso de outrem). O discurso como que vive na fronteira do seu
próprio contexto e daquele de outrem” (p. 92).
“A
réplica de qualquer diálogo real encerra esta dupla existência: ela é
construída e compreendida no contexto de todo o diálogo, o qual se constitui a
partir de suas enunciações (do ponto de vista do falante) e das enunciações de
outrem (do partner). Não é possível
retirar uma única réplica deste contexto misto de discursos próprios e alheios
sem que se perca seu sentido e seu tom, ela é uma parte orgânica de um todo
plurívoco” (p. 92).
“O
fenômeno da dialogicidade interna […], em maior ou meno grau, encontra-se
manifesto em todas as esferas do discurso vivo” (p. 92).
“Na
maioria dos gêneros poéticos (no sentido restrito do termo) […] a dialogicidade
interna do discurso não é utilizada de maneira literária […]” (p. 92).
“[…]
um homem envolvido pelo plurilinguismo e pela polifonia vivos […]” (p. 93).
“A
unidade e a unicidade da linguagem são condições obrigatórias para realizar a
individualidade intencional e direta do estilo poético e da sua estabilidade
monológica” (p. 94).
Bakhtin
(2014, p. 94) cita a existência de “plurilinguismo ou mesmo o multilinguismo
[…] na obra poética” e de “elementos do plurilinguismo” (p. 95).
“A
língua, enuanto meio vivo e concreto onde vive a consciência do artista da
palavra, nunca é única. Ela é única somente como sistema gramatical abstrato de
formas normativas, abstraída das percepções ideológicas concretas que a
preenche e da contínua evolução histórica da linguagem viva” (p. 96).
A
“estratificação é determinada, antes de tudo, pelos organismos específicos dos
gêneros. Estes ou aqueles elementos da língua (lexico-lógicos, semânticos,
sintáticos, etc) estão estreitamente unidos com a orientação intencional e com
o sistema geral de acentuação destes ou daqueles gêneros: oratórios,
publicitários, gêneros de imprensa, gêneros jornalísticos, gêneros de
literatura inferior (como o romance de folhetim, por exemplo) e, finalmente, os
diversos gêneros da grande literatura” (p. 96).
“Toda
manifestação verbal socialmente importante tem o poder, às vezes por longo
tempo e um amplo círculo, de contagiar com suas intenções os elementos da
linguagem que estão integrados na sua orientação semântica e expressiva,
impondo-lhes nuanças de sentido e tons de valores definidos: deste modo, ela
pode criar a palavra-slogan, a
palavra-injúria, a palavra-louvor, etc” (p. 97).
“Desse
modo, em cada momento da sua existência histórica, a linguagem é grandemente
pluridiscursiva. Deve-se isso à coexistência de contradições sócio-ideológicas
entre presente e passado […]” (p. 98).
“[…]
todas as linguagens do plurilinguismo, qualquer que seja o princípio básico de
seu isolamento, são pontos de vista específicos sobre o mundo, formas da sua
interpretação verbal, perspectivas específicas objetais, semânticas e
axiológicas” (p. 98).
“O
discurso vive fora de si mesmo, na sua orientação viva sobre seu objeto […]. Estudar o discurso em si mesmo, ignorar a
sua orientação externa, é algo tão absurdo como estudar o sofrimento psíquico
fora da realidade a que está dirigido e pela qual ele é determinado” (p.
99).
“[…]
entre as ‘linguagens’, quaisquer que elas sejam, são possíveis relações
dialógicas (particulares), ou seja, elas podem ser percebidas como pontos de
vistas sobre o mundo. Por mais diferentes que sejam as forças sociais que
produzem o trabalho de estratificação (profissão, gênero, tendência,
personalidade individual), este reduz-se a uma saturação da linguagem,
saturação esta (relativamente) longa […]” (p. 99).
“Todas
as palavras evocam uma profissão, um gênero, uma tendência, um partido, uma
idade, uma obra determinada, uma pessoa definida, uma geração, uma idade, um
dia, uma hora. Cada palavra evoca um contexto ou contextos nos quais ela viveu
sua vida socialmente tensa; todas as palavras e formas são povoadas de
intenções. Nelas são inevitáveis as harmônicas contextuais (de gêneros, de
orientações, de indivíduos) (p. 100).
“A
linguagem não é um meio neutro que se tornne fácil e livremente a propriedade
intencional do falante; ela está povoada ou superpovoada de intenções de
outrem. Dominá-la, submetê-la às próprias intenções e acentos é um processo
difícil e complexo” (p. 100).
“A
linguagem literária é um fenômeno profundamente original, […] torna-se
plurilíngue: trata-se não de uma linguagem, mas de um diálogo de linguagens”
(p. 101).
A
consciência linguística, sócio-ideológica e concreta, ao se tornar artisticamente
ativa, isto é, literariamente ativa, encontra-se de antemão envolvida por um
pluridiscurso, e de modo algum por uma só linguagem, única, indiscutível e
peremptória” (p. 101).
“[…]
línguas diferentes, até mesmo do
ponto de vista de índices abstratos sociais e dialetológicos” (p. 102).
SOCIOLINGUÍSTICA E POLÍTICA LINGUÍSTICA.
“[…]
plruidiscursividade ainda mais multiforme e profunda […]” (p. 103).
“O
prosador-romancista não elimina as intenções alheias da língua feita de
diferentes linguagens de suas oras, não destrói as perspectivas
sócio-ideológicas (mundos e micromundos sócio-ideológicos) que se desenvolve
além das linguagens do plurilinguismo, ele as introduz em sua obra. O prosador
utiliza-se de discursos já povoados pelas intenções sociais de outrem,
obrigando-os a servir às suas novas intenções sociais de outrem, a servir ao
segundo senhor. Por conseguinte, as intenções do prosador refratam-se e o fazem sob diversos
ângulos, segundo o caráter sócio-ideológico de outrem, segundo o
reforçamento e a objetivação das linguagens que refratam o plurilinguismo” (p.
105).
“O
diálogo chega a profundidades moleculares e no fim atinge o interior dos átomos” (p. 106).
“Todas
as palavras e formas que povoam a
linguagem são vozes sociais e históricas, que lhe dão determinadas
significações concretas e que se organizam
no romance em um sistema estilístico harmonioso, expressando a posição
sócio-ideológica diferenciada do autor no seio dos diferentes discursos da sua
época” (p. 106).
III – O
plurilinguismo no romance
“O
estilo humorístico exige esse movimento vivo do autor em relação à lingua e
vice-versa, essa mudança constante da distância e a sucessiva passagem de luz
para sombra, ora de uns, ora de outros momentos da linguagem” (p. 108).
“Denominamos
construção híbrida o enunciado que, segundo índices gramaticais (sintáticos) e
composicionais, pertence a um único falante, mas onde, na realidade, estão confundidos dois enunciados, dois modos de falar, dois
estilos, duas ‘linguagens’, duas perspectivas semânticas e axiológicas” (p.
110).
“[…]
o estilo humorístico (do tipo inglês) baseia-se na estratificação da linguagem
comum e na possibilidade de separar de algum modo as suas intenções dos seus
estratos, sem se solidarizar inteiramente com eles,. É justamente o caráter
plurilíngue, e não a unidade de uma linguagem comum normativa, que representa a
base do estilo. […] a compreensão linguística é o momento abstrato de uma
compreensão concreta e ativa (dialogicamente participante) do plurilinguismo
vivo, introduzido no romance e literariamente organizado nele” (p. 113).
“As
linguagens e as perspectivas sócio-ideológicas […] linguagens já constituídas,
oficialmente reconhecidas […]” (p. 116).
“[…]
perspectiva linguística, ideológico-verbal particular, de um ponto de vista
peculiar sore o mundo e os acontecimentos, de apreciações e entonações
específicas […]” (p. 117).
“[…]
conjugação dialógica de duas linguagens e de duas perspectivas permitem que a
intenção do autor se realize […]” (p. 119).
“Uma
outra forma de introdução e organização do plurilinguismo no romance, utilizada
por todos sem excessão, é a do discurso dos personagens” (p. 119).
ESTRATIFICAÇÃO
E PLURILINGUISMO (p. 120).
“[…]
o papel do personagem como fator de introdução do plurilinguismo” (p. 123).
“[…]
os gêneros intercalados ou enquadrados são as formas fundamentais para
introduzir e organizar o plurilinguismo no romance” (p. 127).
“O
plurilinguismo introduzido no romance (quaisquer que sejam as formas de sua
introdução), é o discurso de outrem na
linguagem de outrem, que serve para refratar a expressão das intenções do
autor. A palavra desse discurso é uma palavra bivocal especial. […] Nesse discurso há duas vozes, dois sentidos,
duas expressões. Ademais, essas duas vozes estão dialogicamente correlacionadas
[…]. O discurso bivocal sempre é internamente dialogizado” (p. 127).
“Naturalmente,
o discurso bivocal internamente dialogizado é possível também num sistema linguístico fechado, puro e
único, estranho ao relativismo linguístico da consciência da prosa, portanto, é
possível nos gêneros poéticos puros” (p. 128).
“A
dialogicidade interna do discurso autenticamente prosaico, que cresce de forma
orgânica a partir de uma linguagem estratificada e plurilíngue, não pode ser
substancialmente dramatizada e dramaticamente acabada (terminada de fato), ela
não cabe inteiramente nos quadros de um diálogo direto, de uma conversa entre
pessoas, não é totalmente divisível em réplicas nitidamente delimitadas. Essa
bivocalidade prosaica é pré-elaborada na
própria linguagem (como também a verdadeira metáfora, como o mito) na linguagem
enquanto fenômeno social formado historicamente, estratificado e dilacerado
socialmente no decorrer da evolução” (p. 129).
“O
discurso bivocal em prosa é ambíguo. Mas o discurso poético em sentido estrito é
igualmente ambíguo e polissêmico. […]. O discurso poético é um tropo que exige
que se percebam nele, os seus dois sentidos” (p. 130).
“[…]
a ambiguidade (ou polissemia) do símbolo nunca acarreta a sua dupla acentuação”
(p. 130).
O
“plurilinguismo e […] sua produção específica: o discurso bivocal” (p. 130 –
nota de rodapé).
“Para
compreender a diferença entre a bissemia poética e a bivocalidade prosaica,
basta perceber e acentuar ironicamente qualquer símbolo (é claro que num
contexto substancial correspondente), isto é, introduzir nele a sua voz,
refratar nele a sua intenção. Com isso, o símbolo poético, permanecendo
símbolo, é claro, é transferido ao mesmo tempo para o plano prosaico, torna-se
um discurso bivocal […]” (p. 131).
“A
bissemia do discurso bivocal é dialogizada internamente, está prenhe de um
diálogo e, de fato, pode gerar diálogos de vozes realmente divididas […] a
bivocalidade autêntica não se esgota […] e permanece no discurso, a linguagem
como uma fonte inexaurível de dialogicidade, pois a dialocidade interna do
discurso é o acontecimento indispensável da estratificação da língua, a
consequência de sua superpovoação de intenções plurilíngues. E essa
estratificação e a superpovoação e a sobrecarga a ela ligadas, são o
companheiro inevitável da transformação histórica, socialmente contraditória,
da linguagem.” (p. 132). A CONSTITUIÇÃO PLURAL DOS SUJEITOS.
“A
prosa literária pressupõe a percepção da concretude e da relatividade
históricas e sociais da palavra viva, de sua participação na transformação
histórica e na luta social; e ela toma a palavra ainda quente dessa luta e
desta hostilidade, ainda não resolvida e dilacerada pelas entonações e acentos
hostis e a submete à unidade dinâmica de seu estilo” (p. 133).
IV - A pessoa
que fala no romance
“[…]
o plurilinguismo social, a consciência da diversidade das linguagens do mundo e
da sociedade […]” (p. 134).
“O
principal objeto do gênero romanesco […] é o homem que fala e sua palavra” (p.
135).
Três
momentos do gênero romanesco
“1.
No romance, o homem que fala e sua palavra são objeto tanto de representação
verbal como literária” (p. 135).
“2.
O sujeito que fala no romance é um homem
essencialmente social, historicamente concreto e definido e seu discurso é
uma linguagem social (ainda que em embrião), e não um ‘dialeto individual’” (p.
135).
“3.
O sujeito que fala no romance é sempre, em certo grau, um ideólogo e suas palavras são sempre um ideologema” (p. 135).
“[…]
o problema da imagem da linguagem e
[…] o enfoque da questão da transmissão da fala de outrem […]” (p. 138).
“Em
todos os domínios da vida e da criação ideológica, nossa fala contém em
abundância palavras de outrem, transmitidas com todos os graus variáveis de
precisão e imparcialidade” (p. 139).
“A
maioria das informações e opiniões e opiniões não são transmitidas geralmente,
em forma direta, originária do próprio falante, mas referem-se a uma fonte
geral indeterminada […]” (p. 140).
“[…]
entre todas as palavras pronunciadas no cotidiano não menos que a metade provém
de outrem” (p. 140).
“O
contexto que avoluma a palavra de outrem origina um fundo dialógico cuja
influência pode ser muito grande” (p. 141).
“[…]
para a apreciação cotidiana e para adivinhar o significado verdadeiro das palavras
de outrem pode ser decisivo saber-se quem fala e em que precisas
circunstâncias. A compreensão e o julgamento cotidiano não separam a palavra da
pessoa totalmente concreta do falante (o que é possível na esfera ideológica).
Além disto, é muito importante situar a conversação; quem esteve presente no
ato, que expressão tinha, como era sua mímica ao falar, quais as nuanças de sua
entonação enquanto falava” (p. 141).
“A
evolução ideológica do homem […] é um processo de escolha e de assimilação das
palavras de outrem” (p. 142).
“[…]
a palavra de outrem […] procura definir as próprias bases de nossa atitude
ideológica em relação ao mundo de nosso comportamento, ela surge aqui como a palavra autoritária e como a palavra interiormente persuasiva” (p. 142).
“O
conflito e as interpretações dialógicas destas duas categorias da palavra [a autoritária e a persuasiva] determinam
frequentemente a história da consciência ideológica individual” (p. 143).
“A
vinculação da palavra com a autoridade – reconhecida por nós ou não – distingue
e isola a palavra de maneira específica […]” (p. 143).
“A
palavra autoritária não se representa – ela é apenas transmitida. […] Ela não
pode ser essencialmente bivocal e ela entra nas construções híbridas” (p. 144).
“No
fluxo de nossa consciência, a palavra persuasiva interior é comumente metade
nossa, metade de outrem” (p. 145).
“[…]
a palavra puramente autoritária, em outra época, pode tornar-se uma palavra
interiormente persuasiva; isto se refere particularmente à moral” (p. 145)
[nota de rodapé].
“A
palavra interiormente persuasiva é uma palavra contemporânea, nascida numa zona
de contato com o presente inacabado, ou tornado contemporâneo […]” (p. 146).
“Uma
palavra, uma voz que é nossa , mas nascida de outrem, ou dialogicamente
estimulada por ele, mais cedo ou mais tarde começará a se libertar do domínio
da palavra do outro” (p. 147-148).
“[…]
processos de transmissão de elaboração e de enquadramento da palavra de outrem”
(p. 149).
“Todos
os sistemas religiosos, mesmo os primitivos, possuem à sua disposição um imenso
aparato especial e metodológico que transmite e interpreta os diferentes
aspectos da palavra divina (hermeneutica)” (p. 150).
“Todo
o aparato metodológico das ciências matemáticas e naturais se orienta para o domínio
do objeto reificado, mudo que não se revela na palavra, e que
não comunica nada a respeito de si mesmo”
(p. 150).
“Nas
ciências humanitárias, à diferença das ciências naturais e matemáticas, surge a
questão específica do restabelecimento, da transmissão e da interpretação das
palavras de outrem (por exemplo, o problema das fontes na metodologia das
disciplinas históricas)” (p. 150).
“A
palavra pode ser inteiramente percebida de modo objetal (como uma coisa). Assim
é a maioria das disciplinas linguísticas. Nessa palavra tomada como objeto, o
sentido também é reificado: ele não permite nenhuma aproximação dialógica
imanente a toda concepção profunda e atual. Por isso o conhecimento aqui é
abstrato: ele se desvia inteiramente da significação ideológica da palavra viva
[…]. O conhecimento dessa palavra objetivada e coisificada carece de toda
penetração dialógica num sentido cognoscível e com tal palavra não se pode
conversar” (p. 151).
“As
formas de transmissão e de interpretação que realizam esta cognição dialógica
podem, por pouco profunda e viva que seja a cognição, relacionar-se com uma
representação literária bivocal da palavra de outrem” (p. 151).
O
“homem social, de quem todo ato essencial é interpretado ideologicamente pela
palavra ou diretamente encarnado nela” (p. 152).
“Com
base na retórica é possível até elaborar uma representação literária do homem
que fala e daquilo que ele diz; porém a bivocalidade retórica dessas
representações é raramente profunda: com suas raízes no caráter dialógico da
linguagem em transformação ela se constrói sobre um plurilinguismo substancial
mas sobre discordâncias; na maioria dos casos, ela é abstrata e sucumbe a uma
delimitação e a uma subdivisão formal e lógica das vozes” (p. 153).
“[…]
na composição de quase todo enunciado do homem social – desde a curta réplica
do diálogo familiar até as grandes obras verbo-ideológicas (literárias,
científicas e outras), existe, numa forma aberta ou velada, uma parte
considerável de palavras significativas de outrem, transmitidas por um ou outro
processo. No campo de quase todo enunciado ocorre uma interação tensa e um
conflito entre sua palavra e a de outrem, um processo de delimitação ou de
esclarecimento dialógico mútuo. Desta forma o enunciado é um organismo muito
mais complexo e dinâmico do que parece, se não se considerar apenas sua
orientação objetal e sua expressividade unívoca direta” (p. 153).
“[…]
entendemos como ‘linguagem social’ não o conjunto dos signos que determinam a
valorização dialetológica e a singularização da linguagem, mas precisamente uma
entidade cocnreta e viva dos signos, sua singularização social, a qual pode se
realizar também nos quadros de uma linguagem linguisticamente única,
determinando-se pelas transformações semânticas e pelas seleções lexicológicas”
(p. 154).
“As
particularidades formais das linguagens, dos modos e dos estilos no romance são
símbolos de perspectivas sociais” (p. 155).
“O
contexto que enquadra, lapida os contornos do discurso de outrem como o cinzel
do escultor e entalha uma imagem de língua no empirismo frusto da vida do
discurso […]. O discurso do autor representa e enquadra o discurso de outrem,
cria uma perspectiva para ele […]” (p. 156).
“Pode-se
relacionar todos os procedimentos de criação do modelo da linguagem no romance
em três categorias básicas: 1.
Hibridização, 2. Inter-relação dialogizada das linguagens, 3. Diálogos puros”
(p. 156).
“A
hibridização é “a mistura de duas linguagens sociais no interior de um único
enunciado, é o reencontro na arena desde enunciado de duas consciências
linguisticas, separadas por uma época, por uma diferença social (ou por ambas)
das línguas” (p. 156).
“[…]
num híbrido intencional e consciente não se misturam duas consciências linguísticas impessoais
[…], porém duas consciências linguísticas individualizadas
[…] e duas vontades linguísticas individuais: a consciência e a vontade
individuais do autor que representa a consciência e a vontade linguística de um
personagem representado. Pois é sobre esta linguagem representada que se constroem
os enunciados concretos […]” (p. 157).
“[…]
o híbrido romanesco não é apenas bivocal e duplamente acentuado (como na
retórica), mas bilíngue; ele inclui não apenas duas consciências
sócio-linguísticas, duas épocas que na verdade não estão inconscientemente
misturadas (como no híbrido orgânico), mas se enfrentam conscientemente e lutam
sobre o campo do enunciado” (p. 158).
“[…]
um híbrido literário intencional é um híbrido semântico, porém abstratamente semântico, lógico (como na retórica) mas
de sentido social concreto” (p. 158).
“O
híbrido semântico intencional é necessariamente dialogizado interiormente (à
diferença do híbrido orgânico)” (p. 158).
“[…]
a bivocalidade intencional e o híbrido internamente dialogizado possuem uma
estrutura sintática bastante específica: nos limites de seu enunciado estão
fundidos dois enunciados potenciais, como que duas réplicas de um possível
diálogo. […]. A construção sintática dos híbridos intencionais é rompida por
duas vontades linguísticas individualizadas” (p. 158).
“A
hibridização intencional orientada para a arte literária é um dos procedimentos
essenciais da construção da imagem da língua” (p. 159).
“Tanto
o significado da estilização direta, como da variação é enorme na história do
romance, cedendo lugar apenas ao significado da paródia” (p. 160).
“O
diálogo do romance enquanto forma composicional está indissoluvelmente ligado
ao diálogo das linguagens que ecoa nos híbridos e no pano de fundo dialógico do
romance” (p. 161).
“A
criação da representação das linguagens é o problema estilístico primordial do
gênero romanesco. Qualquer romance, na sua totalidade, […] é um híbrido” (p. 162).
“O
romance […] requer […] o conhecimento das linguagens do plurilinguismo. O
romance requer uma expansão e aprofundamento do horizonte linguístico, um
aguçamento de nossa percepção das diferenciações sócio-linguísticas” (p. 163).
V – Duas linhas
estilísticas do romance europeu
“O
romance é a expressão da consciência galileana da linguagem que rejeitou o
absolutismo de uma língua só e única, ou seja, o reconhecimento da sua língua
como o único centro semântico-verbal do mundo ideológico […]. O romance
pressupõe uma descentralização semântico-verbal do mundo ideológico […]” (p.
164).
“É
preciso habituar-se à palavra enquanto fenômeno objetal, característico, mas ao
mesmo tempo também intencional […]” (p. 165).
“[…]
pontos de vista, […] visões e percepções do mundo que estão organicamente
unidas à linguagem que as esprime” (p. 165).
“A
descentralização do mundo ideológico-verbal, que encontra sua expressão no
romance, pressupõe um grupo social fortemente diferenciado, grupo este que se
encontra numa interação tensa e essencial com outros sociais. […]. Pouco
importa se esse plurilinguismo extranacional não penetra no sistema da
linguagem literária e dos gêneros em prosa (coomo penetram os dialetos
extraliterários da mesma linguagem); esse plurilinguismo exterior irá reforçar
e aprofundar as diversas linguagens internas da própria língua literária, irá
debilitar o poder das lendas e das tradições que ainda paralisam a consciência
linguística, decomporá o sistema do mito nacional, organicamente soldado à
língua e, propriamente, destruirá totalmente o sentimento mítico e mágico da
linguagem e da palavra” (p. 165).
“A
soldagem absoluta entre a palavra e o sentido ideológico concreto é, sem
dúvida, uma das particularidades constitutivas essenciais do mito que, por um
lado, determina a evolução das representações mitológicas, e, por outro, uma
percepção específica das formas linguísticas dos significados e das combinações
estilísticas” (p. 166).
“[…]
plurilinguismo social das línguas nacionais faladas” (p. 167).
“De
todas as formas retóricas do helenismo, é a diatribe que comporta a maior
quantidade de potencialidades de romance em prosa […]” (p. 168 - [nota de
rodapé]).
“[…]
plano semântico-vocabular […]” (p. 169).
“A
paródia, se não é grosseirA […] é geralmente muito difícil que revele o seu
segundo contexto sem conhecer o seu fundo verbal alheio” (p. 170).
“A
presença de uma estilização paródica e de outras variedades do discurso bivocal
no romance sofista é indiscutível […]” (p. 170).
“O
romance sofista deu início à primeira
linha estilística do romance europeu
[…]” (p. 171).
“O
estilo é definido por uma relação criativa e substancial do discurso com o seu
objeto, com o próprio falante e com o discurso de outrem; ele tende a fazer com
que o material se comunique organicamente com a linguagem e a linguagem com o
material” (p. 173-174).
“[…]
uma consciência linguística profundamente relativizada pela diversidade das
linguagens e das línguas” (p. 191).
“[…]
a linguagem literária torna-se um diálogo de linguagens que se correspondem
umas às outras” (p. 191-192).
“Na
compreensão do discurso, não é importante o seu sentido direto, objetal e
expressivo – essa é a sua falsa aparência – o que importa é a utilização real e
sempre interessada desse sentido e dessa expressão pelo falante, utilização
determinada pela sua posição (profissão, classe) e pela sua situação concreta.
Quem fala e em que condições fala” (p. 192).
“O
bufão é uma das figuras mais antigas da literatura, e a linguagem do bufão,
determinada pela sua específica posição social (os privilégios do bufão), é uma
das formas mais antigas do discurso humano na arte. No romance, as funções
estilísticas do bufão, como as funções do trapaceiro e do bobo, são
inteiramente definidas pela relação com o plurilinguismo (com as suas camadas superiores): o bufão é aquele
que tem o direito de falar em linguagens não reconhecidas e de deturpar
maldosamente as linguagens reconhecidas” (p. 196).
“O
romance aprende a utilizar todas as linguagens, modos e gêneros, ele força
todos os mundos ultrapassados e obsoletos, social e ideologicamente alienados e
distantes a falarem de si mesmo na sua própria linguagem e com o seu próprio
estilo, mas o autor sobreedifica em cima dessas linguagens as suas intenções e
os seus acentos que se combinam dialogicamente com elas. O autor faz com que o
seu pensamento se infiltre na representação da linguagem de outrem, sem violar
a sua vontade e a sua originalidade próprias” (p. 199).
“[…]
a linguagem parodiada opõe uma viva resistência dialógica às intenções alheias
que a parodiam; […] a representação torna-se uma interação evidente e viva de
mundos, de pontos de vista, de acentos difeerentes. Daí a possibilidade de uma
reacentuação dessa representação […]” (p. 200).
“O
romance não foi uma enciclopédia de linguagens, mas de gêneros” (p. 200).
“[…]
o romance deve ser o microcosmo do plurilinguismo” (p. 201).
“Toda
linguagem só se revela em sua originalidade quando quando é correlacionada a
todas as outras linguagens integradas numa mesma unidade contraditória do devir
social. No romance, toda linguagem é um ponto de vista, uma perspectiva
sócio-ideológica dos grupos sociais reais e dos seus representantes
personificados. Na medida em que a linguagem não for percebida enquanto
perspectiva sócio-ideológica, ela não poderá ser o material para a
orquestração, não poderá tornar-se uma representação da linguagem. Por outro
lado, todo ponto de vista sobre o mundo, essencial (p. 201) para o romance,
deve ser concreto, socialmente personificado, e não uma posição abstrata,
puramente semântica e deve, por conseguinte, ter sua própria linguagem, com a qual está organicamente
unido. O romance não é construído nem sobre as divergências abstratamente
semânticas nem sobre as colisões puramente temáticas, mas sobre um
plurilinguismo social concreto” (p. 202).
“Somente
no conjunto do plurilinguismo de uma época, as linguagens isoladas, seu papel e
seu verdadeiro sentido histórico se revelam totalmente […]” (p. 202).
O “discurso romanesco da
segunda linha estilística” […] se constitui quando foram criadas condições
ideais para a interação e o esclarecimento mútuo das linguagens, para a
passagem do plurilinguismo da sua ‘existência em si’ (quando as linguagens não
se conhecem ou podem ignorar-se) a uma ‘existência para si’ (quando as
linguagens do plurilinguismo se descobrem mutuamente e começam a servir de
fundo dialógico umas às outras)” (p. 204).
“[…] ângulos de refração das […]
intenções […] inter-relações dialógicas [...]” (p. 205).
“A penetação ideológico-literária no todo do romance deve dirigir sempre
a sua análise estilística” (p. 206).
“Fora de uma compreensão profunda do plurilinguismo, do diálogo entre as
linguagens de uma dada época, a análise
estilística do romance não pode
ser produtiva” (p. 206).
“A análise do estilo romanesco encontra um tipo particular de
dificuldade, determinada pela velocidade do transcorrer de dois processos de
transformação, à qual submete-setodo fenômeno linguístico”: o processo de canonização e o processo de reacentuação” (p. 207).
“Cada
época reacentua a seu modo as obras de um passado recente. A vida histórica das
obras clássicas é, em suma, um processo initerrupto da sua reacentuação
sócio-ideológica” (p. 209).
1934-1935 (ano de produção do texto
Formas de tempo
e de cronotopo no romance – ensaios de poética histórica
“Em
literatura, o processo de assimilação do tempo, do espaço, e do indivíduo
histórico real que se revela neles, tem fluído ccomplexo e intermitente” (p.
211)
“A
interligação fundamental das relações temporais e espaciais, artisticamente
assimiladas em literatura, chamaremos cronotopo
(que significa ‘tempo-espaço’). Esse termo é empregado nas ciências matemáticas
e foi introduzido e fundamentado com base na teoria de da relatividade
(Einstein)” (p. 211).
“O
cronotopo tem um significado fundamental para os gêneros na literatura. Pode-se
dizer francamente que o gênero e as variedades de gênero são determinadas
justamente pelo cronotopo, sendo que em literatura o princípio condutor do
cronotopo é o tempo. O cronotopo como categoria conteudístico-formal determina
(em medida significativa) também a imagem do indivíduo na literatura; essa
imagem sempre é fundamentalmente cronotópica” (p. 212).
