domingo, 2 de setembro de 2012

Manuel Maria de Barbosa du Bocage



Ilustrado por Aldo Victorio Filho. Rio de Janeiro: Codecri, s.d. 120 p. (Col. ARTESetCETERA)
Edição meio clandestina de editora ligada ao PASQUIM, provavelmente burlando os rigores da censura durante a Ditadura Militar de (1964... ) é hoje peça disputada pelo bibliófilos.
Formato 27 x 21 cm.
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Ó FORMOSURA!
Piolhos cria o cabelo mais dourado;
Branca remela o olho mais vistoso;
Pelo nariz do rosto mais formoso
O monco se divisa pendurado:

Pela boca do rosto mais corado
Hálito sai, às vezes bem asqueroso;
A mais nevada mão sempre é forçoso;
Que de sua dona o cu tenha tocado:

Ao pé dele a melhor natura mora,
Que deitando no mês pode gordura,
Féitdo mijo lança a qualquer hora:

Caga o cu mais alvo merda pura;
Pois se é isto o que tanto se namora,
Em ti mijo, em ti cago, ó formosura!

http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_erotica/bocage.html
02/09/2012, 20:02
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"Mais doce é ver-te de meus ais vencida Dar-me em teus brandos olhos desmaiados Morte, morte de amor, melhor que a vida" O erotismo tem sido cultivado com alguma frequência na literatura portuguesa. Encontramo-lo, por exemplo, nas "Cantigas de Escárnio e Mal-dizer", no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, em Gil Vicente, em Camões cujo canto IX dos Lusíadas nos dá um fresco dos prazeres dos nautas portugueses inebriados por mil sereias, para alvoroço dos jovens estudantes dos meus tempos do liceu. No presente século, Fernando Pessoa, curiosamente nos seus English Poems, Mário de Sá-Carneiro, Guerra Junqueiro, António Botto, Melo e Castro, Jorge de Sena, entre muitos outros, celebraram nos seus escritos os rituais de Eros. No século XVIII prevalecia um puritanismo limitador. Com efeito, era difícil uma pessoa assumir-se integralmente, de corpo e alma. Tabus sociais, regras estritas, uma educação preconceituosa, a moral católica tornavam a sexualidade uma vertente menos nobre do ser humano. Por outro lado, uma censura férrea mutilava indelevelmente os textos mais ousados e a omnipresente Inquisição demovia os recalcitrantes. Em presença desta conjuntura, ousar trilhar a senda do proibido, transgredir era, obviamente, um apelo inexorável para os escritores, uma maneira salutar de se afirmarem na sua plenitude, um imperativo categórico. Em Bocage, a transgressão foi pedra de toque, o conflito generalizado. As suas críticas aceradas aos poderosos, a determinados tipos sociais, ao novo-riquismo, à mediocridade, à hipocrisia, aos literatos, o seu anti-clericalismo convicto, a apologia dos ideais republicanos que sopravam energicamente de França, a agitação que disseminava pelos botequins e cafés de Lisboa, o tipo de vida "pouco exemplar" para os vindouros e para os respeitáveis chefes de família e a sua extrema irreverência tiveram como corolário ser considerado subversivo e perigoso para a sociedade. Poder-se-á afirmar que a poesia erótica de Bocage adquiriu uma dimensão mais profunda do que a que foi composta anteriormente. Pela primeira vez, é feito um apelo claro e inequívoco ao amor livre. A "Pavorosa Ilusão da Eternidade - Epístola a Marília", constitui uma crítica contundente ao conceito de um Deus castigador, punitivo e pouco sensível ao sofrimento da humanidade – à revelia dos ideais cristãos – que grande parte do clero perfilhava; mas também consubstancia um acto de subversão na medida em que convida Marília "à mais velha cerimónia do mundo", independentemente da moral vigente e dos valores cristalizados. Estava, à luz dos conceitos da época, de certa maneira, a minar as bases da sociedade, pondo em causa a própria família. O referido poema, bem como o seu estilo de vida, estiveram na origem do seu encarceramento, por ordem irreversível de Pina Manique, irrepreensível guardião da moral e dos costumes da sociedade. A prisão do Limoeiro, os cárceres da Inquisição, o Mosteiro de S. Bento e o Hospício das Necessidades, por onde sucessivamente passou para ser "reeducado", não o demoveram da sua filosofia de vida, estuante de liberdade, interveniente, pugnando pela justiça, assumindo-se integralmente, ferindo os sons da lira em demanda do apuro formal que