domingo, 10 de junho de 2018

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro, Zahar, 2007. Tradução: Carlos Alberto Medeiros.


Entrando corajosamente no viveiro das incertezas

 

Desafios do mundo desenvolvido: a transformação da modernidade sólida em líquida (volátil e inconstante), a cisão entre poder e política (o que provoca incertezas e enfraquece as instituições políticas), a pulverização do social e do comunal (o que deixa o indivíduo largado diante das forças de mercado), a destruição do planejamento de longo prazo (o que favorece a fragmentação das instituições e dos projetos de caráter social) e a sobrecarga da responsabilidade do indivíduo por suas escolhas. (p. 07-10).

 

A vida líquido-moderna e seus medos

 

“[…] metade do comércio mundial e mais da metade do investimento global beneficiam apenas 22 países que acomodam somente 14% da população mundial, enquanto os 49 países mais pobres, habitados por 11% da população mundial, recebem somente 0,5% do produto global – quase o mesmo que a renda combinada dos três homens mais ricos do planeta. Noventa por cento da riqueza total do planeta estão nas mãos de apenas 1% de seus habitantes. E não há quebra-mares à vista capazes de deter a maré global da polarização da renda – que continua aumentando de maneira ameaçadora” (p. 12).

 

“Se a ideia de ‘sociedade aberta’ era originalmente compatível com a autodeterminação de uma sociedade livre que cultivava essa abertura, ela agora traz à mente da maioria de nós a experiência aterrorizante de uma população heterônoma, infeliz e vulnerável, confrontada e possivelmente soprepujada por forças que não controla nem entende totalmente; uma população horrorizada por sua própria vulnerabilidade, obcecada com a firmeza de suas fronteiras e com a segurança dos indivíduos que vivem dentro delas – enquanto é justamente essa firmeza de fronteiras e essa segurança da vida dentro delas que geram um domínio ilusório e parecem ter a tendência de permanecer como ilusões enquanto o planeta for submetido unicamente à globalização negativa” (p. 13).

 

“’Mercados sem fronteiras’ é uma receita para a injustiça e para a nova desordem mundial […]” (p. 14).

 

“Os medos nos estimulam a assumir uma ação defensiva” (p 15).

 

“É como se os nossos medos tivessem ganhado a capacidade de autoperpetuar e se autofortalecer; […]” (p. 15).

 

O que o progressos prometia difere da volatilidade e instabilidade que seus efeitos acabam consolidando e os medos existenciais fortalecem (p. 16-17).

 

“[…] o capital do medo pode ser usado para se obter qualquer espécie de lucro, comercial ou político” (p. 18).

 

Poteção individual versus proteção coletiva. O discurso da construção de inimigos fantasmas que devem ser combatidos pelos estados modernos em nome da proteção dos sujeitos (p. 19-20).

 

A relação entre a população carcerária que cesce com o desmonte da ação social e previdenciária do estado. (p. 21-22).

 

Há uma tradição em lucrar com o medo e, pode-se perceber que “a estratégia de lucrar com o medo está igualmente bem arraigada, na verdade uma tradição que remonta aos anos iniciais do ataque liberal ao Estado social” (p. 23).

 

“O resultado mais evidente da campanha antiterrorista foi o rápido aumento do medo que saturou a sociedade como um todo” (p. 24).

 

A alteração das condições de violência em locais afetados por violência ocorreu não pela força, mas pela “mudança das condições sociais que deixaram de ser férteis para a weltanschauung e as práticas dos terroristas” (visão de mundo) (p. 25).

 

As armas modernas, concebidas e desenvolvidas numa era de invasão e conquista territorial, são singularmente inadequadas para localizar, atacar e destruir alvos extraterritoriais, endemicamente evasivos e eminentemente móveis, pelotões minúsculos ou apenas pessoas sozinhas […]” (p. 25).

 

“O novo individualismo, o enfraquecimento dos vínculos humanos e o definhamento da solidariedade estão gravados num dos lados da moeda cuja outra face mostra os contornos nebulosos da ‘globalização negativa’. Em sua forma atual, puramente negativa, a globalização é um processo parasitário e predatório que se alimenta da energia sugada dos corpos dos Estados-nações e de seus sujeitos” (p. 30).

 

“Num planeta negativamente globalizado, todos os principais problemas – os metaproblemas que condicionam o enfrentamento de todos os outros – são globais e, sendo assim,  não admitem soluções locais. Não há nem pode haver soluções locais para problemas originados e reforçados globalmente. A união do poder e da política pode ser alcançada, se é que pode, no nível planetário” (p. 31).

 

2 - A humanidade em movimento

 

“A quantidade de seres humanos tornada excessiva pelo triunfo do capitalismo global cresce inerovalmente e agora está perto de ultrapassar a capacidade administrativa do planeta” (p. 35).

 

Descompasso entre os que conseguem e os que não conseguem usufruir dos benefícios da modernidade (p. 36-39).