I – O romance
grego
Já
na Antiguidade foram criados três tipos fundamentais
de unidade de romance e, por conseguinte, três métodos fundamentais de
assimilação artística do tempo e do espaço no romance, ou, simplificando, três
cronotopos do romance” (p. 213).
“[…]
nova unidade específica de romance, cujo elemento constitutivo é o tempo do
romance de aventuras” (p. 215).
“[…]
o tempo de aventuras dos romances gregos está isento de qualquer aaspecto
cíclico da natureza e dos costumes, o que implicaria uma ordem temporal
e medidas humanas para esse tempo, e o ligaria aos momentos que se repetem da
vida humana e natural” (p. 217).
“A
unidade indissolúvel (mas não a fusão)
das definições temporais e espaciais traz ao cronotopo do encontro
caráter elementar, preciso,, formal e quase matemático. Mas, naturalmente, esse
é um caráter abstrato. Pois o motivo do encontro é impossível isoladamente: ele
semre entra como elemento constituinte
da composição do enredo e da unidade concreta de toda a obra e, por
conseguinte, inclui-se no cronotopo
concreto que o engloba […]” (p. 222).
“O
encontro é um dos mais antigos acontecimentos formadores do enredo do epos (em
particular do romance)” (p. 223).
“O
motivo do encontro está estreitamente ligado a outros motivos […]” (p. 223).
“O
motivo do encontro é um dos mais universais não só na literatura […], mas em
outros campos da cultura, e também em diferentes esferas da vida e real dos costumes da sociedade” (p. 223).
“O
cronotopo real do encontro tem constantemente lugar nas organizações da vida
social e nacional” (p. 223).
“O
tempo de aventuras do tipo grego tem necessidade de uma extensividade espacial abstrata”. (p. 224).
“[…]
o cronotopo de aventuras caracteriza-se pela
ligação técnica e abstrata do espaço e do tempo, pela reversibilidade dos
momentos da série temporal e pela sua possibilidade
de transferência no espaço” (p. 225).
“O
exotismo pressupõe uma intencional contraposição
do estranho com o familiar, nele o insólito daquilo que é alheio é
realçado, é saboreado e minuciosamente representado pelo que é subentendido,
habitual, conhecido” (p. 225).
“Os
motivos amorosos […] na poesia alexandrina foram elaborados principalmente num
cronotopo idílico-pastoril” (p. 227).
“[…]
momentos composicionais e trmáticos do romance grego […]” (p. 229).
“[…]
romance de aventuras e de provações” (p. 230).
“O
cronotopo do romance grego é um dos mais astratos dentre os que sencontram nos grandes romances” (p.
233).
II – Apuleio e
Petrônio
“[…]
a idéia da metamorfose percorreu um caminho de evolução bastante complexo e
ramificado. Uma das ramificações desse caminho é a filosofia grega, onde a
ideia da transformação, paralelamente `a idéia de identidade, tem grande papel
[…]” (p. 255).
“Outra
ramificação é o desenvolvimento religioso da idéia de metamorfose
(transformação) nos mistérios antigos e principalmente nos mistérios elêusicos”
(p. 235).
“A
terceira ramificação representa a vida ulterior dos motivos da transformação no
folclore popular” (p. 235).
“Com
base na metamorfose é criado o tipo de representação de toda a vida humana em
seus momentos essenciais de ruptura e
de crise: como um homem se transforma em
outros” (p. 237).
O
ACASO INFLUENCIA MAS NÃO DETERMINA A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE (vide pág.
239).
“[…]
os signos da estrada são os signos do destino, etc. Por isso, o cronotopo
romanesco da estrada é tão concreto e circunscrito, tão impregnado de motivos
folclóricos” (p. 242).
“O
crime é aquele momento da vida privada onde ela se torna, por assim dizer,
pública a contragosto. No restante essa é uma vida de segredos, de alcova […]”
(p. 244).
“Nos
modelos hagiográficos do tipo de aventuras e de costumes, o momento da
metamorfose aparece em primeiro plano (vida de
pecado-crise-redenção-santidade)” (p. 249).
III – Biografia e autobiografia antigas
As
“formas clássicas de autobiografias e bografias não eram obras de caráter
livresco, desligadas do acontecimento político, social e concreto, e da sua
publicidade retumbante. […] eram atos verbais cívico-políticos, de glorificação
ou de autojustificação públicas” (p. 251).
“O
cronotopo real é a praça pública (a ágora)”
(p. 251).
“A
total extroversão é uma particularidade muito importante da figura do homem na
arte e na literatura clássicas” (p. 252).
“[…]
extroversão do homem público […]” (p. 253).
“[…]
a reflexão como uma conversa consigo mesmo, no entender de Platão, não
pressupões absolutamente qualquer relação particular consigo próprio (o que
difere da relação com o outro) […]” (p. 253).
“[…]
as Confissões de Santo Agostinho não podem ser lidas ‘em voz baixa’, é preciso
declamá-las em voz alta, pois em sua forma ainda encontra-se vivo o espírito da
praça grega, onde primeiro se formou a conscientização do homem europeu” (p.
254).
Diferenças
entre a autobiografia romana e a grega (p. 256).
A
categoria da felicidade (p. 257).
“[…]
traço sustancial do tempo biográfico, sua objetivação” (p. 257-258).
“[…]
formas autoiográficas antigas, que podem ser denominadas formas de tomada de consciência pública do homem”
(p. 258).
“[…]
traço sustancial do tempo biográfico, sua objetivação” (p. 257-258).
“[…]
formas autoiográficas antigas, que podem ser denominadas formas de tomada de consciência pública do homem”
(p. 258).
IV – O problema
da inversão histórica e do cronotopo folclórico
“Onde
não há a marcha do tempo, não há elementos do tempo no sentido pleno e
essencial da palavra. A atualidade tomada fora da sua relação com o passado e o
futuro, perde a unicidade, decompõe-se em fenômenos e coisas isoladas, torna-se
um conglomerado abstrato” (p. 263).
“Nas
estruturas filosóficas correspondentes à inversão histórica, a proclamação dos
‘princípios’ como fontes puras e não alteradas de toda a existência, e a
proclamação dos valores eternos, das formas idealmente atemporais, estão em
correspondência entre si” (p. 265).
“[…]
o realismo folclórico é uma fonte inesgotável de realismo para toda a
literatura livresca, inclusive o romance. Essa fonte de realismo teve
significado especial na Idade Média e, em particular, na época do Renascimento
[…]” (p. 267).
V – O romance de
cavalaria
“No
romance de cavalaria, a aparência do acaso […] não é a mesma do romance grego”
(p. 269).
VI – Funções do
trapaceiro, do bufão e do bobo no
romance
“[…]
para o romance, o problema do autor surge não só no plano geral, como ocorre em
outros gêneros, mas também no plano da forma e do gênero” (p. 277).
“Basicamente,
o romance picaresco funciona segundo o cronotopo od romance de aventuras e e de
costumes […]” (p. 279).
VII – O
Cronotopo de Rabelais
“[…]
o romance como entidade una, penetrada pela unidade de sua ideoloia e do seu
método literário” (p. 282).
“[…]
as particularidades do método literário de Rabelais, a originalidade do seu
realismo fantástico” (p. 283).
“Entre
as belas coisas deste mundo, estabelecidas e confirmadas pela tradição, e
consagradas pela religião e pela ideologia oficial, há ligações falsas que
alteram a sua natureza verdadeira. As coisas e as idéias estão unidas por meio
de relações hierárquicas falsas, hostis à natureza delas, estão separadas e
distantes umas das outras por diversas camadas
intermediárias de um ideal de outro mundo, que não as deixam entrar em
contato vivo e carnal” (p. 284).
“A
elaboração das séries é uma
particularidade específica do método literário de Rabelais” (p. 285).
“Por
isso Rabelais opõe o aspecto carnal do homem (e o mundo circundante na zona de
contato com o corpo) não só à ideologia medieval ascética do além, mas também à
prática medieval licenciosa e grosseira. Ele quer devolver ao corpo a palavra e
ao sentido a sua realidade e materialidade” (p. 285).
“[…]
na base dessa lógica rabelaisiana grotesca, encontra-se a lógica do realismo
fantástico e folclórico” (p. 289).
“[…]
palavras e conceitos, que a fala dos homens, baseada numa ordem determinada,
numa visão de mundo e num sistema de valores precisos, nunca emprega num mesmo
contexto, num mesmo gênero, estilo e frase, e com a mesma entonação” (p. 291).
“Rabelais
não é absolutamente um pregador da glutonaria e da bebedeira vulgares. Mas ele
salienta o significado elevado da comida e da bebida para a vida humana,
procura dar-lhes uma consagração ideológica, uma ordenação, uma cultura. A
concepção ascética do além negava o valor positivo delas, admitia-as somente
como uma triste necessidade da carne pecaminosa e conhecia só uma forma de
discipliná-las: o jejum, forma negativa e hostil a sua natureza, ditada não
pelo amor, mas pelo ódio […]” (p. 298).
“O
‘pantagruelismo’ é a arte de ser alegre, sábio e bom. Por isso, o saber
festejar de forma alegre e sábia constitui a própria essência do
pantagruelismo. Mas as festas dos pantagruelistas não são de modo algum,
banquetes de vadios e glutões que a vida toda fazem patuscadas. Apenas o
repouso vespertino, depois do dia de trabalho deve ser consagrado ao banquete”.
(p. 299).
“[…]
os salmos de Davi se encontram aqui
estritamente ligados aos processos da comida, da bebida, e do ato de urinar”
(p. 301).
“Em
Rabelais, a ‘morte alegre’ não só coincide com o preço elevado da vida e com a
exigência de lutas por essa vida até o fim, ela é justamente a expressão desse
alto preço, a expressão da força da vida que eternamente triunfa sobre qualquer
morte. Na imagem rabelaisiana da morte alegre, não há nada de decadente, nenuma
aspiração da morte […]. Para Rabelais, na elaboração desse tema, aspecto
anatômico-fisiológico, racional e claro da morte tem enorme importância, Também
o riso não e encontra absolutamente justaposto ao horror da morte: um horror
deste tipo não existe, e não há, consequentemente, nenhum contraste violento”
(p. 310).
“A
morte não começa nem termina nada de essencial no mundo coletivo e histórico da
vida humana” (p. 315).
“O
problema de Rabelais é reunir o mundo que se desagrega (como resultado da
decomposição da visão do mundo medieval) sobre uma nova base material. […] Era
preciso contrapor ao escatologismo um tempo produtivamente fértil, um tempo
medido pela construção, pelo crescimento, e não pela destruição. Os fundamentos
deste tempo construtivo apareciam delineados nas imagens e nos temas do
folclore”.
VIII –
Fundamentos folclóricos do cronotopo de Rabelais
“As
formas básicas do tempo produtivo e fecunndo remontam ao estágio agrícola
primitivo do desenvolvimento da sociedade humana” (p. 317).
“[…]
tempo é profundamente espacial e concreto”
(p. 318).
“Na
época do capitalismo desenvolvido, a vida sócio-estatal torna-se abstrata e
quase sem temas” (p. 319).
“À
medida que o corpo social se divide em classes sociais, o complexo sofre
importantes modificações, e os motivos e temas correspondentes passam por
reinterpretações. Ocorre a diferenciação gradual das esferas ideológicas” (p.
321).
“O
reflexo ideológico (a palavra a representação) adquire um poder mágico. Um
objeto isolado transforma-se no substituto do todo […]” (p. 322).
“A
ideologia reflete o que já foi rompido e desunido na própria vida” (p. 323).
IX – O cronotopo
idílico no romance
“O
homem positivo do mundo idílico torna-se cômico, lamentável e supérfluo, ou ele
perece, ou transforma-se num abutre egoísta” (p. 341).
“De
todos os elementos do complexo antigo só o riso nunca foi sublimado, nem pela
religião nem pelo misticismo ou pela filosofia. Jamais ele teve um caráter
oficial e mesmo na literatura, os gêneros cômicos sempre foram os mais livres,
os menos regulamentados” (p. 342).
“Assim,
todos os gêneros elevados e sérios, todas as formas nobres de linguagem e de
estilo, todas as combinações diretas de palavras, todas os padrões de linguagem,
foram impregnados pela mentira, por convenções perniciosas, pela hipocrisia e
pela falsidade. Somente o riso não foi contaminado” (p. 343).
“A
língua, na sua totalidade, pode ser empregada num sentido impessoal. Em todos
esses casos, o próprio ponto de vista
incluído na fala, a modalidade da língua e a
sua própria relação com o objeto e com o falante são submetidos à
reinterpretação. Ocorre aqui uma transferência dos planos da linguagem, a
aproximação do que não se combinava, a queda do que se associava […]. Tem lugar
continuamente uma extrapolação dos limites das relações intralinguísticas, e o
mesmo se pressupõe para os limites do conjunto verbal fechado […] (p. 343).
“Assim,
a transformação e o aprimoramento do homem individual não estão separados do
crescimento histórico e do progresso cultural. […]. Tudo o que existe no homem
se exprime pela ação e pelo diálogo” (p. 345).
“O
grande homem de Rabelais, que cresceu sobre uma base folclórica, é rande não
pelas suas diferenças das outras pessoas, mas pela sua humanidade,, ele é rande
pela plenitude da descoberta e e realização de todas as possibilidades humanas,
e ele é grande no mundo espaço-temporal verdadeiro […]. O bufão popular se
apresenta nessa imagem bem mais vivo e
corporificado […]” (p. 347).
“A
planta maravilhosa – pantagruelin – é
a “erva-explosão” do folclore mundial” (p. 348).
X – Observações
finais
“O
cronotopo determina a unidade artística de uma obra literária no que ela diz respeito à realidade efetiva. […] Em arte
e em literatura, todas definições espaço-temporais são inseparáveis umas das
outras e são sempre tingidas de um matiz emocional” (p. 349).
“[…]
valores crontópicos de diferentes níveis e volumes” (p. 349).
“Todos
os oelementos abstratos do romance – as generalizações filosóficas e sociais,
as idéias, as análises das causas e dos efeitos, etc. – gravitam ao redor do
cronotopo, graças ao qual se enchem de carne e de sangue, se iniciam no caráter
imagístico da arte literária” (p. 356).
“[…]
toda imagem de arte literária é cronotópica. A linguagem é essencialmente
cronotópica, como tesouro de imagens. É cronotópica a forma interna da palavra,
ou seja, o signo mediador que ajuda a transportar os significados originais e
espaciais para as relações temporais (no sentido mais amplo)” (p. 356).
“O
princípio da cronotopia da imagem artístico-literária foi descoberto pela
primeira vez, com toda clareza, por lessing no seu Laocoonte” (p. 356).
“[…]
cada um [dos] cronotopos [grandes] pode incluir em si uma quantidade ilimitada
de pequenos crontopos: pois cada tema possui o seu próprio cronotopo […]” (p.
357).
“Nos
limites de uma única obra e da criação de um único autor, observamos uma grande
quantidade de cronotopos e as suas interrelações complexas e específicas da
obra e do autor, sendo que um deles é frequentemente englobador ou dominante.
[…]. Os cronotopos podem se incorporar um ao outro, coexistir, se entrelaçar,
permutar, confrontar-se, se opor ou se encontrar nas inter-relações mais
complexas. Estas inter-relações entre os cronotopos já não podem surgir em
nenhum dos cronotopos isolados que se inter-relacionam. O seu caráter é
dialógico (na concepção ampla do termo). Mas esse diálogo não pode penetrar no
mundo representado na obra nem em nenhuma dos seus cronotopos: ele está fora do
mundo representado, embora não esteja fora da obra no seu todo. Esse diálogo
ingressa no mundo do autor, do intérprete e no mundo dos ouvintes e dos
leitores. E esses mundos também são cronotópicos” (p. 357).
“O
texto como tal não é inerte” (p. 357).
“Apesar
de toda inseparabilidade dos mundos representado e representante, apesar da
irrevogável presença da fronteira rigorosa que os separa, eles estão
indissoluvelmente ligados um ao outro e se encontram em constante interação
[…]” (p. 358).
“A
relação do autor com as diferentes manifestações literárias e culturais assume
um caráter dialógico, análogo às inter-relações entre os cronotopos do interior
da obra […]. Mas estas relações dialógicas entram numa esfera semântica
particular que extrapola os quadros da nossa análise puramente cronotópica” (p.
360).
“O
mundo representado, mesmo que seja realista e verídico, nunca pode ser
cronotopicamente identificado com o mundo real representante, onde se encontra
o autor-criador dessa imagem” (p. 360).
“[…]
toda imagem é sempre algo criado, não criador” (p. 361).
“[…]
interpretação compreende também um elemento de apreciação” (p. 361).
“[…]
qualquer intervenção na esfera dos significados só se realiza através da porta
dos cronotopos” (p. 362).
Da Pré-história
do discurso romanesco
“O
clacissismo dos séculos XVII e XVIII não considerava o romance como um gênero
poético independente, e o relacionava aos gêneros retóricos mistos” (p. 363).
“[…]
entonação paródico-irônica” (p. 366).
“[…]
complexas representações internamente dialogizadas das linguagens” (p. 368).
“[…]
não existe uma linguagem e estilo únicos no romance. Ao mesmo tempo, há um
centro linguístico verbal-ideológico do romance” (p. 370).
“A
linguagem literária é apresentada no romance não como uma linguagem única,
inteiramente acabada e indiscutível, ela é apresentada justamente na sua
contradição expressiva, no seu devir e em sua renovação” (p. 370).
“A
língua do romance não só representa, mas ela própria é objeto de representação.
A palavra romanesca é sempre autocrítica” (p. 371).
“As
representações específicas das linguagens e dos estilos, sua organização, sua
tipologia (elas são muito heterogêneas), a combinação das linguagens no
romance, todas as transformações e comutações das linguagens e das vozes, suas
inter-relações dialógicas, tais são os problemas fundamentais da estilística do
romance” (p. 371).
“[…]
somente no romance o discurso pode revelar todos os seus recursos específicos e
alcançar sua autêntica profundidade. Mas o romance é um gênero relativamente
tardio. Entretanto, a palavra indireta, isto é, a palavra do outro que é
representada, a linguagem de outrem colocada entre aspas de entonação, remonta
a tempos bastante antigos; […] nos estágios iniciais da cultura verbal” (p. 371).
“A
palavra romanesca teve uma longa pré-história […]. Ela se formou e amadureceu
nos gêneros do discurso familiar ainda pouco estudados da , da linguagem
popular falada, e do mesmo modo em alguns gêneros literários e folclóricos
inferiores. […] se desenvolveu nos limites das culturas e das línguas” (p.
371).
“O
riso organizou as mais antigas formas de representação da linguagem […] O
plurilinguismo e, ligado a ele, o esclarecimento
recíproco das linguagens elevaram estas formas para um nível artístico-ideolóico
novo, sobre o qual o gênero romanesco se tornou, possível” (p. 372).
“[…]
não havia literalmente nem um só gênero direto estrito, nem um só tipo de
discurso direto – literário, retórico, filosófico, religioso, popular – que não
tivesse o seu duplo paródico-travestizante, sua contra-partie cômico-hirônica. Ademais, estes duplos paródicos e os
reflexos cômicos do discurso direto em alguns casos eram tão consagrados e
canonizados pela tradição quanto os seus propósitos elevados” (p. 373).
“A
criação paródico-travestizante introduz um corretivo constante de riso e de
crítica na seriedade exclusiva do discurso direto elevado, corretivo da
realidade, que é sempre mais rica, mais substancial, e principalmente, mais contraditória e multilíngue do que pode
conter o gênero direto elevado. Os gêneros elevados são monótonos, o ‘quarto
drama’ e os gêneros aparentados sustentam a antiga dualidade da palavra. A
paródia antiga não conhece a negação niilista” (p. 375).
“[…]
todo unilinguismo é, em suma, relativo; pois nossa própria língua não é única:
nela sempre há vestígios e potencialidades de outras línguas, percebidos de
maneira mais ou menos aguda pela consciência criativa literária e linguística”
(p. 383).
“[…]
processos de estratificação e diferenciação linguística” (p. 383).
“As
fronteiras entre o seu próprio discurso e o de outrem eram frágeis e ambíguas,
frequentemente tortuosas e propositadamente confusas” (p. 385).
“A
paródia definhou, o seu luar na nova literatura é mínimo. Vivemos, escrevemos e
falamos no mundo da linguagem livre e democratizada. A antiga hierarquia das
palavras, complexa e fortemente graduada, as formas, imagens e estilos, que
impregnaram todo o sistema da linguagem oficial e da consciência linguística,
foram varridos pela revolução linguística da época renascentista” (p. 386).
“[…]
o papel da paródia na Idade Média foi vital, pois ela preparou a nova
consciência linguística e literária, preparou o grande romance da Renascença”
(p. 387).
“[…]
são frágeis os limites entre a palavra direta e a palavra parodicamente
refrangente, na literatura medieval” (p. 388).
“O
riso das festividades (p. e das
recreações era um riso totalmente legítimo” (p. 388).
“[…]
a paródia é na realidade um fenômeno bilíngue: ainda que uma língua única, ela
é construída e expressa à luz de outra língua; algumas vezes não só os acentos,
mas mesmo as formas sintáticas dessa língua vulgar são claramente sentidos na
paródia latina. A paródia latina é um
híbrido premeditado. Chegamos então ao problema do híbrido premeditado” (p. 389).