melhor veiculasse as suas legítimas preocupações. Só cerca de cinquenta anos após o falecimento de Bocage, foram publicadas pela primeira vez as suas poesias eróticas. Corria o ano de 1854 e apareceram na sequência da publicação criteriosa das obras completas, em 6 volumes, pelo emérito bibliógrafo Inocêncio da Silva. Para evitar a sua apreensão e os tribunais, a obra saiu clandestinamente, sem editor explícito e com um local de edição fictício na capa: Bruxelas. Este facto de se não referir o editor foi prática comum até à implantação da República. Embora feitas em Portugal, anonimamente, as Poesias Eróticas, Burlescas e Satyricas apresentaram como local de edição sucessivamente Bruxellas (1860, 1870, 1879, 1884, 1899, 1900), Bahia (1860, 1861), Rio de Janeiro (1861), Cochinchina (1885), Londres (1900), Paris (1901,1902,1908,1908), Amsterdam (1907) e Leipzig (1907). Malhas que a implacável censura tecia... As Cartas de Olinda a Alzira – que constituem um caso inédito na literatura portuguesa, pois são um relato das primícias sexuais de uma jovem, na primeira pessoa, como assinala Alfredo Margarido – por sua vez, são dadas à estampa nos finais do século passado com as precauções proverbiais: sem a menção da data, editor, local ou organizador. Com o advento da República, a liberdade de expressão, grosso modo, foi uma realidade. Estavam reunidas as condições objectivas e subjectivas para a Guimarães Editores assumir a publicação de Olinda e Alzira, em 1915. Nos anos que se seguiram ao 28 de Maio de 1926, mais concretamente durante o consulado de Salazar, a censura foi reinstalada e a poesia erótica de Bocage voltou à clandestinidade, fazendo parte do índex de livros proibidos. Circulava sub-repticiamente, em edições anónimas, teoricamente feitas em "London", apresentando as datas de 1926 ou 1964. Coincidiu com a primavera marcelista, nos finais da década de 60, a publicação das obras completas de Bocage, superiormente dirigida por Hernâni Cidade. Em edição de luxo, a editorial Artis, fascículo a fascículo, foi estampando toda a obra poética. O último volume contemplava as poesias eróticas. Num prefácio bem tecido, aquele biógrafo justificava a sua inclusão, fazendo notar a tradição do erotismo na poesia portuguesa, mencionando inclusivamente mulheres que, sem falsos pudores, analisaram esta problemática, caso concreto de Carolina Michaëlis, "que às riquezas do espírito altíssimo juntava os tesouros do coração modelar de esposa e mãe." O facto desta obra ser vendida por fascículos e consequentemente não estar acessível ao grande público nas livrarias, bem como as razões aduzidas por Hernâni Cidade, terão convencido os ciosos censores. Com o 25 de Abril, têm-se sucedido as edições, sem a preocupação de um estudo introdutório que perspective o erotismo na obra de Bocage. O lucro fácil prevaleceu em detrimento da verdade literária. Tendo em consideração que Bocage deixou muito poucos autógrafos manuscritos dada a sua proverbial dispersão, não se pode ter a certeza relativamente à autoria de algumas poesias eróticas que circulam como se do poeta fossem. Com efeito, a primeira edição da sua poesia erótica, dada à luz em 1854, terá sido publicada a partir de um caderno manuscrito que incluía cópias de composições de vários autores anónimos. Umas serão certamente do seu estro poético, outras, está provado hoje em dia, foram compostas por Pedro José Constâncio, Sebastião Xavier Botelho, Abade de Jazente e João Vicente Pimentel Maldonado. Porém, de imediato, foram identificadas como se da pena de Bocage tivessem saído, pois a sua fama de libertino era marcante na época. Curioso é ainda o facto de essas composições continuarem a fazer parte do corpo das edições das Poesias Eróticas, Burlescas e Satíricas que se publicam nos tempos que correm. É urgente fazer-se uma análise estilística – tarefa de extrema dificuldade – e identificar-se, na medida do possível, os poemas que são da autoria de Bocage, os que poderão eventualmente sê-lo e retirar ou colocar em apêndice os que manifestamente não lhe pertencem. Daniel Pires (extraído de Exposição biobibliográfica comemorativa dos 230 e dos 190 anos do nascimento e da morte de Bocage. Setúbal: C.M.S., 1995)
02/09/2012, 20:13

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