 

“Talvez a única indústria florescente nas terras dos retardatários (conhecidas pelo apelido, tortuoso e frequentemente enganoso, de ‘países em desenvolvimento’) seja a produção em massa de refugiados” (p. 39).

 

“[…] a riqueza e o poder determinam não apenas a economia, mas também a moral e a política do espaço global, assim como tudo mais que diga respeito às condições de vida no planeta” (p. 41).

 

“Os refugiados são pessoas sem Estado […]” (p. 43).

 

3 – Estado, democracia e a administração dos medos

 

“[…] a variedade moderna de insegurança é caracterizada distintivamente pelo medo da maleficência e dos malfeitores humanos” (p. 63).

 

“O entrelaçamento e a interação dos direitos pessoais e políticos são exercidos pelos poderosos – os ricos, e não os pobres […]” (p. 68).

 

“[…] se os direitos políticos podem ser usados para enraizar e solidificar as liberdades pessoais assentadas no poder econômico, dificilmente garantirão liberdades pessoais aos despossuídos, que não tem direito aos recursos sem os quais a liberdade pessoal não pode ser obtida nem, na prática, desfrutada” (p. 70).

 

“Enquanto permanecerem desprovidos de recursos, os pobres podem esperar no máximo serem recebedores de transferências, não sujeitos de direitos” (p. 71).

 

“[…] a capacidade de enfrentar os desafios da vida, diariamente testada, é afinal a própria oficina em que a autoconfiança é forjada ou fundida” (p. 71).

 

“É improvável que algum tipo de salvação venha de um Estado político que não é, e se recusa a ser, um Estado social também. Sem direitos sociais para todos, um grande – provavelmente crescente – número de pessoas irá considerar seus direitos políticos inúteis e indignos de atenção. Se os direitos políticos são necessários para se estabelecerem os direitos sociais, os direitos sociais são indispensáveis para manter os direitos políticos em operação. Os dois tipos de direitos precisam um do outro para sobreviver; essa sobrevivência só pode ser sua realização conjunta” (p. 72).

 

“A irrevogabilidade de sua expulsão e fragilidade das chances de apelar do veredicto é que  transformam os excluídos contemporâneos em ‘classes perigosas’” (p. 75).

 

“A irrevogabilidade da exclusão é uma consequência direta, embora imprevista, da decomposição do Estado social – como uma rede de instituições estabelecidas, mas talvez mais significativamente como um ideal e um projeto segundo os quais as realidades são avaliadas e as ações, estimuladas” (p. 75).

 

“[…] a ‘subclasse’ e os ‘criminosos’ são apenas duas subcategorias de excluídos, ‘socialmente desajustados’ ou até elementos antissociais’ […] Tal como as pessoas sem emprego, os criminosos […] não são mais vistos como temporariamente expulsos da vida social normal […] mas como permanentemente marginalizados, inadequados para a ‘reciclagem social’ e designados a serem mantidos permanentemente fora, longe da comunidade dos cidadãos cumpridores da lei” (p. 76).

 

 

4 – Fora do alcance juntos

 

“Separar e manter distância se tornam a estratégia mais comum na luta urbana atual pela sobrevivência. O continuum ao longo do qual se assinalam os resultados dessa luta se estende entre os polos dos guetos urbanos voluntários e involutários” (p. 78).

 

“[…] guetos voluntários se transformam em guarnições ou postos avançados da extraterritorialidade” (p. 79).

 

A arquitetura e urbanismo do isolamento consolidam a formação de guetos e expoem um modo de atuação do mercado imobiliário (p. 80-83).

 

“À medida que a polivocalidade e a variedade cultural do ambiente urbano na era da globalização se estabelecem, com a probabilidade de se intensificarem, e não se atenuarem, com o decorrer do tempo, as tensões nascidas da perturbadora/confusa/irritante estranheza do ambiente provavelmente continuarão estimulando impulsos segregacionistas” (p. 92).

 

“A tendência em direção a uma ‘comunidade de semelhanças’ é um sinal de retração não apenas em relação à alteridade externa, mas também ao compromisso com a interação interna – animada, mas turbulenta, revigorante, mas incômoda” (p. 93).

 

“A homogeneidade social do espaço, enfatizada e fortalecida pela segregação espacial, diminui a tolerância à diferença em seus habitantes e assim multiplica as oportunidades para reações mixofóbicas, fazendo a vida urbana parecer mais ‘sujeita a risco’ e, portanto mais angustiante, em vez de mais segura e, desse modo, mais agradável e fácil de levar” (p. 97).

 

 

5 – A utopia na era da incerteza

 

“[…] as utopias modernas cresceram junto com a modernidade e só na atmosfera moderna puderam respirar” (102).

 

O jardineiro e o caçador como metáfora do construtor de utopias. (103-104).

 

“[…] a fuga é o exato oposto da utopia […]” (p. 108).

 

 

BAUMAN, Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de Janeiro, Zahar, 2007. Tradução: Carlos Alberto Medeiros.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário