Entrando
corajosamente no viveiro das incertezas
Desafios
do mundo desenvolvido: a transformação da modernidade sólida em líquida
(volátil e inconstante), a cisão entre poder e política (o que provoca
incertezas e enfraquece as instituições políticas), a pulverização do social e
do comunal (o que deixa o indivíduo largado diante das forças de mercado), a
destruição do planejamento de longo prazo (o que favorece a fragmentação das
instituições e dos projetos de caráter social) e a sobrecarga da responsabilidade
do indivíduo por suas escolhas. (p. 07-10).
A vida
líquido-moderna e seus medos
“[…]
metade do comércio mundial e mais da metade do investimento global beneficiam
apenas 22 países que acomodam somente 14% da população mundial, enquanto os 49
países mais pobres, habitados por 11% da população mundial, recebem somente
0,5% do produto global – quase o mesmo que a renda combinada dos três homens
mais ricos do planeta. Noventa por cento da riqueza total do planeta estão nas
mãos de apenas 1% de seus habitantes. E não há quebra-mares à vista capazes de
deter a maré global da polarização da renda – que continua aumentando de
maneira ameaçadora” (p. 12).
“Se
a ideia de ‘sociedade aberta’ era originalmente compatível com a
autodeterminação de uma sociedade livre que cultivava essa abertura, ela agora
traz à mente da maioria de nós a experiência aterrorizante de uma população
heterônoma, infeliz e vulnerável, confrontada e possivelmente soprepujada por
forças que não controla nem entende totalmente; uma população horrorizada por
sua própria vulnerabilidade, obcecada com a firmeza de suas fronteiras e com a
segurança dos indivíduos que vivem dentro delas – enquanto é justamente essa
firmeza de fronteiras e essa segurança da vida dentro delas que geram um
domínio ilusório e parecem ter a tendência de permanecer como ilusões enquanto
o planeta for submetido unicamente à globalização negativa” (p. 13).
“’Mercados
sem fronteiras’ é uma receita para a injustiça e para a nova desordem mundial
[…]” (p. 14).
“Os
medos nos estimulam a assumir uma ação defensiva” (p 15).
“É
como se os nossos medos tivessem ganhado a capacidade de autoperpetuar e se
autofortalecer; […]” (p. 15).
O
que o progressos prometia difere da volatilidade e instabilidade que seus
efeitos acabam consolidando e os medos existenciais fortalecem (p. 16-17).
“[…]
o capital do medo pode ser usado para se obter qualquer espécie de lucro,
comercial ou político” (p. 18).
Poteção
individual versus proteção coletiva. O discurso da construção de inimigos fantasmas
que devem ser combatidos pelos estados modernos em nome da proteção dos
sujeitos (p. 19-20).
A
relação entre a população carcerária que cesce com o desmonte da ação social e
previdenciária do estado. (p. 21-22).
Há
uma tradição em lucrar com o medo e, pode-se perceber que “a estratégia de
lucrar com o medo está igualmente bem arraigada, na verdade uma tradição que
remonta aos anos iniciais do ataque liberal ao Estado social” (p. 23).
“O
resultado mais evidente da campanha antiterrorista foi o rápido aumento do medo
que saturou a sociedade como um todo” (p. 24).
A
alteração das condições de violência em locais afetados por violência ocorreu
não pela força, mas pela “mudança das condições sociais que deixaram de ser
férteis para a weltanschauung e as
práticas dos terroristas” (visão de mundo) (p. 25).
As armas modernas, concebidas e
desenvolvidas numa era de invasão e conquista territorial, são singularmente
inadequadas para localizar, atacar e destruir alvos extraterritoriais,
endemicamente evasivos e eminentemente móveis, pelotões minúsculos ou apenas
pessoas sozinhas […]” (p. 25).
“O novo individualismo, o
enfraquecimento dos vínculos humanos e o definhamento da solidariedade estão
gravados num dos lados da moeda cuja outra face mostra os contornos nebulosos
da ‘globalização negativa’. Em sua forma atual, puramente negativa, a
globalização é um processo parasitário e predatório que se alimenta da energia
sugada dos corpos dos Estados-nações e de seus sujeitos” (p. 30).
“Num planeta negativamente globalizado,
todos os principais problemas – os metaproblemas que condicionam o
enfrentamento de todos os outros – são globais e, sendo assim, não admitem soluções locais. Não há nem pode
haver soluções locais para problemas originados e reforçados globalmente. A
união do poder e da política pode ser alcançada, se é que pode, no nível
planetário” (p. 31).
2
- A humanidade em movimento
“A quantidade de seres humanos tornada
excessiva pelo triunfo do capitalismo global cresce inerovalmente e agora está
perto de ultrapassar a capacidade administrativa do planeta” (p. 35).
Descompasso entre os que conseguem e os
que não conseguem usufruir dos benefícios da modernidade (p. 36-39).
“Talvez a única indústria florescente
nas terras dos retardatários (conhecidas pelo apelido, tortuoso e
frequentemente enganoso, de ‘países em desenvolvimento’) seja a produção em massa de refugiados” (p.
39).
“[…] a riqueza e o poder determinam não
apenas a economia, mas também a moral e a política do espaço global, assim como
tudo mais que diga respeito às condições de vida no planeta” (p. 41).
“Os refugiados são pessoas sem Estado
[…]” (p. 43).
3
– Estado, democracia e a administração dos medos
“[…] a variedade moderna de insegurança
é caracterizada distintivamente pelo medo da maleficência e dos malfeitores humanos” (p. 63).
“O entrelaçamento e a interação dos
direitos pessoais e políticos são exercidos pelos poderosos – os ricos, e não
os pobres […]” (p. 68).
“[…] se os direitos políticos podem ser
usados para enraizar e solidificar as liberdades pessoais assentadas no poder
econômico, dificilmente garantirão liberdades pessoais aos despossuídos, que não tem direito aos recursos sem os quais a
liberdade pessoal não pode ser obtida nem, na prática, desfrutada” (p. 70).
“Enquanto permanecerem desprovidos de
recursos, os pobres podem esperar no máximo serem recebedores de
transferências, não sujeitos de direitos” (p. 71).
“[…] a capacidade de enfrentar os
desafios da vida, diariamente testada, é afinal a própria oficina em que a
autoconfiança é forjada ou fundida” (p. 71).
“É improvável que algum tipo de salvação
venha de um Estado político que não é, e se recusa a ser, um Estado social
também. Sem direitos sociais para todos, um grande – provavelmente crescente –
número de pessoas irá considerar seus direitos políticos inúteis e indignos de
atenção. Se os direitos políticos são necessários para se estabelecerem os
direitos sociais, os direitos sociais
são indispensáveis para manter os direitos políticos
em operação. Os dois tipos de direitos precisam um do outro para sobreviver;
essa sobrevivência só pode ser sua realização conjunta” (p. 72).
“A irrevogabilidade
de sua expulsão e fragilidade das chances de apelar do veredicto é que transformam os excluídos contemporâneos em ‘classes
perigosas’” (p. 75).
“A irrevogabilidade da exclusão é uma
consequência direta, embora imprevista, da decomposição do Estado social – como
uma rede de instituições estabelecidas, mas talvez mais significativamente como
um ideal e um projeto segundo os quais as realidades são avaliadas e as ações,
estimuladas” (p. 75).
“[…] a ‘subclasse’ e os ‘criminosos’ são
apenas duas subcategorias de excluídos, ‘socialmente desajustados’ ou até
elementos antissociais’ […] Tal como as pessoas sem emprego, os criminosos […]
não são mais vistos como temporariamente expulsos da vida social normal […] mas
como permanentemente marginalizados, inadequados para a ‘reciclagem social’ e
designados a serem mantidos permanentemente fora, longe da comunidade dos
cidadãos cumpridores da lei” (p. 76).
4
– Fora do alcance juntos
“Separar e manter distância se tornam a
estratégia mais comum na luta urbana atual pela sobrevivência. O continuum ao longo do qual se assinalam
os resultados dessa luta se estende entre os polos dos guetos urbanos
voluntários e involutários” (p. 78).
“[…] guetos voluntários se transformam
em guarnições ou postos avançados da extraterritorialidade” (p. 79).
A arquitetura e urbanismo do isolamento
consolidam a formação de guetos e expoem um modo de atuação do mercado
imobiliário (p. 80-83).
“À
medida que a polivocalidade e a variedade cultural do ambiente urbano na era da
globalização se estabelecem, com a probabilidade de se intensificarem, e não se
atenuarem, com o decorrer do tempo, as tensões nascidas da
perturbadora/confusa/irritante estranheza do ambiente provavelmente continuarão
estimulando impulsos segregacionistas” (p. 92).
“A
tendência em direção a uma ‘comunidade de semelhanças’ é um sinal de retração
não apenas em relação à alteridade externa, mas também ao compromisso com a
interação interna – animada, mas turbulenta, revigorante, mas incômoda” (p.
93).
“A
homogeneidade social do espaço, enfatizada e fortalecida pela segregação
espacial, diminui a tolerância à diferença em seus habitantes e assim
multiplica as oportunidades para reações mixofóbicas, fazendo a vida urbana
parecer mais ‘sujeita a risco’ e, portanto mais angustiante, em vez de mais
segura e, desse modo, mais agradável e fácil de levar” (p. 97).
5 – A utopia na
era da incerteza
“[…]
as utopias modernas cresceram junto com a modernidade e só na atmosfera moderna
puderam respirar” (102).
O
jardineiro e o caçador como metáfora do construtor de utopias. (103-104).
“[…]
a fuga é o exato oposto da utopia […]” (p. 108).
BAUMAN,
Zygmunt. Tempos líquidos. Rio de
Janeiro, Zahar, 2007. Tradução: Carlos Alberto Medeiros.
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