“Toda
paródia, travestimento, ou discurso, empregado de maneira restritiva,
irônica, colocado entre aspas (de entonação) e, em geral, todo discurso
indireto, é um híbrido premeditado, mas unilíngue, dentro da ordem do estilo. De
fato, no discurso paródico convergem e cruzam-se, de certo modo, dois estilos,
duas ‘linguagens’ (interlinguísticas): a linguagem parodiada, por exemplo, a
linguagem de um poema heróico, e a linguagem que parodia – a linguagem prosaica
vulgar, a linguagem falada familiar, a linguagem dos gêneros realistas, a
linguagem ‘normal’, a linguagem literária ‘saudável’, tal como imagina o autor
da paródia. Esta segunda linguagem que parodia, no fundo da qual se constrói e
se expressa a paródia, não participa diretamente dessa mesma paródia –
rigorosamente falando – mas está presente de modo invisível” (p. 389-390).
“[…]
qualquer paródia desloca os acentos do estilo que é parodiado, condensando
certos elementos e deixando outros à sombra: a paródia é parcial, a sua
parcialidade é ditada pelas particularidades da linguagem paródica, pelo
sistema de pronúncia, por sua estrutura […]” (p. 390).
“[…]
duas linguagens se cruzam na paródia, dois estilo, dois pontos de vista, dois
pensamentos linguísticos e, em suma, dois sujeitos do discurso. […]. A paródia
é um híbrido premeditado, mas é um híbrido habitualmente interlinguístico, que
se nutre por conta da estratificação da linguagem literária em linguagens de
orientação e de gênero” (p. 390).
“Todo
híbrido estilístico intencional é, em certa medida, dialogizado. Isto significa
que as linguagens, que nele se cruzam, estão relacionadas umas com as outras,
como réplicas de um diálogo; trata-se de uma luta entre linguagens e entre
estilos de linguagens. Porém, não se trata de um diálogo do sujeito, nem de uma
abstração semântica e sim do diálogo entre dois pontos de vista linguísticos
que não podem se traduzir reciprocamente” (p. 390).
“[…]
toda paródia é um híbrido dialogizado e premeditado. Nela, as linguagens e os
estilos se esclarecem reciprocamente” (p. 390).
“[…]
todo o restante da literatura latina apresenta-se, na realidade, como um grande
híbrido complexo e dialogizado” (p. 391).
“O
a
Claramento
mútuo das línguas no processo de liquidação do bilinguismo alcançou seu ponto
culminante na Renascença” (p. 393).
“O
riso e o multilinguismo preparam o discurso romanesco dos tempos modernos” (p.
395).
“A
pré-história do discurso romanesco não se insere nos limites estreitos da
história dos estilos literários” (p. 396).
Epos e romance
O
romance é o “único gênero que ainda está evoluindo no meio de gêneros já há
muito formados e parcialmente mortos” (p. 398).
“Sobre
o problema do romance, a teoria dos gêneros encontra-se em face de uma
reformulação radical” (p. 401).
“À
diferença dos outros grandes gêneros, o romance se formou e se desenvolveu
precisamdente nas condições de uma ativação aguçada do plurilinguísmo exterior
e interior” (p. 405).
“O
discurso épico, por seu estilo, tom e caráter imagético, está infinitamente longe
do discurso de um contemporâneo que fala sobre um contemporâneo aos seus
contemporâneos” (p. 405).
“A
memória, e não o conhecimento, é a principal faculdade criadora e a força da
literatura antiga” (p. 407).
“A
conclusão absoluta e o seu caráter acabado – eis os traços essenciais do
passado épico, axiolóico e temporal” (p. 408).
“[…]
o discurso é inseparável de seu objeto, pois para a sua semântica é
característica a absoluta junção dos elementos espaço-temporais com os
axiológicos (hierárquicos)” (p. 409).
“O
mundo épico está construído numa zona de representação longínqua, absoluta,
fora da esfera do possível contato com o presente em devir, que é inacabado e
por isso mesmo sujeito a reinterpretação e a reavaliação” (p. 409).
“A
atualidade enquanto tal não é admissível como objeto de representação para
nenhum gênero elevado. A vida atual pode penetrar nos gêneros elevados somente
nos seus níveis hierárquicos superiores, já distanciados pela sua colocação na
própria atualidade” (p. 409).
“[…]
o passado absoluto não é aquele no nosso sentido limitado e preciso da palavra,
mas uma certa categoria axiológica, temporal e hierárquica” (p. 410).
“Não
se pode ser ‘grande’ no seu tempo. […] a atualidade (que não virá a ser
memória) é comemorada em argila, e aquela que visa o futuro (a posteridade) é
comemorada em mármore e bronze” (p. 410).
“É
justamente o riso que destrói a distância épica e, em geral, qualquer
hierarquia de afastamento axiológico” (p. 413).
“[…]
quando o presente se torna o centro da orientação humana no tempo e no mundo, o
tempo e o mundo perdem o seu caráter acabado, tanto no seu todo, como também em
cada parte. O modelo temporal do mundo modifica-se radicalmente: este se torna
um mundo onde não existe a palavra primordial (a origem perfeita), e ondde a
última ainda não foi dita” (p. 419).
“O
homem não se encarna totalmente na substância sócio-histórica do seu tempo” (p.
425).
“O
presente, com seu caráter inacabado, considerado como ponto de partida e centro
de orientação literário-ideológica, marca uma revolução grandiosa na
consciência criadora do homem” (p. 426).
“[…]
a romancização dos outros gêneros não implica a sua submissão a cânones
estranhos […]” (p. 427).
“O
processo de evolução do romance não está concluído” (p. 428).
Rabelais e Gógol
(Arte do discurso e cultura cômica popular)
“Rabelais
é o herdeiro e o realizador de um riso popular milenar. Sua obra é a chave insubstituível
para toda a cultura cômica européia nas suas manifestações mais vigorosas,
profundas e originais” (p. 429).
“[…]
travestimento cômico de uma palavra que revela sua natureza multiforme e mostra
o caminho de sua renovação” (p. 437).
“Não
há pontos de vista da seriedade em oposição ao riso. O riso é ‘o único
personagem positivo’” (p. 438).
“O
satírico que ri não é alegre. NO fim, ele e carrancudo e sombrio. Mas o riso de
Gógol é vitorioso em tudo. De fato, ele criou o seu próprio gênero de catarse da trivialidade” (p. 439).
“O
problema do riso em Gógol só pode se corretamente colocado e resolvido com base
no estudo da cultura cômica popular” (p. 439).
BAKHTIN,
Mikhail. Questões de literatura e de estética:
a teoria do romance. Trad. Aurora Fornoni Bernardini et al. 7 ed. São Paulo.
Hucitec. 2014. 439 p. {Linguagem e cultura, 18}.
VOCABULÁRIO
RUSSO:
Slovo: palavra,
verbo, discurso
Iazík: língua,
linguagem
Górod: cidade (grad:
cidade – termo eslavoeclesiástico). (p. 53).
Tchujoi: outrem
(literalmente), alheio ou estrangeiro (p. 85).
Rasnoriétchie (discurso(s)
direto(s) [forma concreta]): pluridiscurso (p. 107).
Rasnorietchívost (forma
abstrata): pluridiscursividade (p. 107).
Rasnoiazítchie ([conjunto de]
língua[s] diferente[s]) (p. 107).
Priedmiétnii: objetal
(objeto, coisa)
Ob’iétnii: objetivo
(concreto, consistente)
Literaturnost: Literaturidade
(p. 176).
Adnovríemiénnost: concomitância
(coincidência) (p. 219)
Raznovriemiénnost: não
concomitância (contratempo) (p. 219).
Obraz: imagem,
representação (p. 368).
Tchastúchka: poesia russa
de melodia igual e temas diversos (p. 406).
Tchin: graus (p.
437).
…..
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